O encontro – Luiz Costa Lima

O ENCONTRO

LUIZ COSTA LIMA

Há anos passados, Rebeca, minha mulher, me perguntou por que não escrevia sobre nossa querida cachorrinha, Lully. Como se a resposta já estivesse amaducida,  a escrevi quase de uma só vez. O ME CHAMO LULLY foi publicado em 2013, por uma pequena editora, a 7 Letras, do Rio. Como a 7 Letras não tem publicidade e o livro recebeu apenas uma resenha, aliás bastante boa, de Josélia Aguiar, no Valor Econômico (SP), pouco gente deve conhecer as reflexões de minha shitzu sobre nós, os humanos. Há menos de um mês, veio-me à cabeça escrever uma espécie de continuação. Deitada no sofá, que está à frente de minha mesa de trabalho, Lully se dava ao direito de pensar o que lhe viesse à cabeça, à semelhança dos meninos que ela via, na praia de Búzios, entregues, com uma bola, a uma linha de passes . O tom relaxado a que se entregava viria a se interrompido pelo aparecimento de um bicho preto, muito estranho, com quem ela passa a entreter uma conversa astuta e não menos estranha. O diálogo entre os dois dá título ao relato, “O Encontro”. A passagem escolhida por Dirce Waltrick do Amarante tirará o manuscrito do ineditismo que o acolhe. (LCL)

 

Obra de Jeff Koons

Obra de Jeff Koons

Lully no sofá

 

Escuto os humanos falarem de seus diferentes sentimentos. Aos poucos, fui aprendendo o que chamam de tédio, dos graus que podem ter de alegria, da tristeza passageira ou intensa, da decepção com o que esperavam, do abatimento que só dobra, até mesmo de uma corrente que passa dentro dentro deles e que só pode ser muito ruim: a depressão. Ela deve ser muito estranha porque ou dizem que não têm vontade de sair dela ou que têm de procurar um médico.

Se falássemos, teríamos tantos nomes para tantos sentimentos? Desconfio que não é só uma questão do número de palavras; que somos mais simples. Sentimos fome e sede. Se alguém não encher nossos pratinhos e tijelas, latimos o mais forte que possamos. Se pisam nosso rabinho ou nos põem em cima de um móvel, principalmente para nos passarem remédios que ardem ou são amargos, ficamos indignados e rosnamos. Chegamos até a um movimento que eles não esperam e procuramos morder a mão que esteja por perto. Mas nisso seremos diferentes? Embora os humanos que convivem conosco pareçam se gostar, vemos que às vezes falam grosso, como se latissem, e se dizem coisas que já aprendemos serem desagradáveis. Há contudo uma diferença. Sei que um ou outro se arrepende do que disse ou fez e chega até a pedir desculpas. Entre nós, cachorrinhos, não há nada isso. Reagimos bem ou mal e não voltamos atrás. Não quero dizer que nos esqueçamos do que nos fizeram, antes ou depois de reagirmos. Assim, quando chove, Billy e eu não queremos meter nossas patinhas no chão molhado e, por mais que Pedro nos empurre, não voltamos atrás. Já sabemos que ele fará uma cara de desgosto, que me carregará no colo até o fim da rua ou que Billy fugirá de seu controle e ficará junto ao portão, à espera que ele e eu voltemos do fim da rua. Pouco nos importa que isso lhe desagrade. Posso mesmo dizer que remorso, sensação de termos feito uma coisa feia,  são sentimentos que não conhecemos.

E que dizer de uma alegria repentina? Nem sei se ela é verdadeira entre os humanos. De nossa parte, o mais próximo disso se dá quando escutamos tocar a campainha da porta e aparece alguém que conhecemos ou que, pelo cheiro de suas pernas, sabemos que gostam de cachorrinhos. Billy logo se desinteressa. Mas não eu. Me deito perto dos que conversam e, embora não entenda muito do que dizem, gosto de saber das novidades.

Tudo isso e muito mais que tenho até preguiça de recordar me esclarece que sentimos outras coisas. Mas há uma coisa que me intriga. Se nossas reações são claras e precisas, o mesmo não se pode dizer da dos humanos. A princípio, achava que não entendia bem que eles se diziam uma coisa e diante de outros humanos, ou noutro momento, faziam comentários até opostos. Isso tanto se repetiu que já sei que há um problema com as palavras: se, prá nós, não é fácil aprender o que muitas delas querem dizer, é mais difícil ainda saber quando dizem mesmo o que deveriam estar dizendo. Sei que a respeito disso eles ora falam em falsidade, ora em diplomacia, ora em formas de cortezia. Mas nunca soube como distinguir isso daquilo. Precisaria entrar neles para dizer que mesmo eles sabem quando é isso ou aquilo.