Análise de “Bread Man”, de Tatsumi Orimoto – Telemakos Endler

ANÁLISE DE BREAD MAN, DE TATSUMI ORIMOTO

Telemakos Endler*

Conforme Jorge Glusberg, em “A arte da performance”, o “uso do corpo humano como sujeito e força motriz do ritual, remonta aos tempos antigos. […] Sem irmos tão longe na história e sem esquecermos tampouco as influências do kabuki e do nô japonês, podemos localizar, segundo alguns autores, a verdadeira pré-história do gênero” que se tem denominado arte da performance.

“O termo “performance” é tão genérico quanto as situações nas quais é
utilizado. Na vida, bem como em distintas áreas do conhecimento, a palavra transita em muitos discursos. Talvez por isso, por resistir tanto a uma única classificação, torna-se tão instigante para o campo da arte”, diz Regina Melim em “Performance nas artesvisuais”.

Na performance “Bread Man”, do japonês Tatsumi Orimoto, realizada em 2010 na cidade de Penzance – e também em vários outros lugares ao redor do mundo em anos anteriores, utilizando-se de vários pães baguetes amarrados por um fio no rosto, como se fossem máscaras, os performers andam pelas ruas da cidade distribuindo pão grátis.

Bread Man, Tatsumi Orimoto

Os performers são guiados pelo próprio idealizador da performance, que toca
uma sineta, além de utilizar a máscara de pães. Segundo Ana Maria Amaral, no livro “O Teatro de formas animadas”, “a máscara no Japão encarna dois princípios: monomane, o aparente, o exterior; e yugen, o invisível, o interior. A máscara é sempre uma busca da essência.” E continua dizendo que “no teatro japonês existem três elementos fundamentais: o religioso, o erótico e a dança. O religioso é geralmente associado ao teatro nô, um teatro de ator e máscaras. […] A dança pode ser encontrada em todas as manifestações teatrais japonesas e ela vem sempre acompanhada de máscaras. Portanto,
a máscara está sempre presente nos principais elementos de teatro japonês.”
Logo, é notório que a influência para a utilização da máscara na performance de Tatsumi Orimoto, vem do teatro japonês. Assim como na performance, no teatro japonês, conforme Ana Maria Amaral, “as máscaras têm aberturas muito pequenas para os olhos, e isso faz com que o ator” – ou performer – “olhe mais para dentro de si, mais para o seu mundo interior do que para o exterior. A pouca visão leva-o a maior concentração.”

“No início do século XX, houve uma volta à mascara. […] Houve como que
uma descentralização do corpo humano, o rosto perdeu sua hegemonia e passou a ser simples parte de um todo.” “A expressão ideal para o teatro era, para Craig, a máscara e o boneco. Craig rejeitava o rosto humano por não ser um meio de expressão teatral. Segundo ele, o rosto do ator facilmente se deixa trair por frivolidades. […] E para limitar a presença humana no palco, Craig sugeriu o uso de máscaras com as quais essa presença poderia ser atenuada.”

Quatro décadas mais tarde “Grotowski reafirma a hegemonia do ator. […] Como em Kathakali ou no teatro nô, os atores de Grotowski criam máscaras faciais e corporais. […] É um teatro de máscaras corporais vivas.” Assim como os atores de Grotowski, os performers tornam-se verdadeiras esculturas vivas em “Bread Man”.

Contrastando com a figura de escultura e o olhar interior que é favorecido pelo uso da máscara, ocorre o partilhamento do pão com o público.
Segundo Regina Melim, “o espaço de performação, traduzido como aquele que
insere o espectador na obra-preposição, possibilita a criação de um estrutura relacional ou comunicacional”, o que provoca no público as reações mais diversas.

O uso do pão pode ser interpretado de várias maneiras, com associações que vão desde a sua função como um item básico da dieta ocidental, a conotação de consumismo e da pobreza, ou o seu significado na iconografia cristã como um emblema da dicotomia entre partilha e sacrifício.

O pão, assim como a performance é uma linguagem compreendida por todos.
Por isso ela se torna tão importante na sociedade atual. “A importância da performance pode ser sentida também pelo crescente número de artistas que se dedicam a essa disciplina experimental, e pela influência que essa arte exerce […] na renovação do teatro, da música e da dança.”

* Ator e aluno do curso de Artes Cênicas da UFSC.