O Corvo sobrevoando a Ilha – Jacqueline Augusta Leite de Lima

O Corvo sobrevoando a Ilha

Jacqueline Augusta Leite de Lima*

 

Nesta Florianópolis, ilha cheia de magia, encantos e novos ares, chegam surgindo de todos os lugares, sotaques, falas e múltiplos cantares que acabam aqui ficando e diversificando o lugar. Atraídos pelas praias, pela natureza e pelo conhecimento, Florianópolis recebe “aves” milhares, que entre tantas coisas espetaculares se perdem nos vocábulos singulares do manezês. Eu, como “ave” migrante vinda do norte, recém chegada, sem muito contato com as coisas locais e ainda tendo como novo habitat a UFSC, que recebe bandos de todos os cantos, confesso que ao tentar não consegui acompanhar a fala corrida e cantada dos descendentes açorianos.

Chocada em um ninho de línguas estrangeiras, me vi um pássaro sem asa ao receber a proposta de aos ventos do poema The Raven, de Edgar Allan Poe, voar pela tradução de Alison Silveira Morais, que usa o manezês, tal como falado, para dar forma e sonoridade a tal obra. Sem sul ou muito menos norte, agarrada a simples sorte, lancei-me nessa aventura literária de criticar tal tradução. Não foi nenhuma surpresa que ao estranhar o inglês e o manezês busquei auxilio no português, e planando entre as linguagens e informações iniciei um voo raso que se foi alçando a cada verso lido e relido.

The Raven, de Poe chegando ao Brasil não tardou em se tornar uma revoada. Dentre tantos corvos e outros pássaros criados no português por vários autores, as traduções mantêm a história de um apaixonado que assombrado pela saudade e morte de sua amada cresce em tristeza e pavor junto com o poema. Voando nessa história, Alison não se mantém totalmente fiel á matemática que o próprio Poe afirma ter sido de suma importancia para a criação deste poema, entretanto o mínimo de adequação no tamanho, dito por Poe “cem linhas, aproximadamente”, já é o suficiente para nos guiar por uma tradução que além de manter história e essência, traz mais que somente o linguajar de Florianópolis, mostra também sua cultura, seu jeito, paisagem e marcas manezinhas.

Fazendo uso do manezês, sem muita dificuldade, Alison traz sua versão do refrão “Nevermore” (“Nunca mági”), mantendo o ritmo e a sonoridade de tal com “Nothing more” (“Nada máx”), conseguindo dar nome a “Lenore” (“Leninha”) e assim estendendo a musicalidade do poema a outras partes menos usuais.

Sua tradução coloca detalhes simples que remetem o estilo praiano “…on the Night’s Plutonian shore” (“…a noite toda á beira má”), ao mesmo tempo que vai em conjunto explorando minuciosas características culturais da ilha “…with my head at ease reclining/ On the cushion’s velvet lining that the lamp-light gloated o’er” (“…com a cabeça recostada na cadera que balançava/ As renda de bilro de forrage e o lampião que tudo alumiava”) trazendo a beleza e a imagem de suas crenças “Perched upon a bust of Pallas just above my chamber door” (“Si apolerô-se em cima da istatula da Nóssinhóra de Aparecida/ Em cima do batente”). E é fazendo bom uso do manezês que Alisson traz para perto os sentidos da obra, tornando o entender de algumas expressões mais vivido, pois mesmo planando entre inglês e manezês, nada é mais “Quaff, oh quaff” que “Vo me embebedâ!  me imbrigá”.

É com muita “Sabença”, e a essa altura eu já me pego “arrastando asa” para o manezês e viciada na musicalidade do poema de Poe, que dentre tantos corvos esta tradução do poema permita que o leitor, manezinho ou não, sendo ave de qualquer lugar, sobrevoe a ilha compreendendo O Corvo “e nada mági”.

 

* Mestranda do Programa de Pós-graduação em Estudos da Tradução (UFSC).