De Abadiânia para Londres: a última performance de Marina Abramovic – Dirce Waltrick do Amarante

De Abadiânia para Londres: a última performance de Marina Abramovic

 

Dirce Waltrick do Amarante*

 

"512 horas", Marina Abramovic

“512 horas”, Marina Abramovic

 

Do dia 11 de junho ao dia 25 de agosto deste ano, a artista e performer Marina Abramovic (1946) esteve na Serpentine Gallery, em Londres, apresentando seu último trabalho, 512 hours (512 horas).

No dia 25, eu tive a oportunidade de participar de sua perfomance, não sem antes ter de enfrentar uma fila enorme que se movia lentamente sob uma chuva fina e fria em pleno verão londrino. As performances de Abramovic têm atraído um público cada vez maior e variado, a artista vem ganhando ao longo dos anos status de pop star.

De repente, Marina Abramovic apareceu na porta da galeria e recebeu seus primeiros “convidados” um a um, com um forte aperto de mão, à medida em que eles entravam no pavilhão. Essa recepção calorosa vem corroborar a ideia de Marina Abramovic que, em 1989, já havia dito: “a arte do século XXI será uma arte na qual não haverá nada entre o artista e o visitante, o que levará a uma troca de energia entre eles”. Essa é exatamente a proposta de 512 hours.

Em 2010, outra performance de Marina Abramovic, The artist is present (A artista está presente), apresentada no MoMa, em Nova York, já demostrava esse mesmo objetivo. Nessa performance, artista e espectador sentavam-se frente a frente e se olhavam por um tempo indeterminado, procurando captar a energia que o outro pudesse oferecer.

Em 512 hours, o público era convidado a deixar seus pertences — bolsas, casacos, celulares, relógios – numa antessala e colocar fones de ouvido que bloqueavam os barulhos externos. As pessoas seguiam então para três salas, todas completamente brancas: uma vazia, outra com cadeiras e uma terceira com um pequeno estrado no centro da sala. Um espaço simples, um ambiente despojado, no qual o único material presente é a própria artista e seu público. A noção do “nada”, do vazio ou esvaziamento, já está historicamente estabelecida na arte. O conceito foi exaustivamente trabalhado por John Cage, Yves Klein, entre outros.

Em 512 hours, o vazio é o ponto de partida, pois, como a própria artista afirmou, “do nada, alguma coisa pode ou não pode acontecer”, como, por exemplo, uma troca energética.

A performance de Abramovic surgiu depois de sua estada em Abadiânia, em Goiás, entre dezembro de 2012 e janeiro de 2013, onde teve contato com o médium João de Deus e seus rituais de cura. Lá, a artista passou a se indagar sobre como poderia usar a energia de entidades para ajudar a fortalecer os seres humanos através da arte. Parece-me que Abramovic buscou no seu mais recente trabalho fazer da sua arte uma terapia.

A sensação que eu tive ao percorrer as salas da galeria foi a de que elas eram um espaço para meditação: nelas algumas pessoas permaneciam paradas com os olhos fechados, outras caminhavam como se tivessem sido abduzidas por uma energia cósmica, criando, no entanto, uma atmosfera meio forçada, meio caricata. Como eu fiz parte do segundo grupo a entrar na galeria, não sei quem criou aquele clima, se a própria audiência ou Marina Abramovic. Quando entrei, a artista estava sentada numa cadeira com os olhos fechados. Ela permaneceu ali por um longo tempo, tempo suficiente para que eu deixasse a galeria sem saber o que Marina faria depois e sem que eu tivesse conseguido “transcender”.

A arte como terapia parece estar em alta, segundo Alain de Botton e John Armstrong, que acabaram de lançar um novo catálogo – Art is Therapy – para o Rijks museum, de Amsterdam. Mas essa ideia não é nova, alertam os estudiosos, nos séculos XVI e XVII, “a ambição da arte era mudar a sua vida. Ela pretendia fazer de você uma pessoa melhor, e a mensagem estava frequentemente explícita na legenda ou no cabeçalho da gravura”.

Para Marina Abramovic, “se você realmente quer ter sua própria experiência, a única coisa que importa é … performatizar você mesmo”. Sem objetos, sem cenário, 512 hours conta com a memória dos próprios espectadores para sobreviver e com a sua experiência narrada de boca em boca, como estou fazendo agora.

* Professora do Curso de Artes Cênicas da UFSC.