JÓIAS DA COROA – Francesca Angiolillo

JÓIAS DA COROA

 

Francesca Angiolillo

 

Leitura do poema pela autora:

https://soundcloud.com/dirce-waltrick-do-amarante/joias-da-coroa-poema-de-francesca-angiolillo

 

Como quase toda menina eu queria

ser princesa eu já não era

loura como Cinderela

minha irmã sim e espevitada

chegara ao mundo resolvida

eu não sabia o que fazer 

daquela massa castanha

nem lisa nem crespa sobre a cabeça

e acreditava que talvez a cobiçada coroa

de strass

de miss

operasse um pequeno milagre ao encimar

minhas incertezas infantis

então a cada carnaval a cada ida

às lojas de fantasias no centro da cidade

dava-se uma renovada decepção

a diminuta coroa ficava ali

na mesa envidraçada

com seu brilho de mentira

 

um dia

numa celebração de aniversário talvez

meu pai nos fez umas coroas

eram de papel cartão preto

adornadas com purpurina no lugar

das pedras e com volutas douradas

feitas a caneta

 

A caneta era especial

importada só ele usava

e tudo na coroa traía o traço

que era dele totalmente

que era o mesmo

de seus quadros nas paredes

era a marca de sua mão

 

Eu não sabia quanto aquela coroa

que levei tristemente à minha

cabeça castanha

era real

tão mais real que o diadema prateado

com pequeninas pedras

esquecido na vitrina

 

No círculo de papel preto

se encerrava o futuro

não o lar imaculado mas a aranha

pequenina se escondendo

num canto do armário

as meias cobrindo os pés

na hora de dormir numa casa

não aquecida

em mais um inverno austral

ao lado de um homem

o herdeiro

mais legítimo

daquela ideia

de príncipe

que fora possível encontrar

e que me dera um descendente

louro de olhos azuis

repetindo no rosto

seus traços castanhos

 

o cartão escuro era o que fazia

as jóias da coroa luzirem mais