PITÚ SOUR – Bruna Beber

PITÚ SOUR

Bruna Beber

Esse drinque eu dedico às crianças, hoje adultos, e aos adultos, um dia crianças ou para sempre crianças, que são ou já foram embebedados por seus avós, tios ou qualquer exemplar de parente bem-humorado e previdente. Para aqueles que cresceram com a chupeta molhada na cachaça, para os que chupam chupeta até hoje e para os que pretendem chupar chupeta na velhice.

 

Desenho de Edward Lear

É muito fácil, pois, para qualquer lugar que se olhe no mundo, há uma garrafa de PITÚ. No mato dá PITÚ, de dentro do jardim, depois da chuva, nasce uma garrafa de PITÚ. Se tem prateleira, tem PITÚ, se há sol, há PITÚ. Quando nos apaixonamos é culpa da PITÚ, e até mesmo no horizonte, se olhar direito, verás uma garrafa de PITÚ.

 

É bem provável que seja assim desde a Grécia, pois o álcool inventou todos os assuntos, é o pai da linguagem. Fico pensando o que seria da Acrópole sem um camelô de PITÚ. Sem PITÚ não existiria a matemática e o raciocínio abstrato e consequentemente a vida como a conhecemos hoje, bem mais sem graça do que foi um dia a vida da Grécia.

 

A Grécia Antiga viu de tudo, mas não conheceu o principal: a cana-de-açúcar. Então, quando você pensar em fazer um PITÚ SOUR, você só precisa de três coisas essenciais que talvez você não tenha: mãos, tempo e espírito aventureiro. Sei que ninguém é perfeito, de qualquer forma, sempre é possível comprá-los.

 

Mas, para decidir fazer de fato um PITÚ SOUR você precisa de um pouco mais, que ainda é pouco diante da infinidade de possibilidades e oportunidades deste fenômeno que chamamos de viver.

 

Vamos lá:

 

Ferramentas>>>

Uma coqueteleira. Ou qualquer recipiente alongado e com tampa.

Improvise, pois serve:

– Um cilindro do brinquedo Cai-não-cai.

Não se esqueça de tampar os furos com Durepox. Na falta dele, amarre um pano em volta da área orificiada e entupa o furo superior (canal de entrada da bola de gude) com uma rolha ou com o que estiver mais próximo.

– Uma lata de pega-varetas. Hoje em dia já deve existir com embalagem plástica.

– Um humano com moleira.

– Um pênis de montar.

 

Ingredientes>>>

– Suco de limão: uma dose, três ou seis. Escolha uma dessas opções pois qualquer número diferente o drinque pode ficar desequilibrado.  Esta é a única exigência.

Também serve: Ki-suco de limão, uma semente de limão para plantar um pé de limão e uma primavera até que floresça, torta de limão (sempre fica um caldinho na tigela que também serve), essência de limão, biscoito de limão amassado com água, chiclete de limão mastigado, H20 limão, Schweppes Citrus. Enfim, veja o que prefere.

– Uma garrafa de PITÚ ou PITÚ GOLD. Jamais direi a quantidade de doses, quem define isso é o livre-arbítrio.

–  Açúcar para decorar o copo

Este é o único lugar no mundo onde o adoçante é discriminado. Portanto, diabéticos, sinto privá-los de mais este prazer. Pessoas de dieta, eu sei que vocês estão acostumados a privações, então vai mais uma. Pessoas sanguinantemente intolerantes a esse valioso fruto da cana: foi mal!

Você pode usar açúcar cristal (é lúdico mas não adoça e se não adoça não faz feliz) ou açúcar mascavo (conhecido como barro doce). Mel também serve, é bom que ajuda a matar os bichos. Mel com açúcar idem se você estiver de ressaca e com dor de garganta. Afinal mel, cachaça e limão derrotam qualquer coisa, até o Robotinik.

– Gelo esfarelado, raspado, picotado ou em pedras. Origami de gelo se você mora no Japão, Geloucos Coca-Cola se você ainda os possui, gelo importado com design russo contemporâneo, gelo seco porque vai dar um toque cênico ao seu drinque.

Não havendo gelo, sempre haverá água, e onde há água pode haver gelo. Se você mora num lugar onde não existe luz elétrica provavelmente não haverá gelo. Então sirva quente.

– Claras batidas em neve.

Sem dúvidas estamos diante de uma imagem muito poética. O que seria do mundo sem o ovo? O ovo é tão poderoso que dele podemos até fazer neve. Se você mora na Europa ou no sul do Brasil eu sei isto não é novidade, mas pra você que mora no Crato, que onda.

 

Modo de preparo>>>

– Molhe a borda de um copo baixo (alto, médio, anão, caneca, lata) com o suco de limão ou seja lá o que você utilizou

– Vire-o num prato com açúcar ou seja lá o que você conhece como prato e o que você prefere como açúcar, para formar uma crosta, também conhecida como camada, lombada, ou fisicamente, uma suruba de moléculas.

– Misture as doses de PITÚ ou PITÚ SOUR (Atenção: 1, 3 ou 6), o que você escolheu como açúcar e como gelo no recipiente que chamou de coqueteleira.

– As claras em neve não servem para nada neste drinque. É apenas uma experiência de contemplação que te ofereço em momento tão sublime, este de fazer um PITÚ SOUR. Sempre que estiver triste, bata claras em neve. Relaxa e emociona.

– Coe e despeje todo o resto supracitado naquilo que você gosta de usar como copo.

Acompanha: camarões. Também serve sardinha, manjubinha, lagarto, tremoço, amendoim, feijão, torresmo e idosos entediados.

No som: uma música boa. Não sou eu que vou dizer o que é uma música boa pra você.

De qualquer forma sempre há o canto dos pássaros e dos rios, o zunzunzum de uma praça de alimentação num domingo antes do Natal, o choro do seu filho, os aviões cruzando o céu. Como é perturbadora a vida para os que tem audição!

Agora você já está preparado para dar a primeira bicada no seu maravilhoso PITÚ SOUR. E ao sentir o gosto pela primeira vez, apenas agradeça: estou vivo.

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Esse texto foi originalmente publicado no extinto zine de literatura Ornitorrinco, na edição #12, de agosto de 2011, e recentemente foi impresso na revista Grampo Canoa #4, da Luna Parque Edições, em janeiro de 2018.

 

 

Bruna Beber nasceu em 1984, em Duque de Caxias (RJ), e vive em São Paulo. É poeta, tradutora e mestranda em Teoria e História Literária pela Unicamp. Estreou na poesia com a fila sem fim dos demônios descontentes (7Letras, 2006), e publicou também balés (Língua Geral, 2009), rapapés & apupos (7Letras, 2012), Rua da Padaria (Record, 2013) e Ladainha (Record, 2017). Site da autora: http://brunabeber.com.br/