Jantando com Mariana Abramović — Dirce Waltrick do Amarante

Jantando com Mariana Abramović

Dirce Waltrick do Amarante* 

Marina Abramovic

No final de 2011, a performer Marina Abramović (Belgrado) dirigiu a gala do Museu de Arte Contemporânea de Los Angeles, um evento anual que muitos museus promovem para angariar fundos para as suas instituições.

Essa nova performance gerou polêmica não só entre o público “leigo” mas também entre muitos artistas e historiadores de arte. Durante o evento, os convidados, com jalecos brancos de laboratório (como pedia o convite, que custava cerca de US$2.500,00), sentaram-se às mesas para o jantar oficial e se depararam, no lugar do tradicional enfeite de centro, com cabeças de atores, que giravam e olhavam atentamente para cada um dos convidados, e corpos nus cobertos por ossos.

O evento foi considerado por muitos convidados uma “humilhação pública”, mas poderia ser visto como uma recriação do “humorismo giratório”, conceito extraído do livro Sílvia e Bruno (1893), de Lewis Carroll, que define uma festa de despedida, no mencionado livro, assim: “Para uma pequena reunião, percebemos que era uma excelente ideia construir uma mesa redonda, com um buraco no centro, largo o suficiente para conter um convidado. Nele colocamos o nosso melhor fanfarrão. Ele girava lentamente, olhando um a um os convidados sentados em volta da mesa, e contava anedotas divertidas em profusão!”

Talvez, na performance de Marina Abramović, o que tenha faltado foi um pouco mais de humor de ambas as partes, performers e público.     

Porém, nem a performance de Abramović (muito semelhante à de Carroll), nem o termo performance (nascido na segunda metade do século XX), são tão novos assim. Então, por que ainda causam tanto mal estar?

Em Perfomance como linguagem, de 1989, Renato Cohen já afirmava que “a apresentação de uma performance muitas vezes causa choque na plateia (acostumada aos clichês e a previsibilidade do teatro). A performance á basicamente uma arte de intervenção, modificadora, que visa causar uma transformação no receptor.”

Além disso, o termo performance escapa às classificações fechadas, é uma arte de fronteiras, que se originaria da busca intensa, de uma arte integrativa, uma arte total, que escape de delimitações disciplinares.

Portanto, na arte da performance, opina Cohen, “vão conviver desde ‘espetáculos’ de grande espontaneidade e liberdade de execução (no sentido de não haver um final predeterminado para o espetáculo) até ‘espetáculos’ altamente formalizados e deliberados (a execução segue todo um roteiro previamente estabelecido e devidamente ensaiado)”.

Para muitos estudiosos, a performance é antes de tudo uma expressão cênica. Segundo Jacó Guinsburg, “a expressão cênica é caracterizada por uma tríade básica (atuante, texto e público) sem a qual ela não tem existência”. Aqui, a palavra texto deve ser entendida como um conjunto de signos que podem ser simbólicos ou mesmo indiciais.

Contudo, ressalta Cohen, “o que aconteceu é que a partir do momento que a performance começou a ser associada com ‘acontecimento de vanguarda’, qualquer artista ou grupo que fizesse um trabalho menos acadêmico atribuía-lhe essa designação, independentemente ou não da produção ter alguma contiguidade com o que se entende por performance”.  

            O que vemos algumas vezes, então, são espetáculos oportunistas que não ajudam em nada na compreensão da performance, apenas trazem, conclui Cohen, “um desgaste para as tendências de experimentação dentro da arte”. A performance não vem preencher um vazio na arte contemporânea. Pensar assim é, opina Jean Baudriallard, “o delito de iniciado, dos que prostituem o nada ao valor, prostituem o mal com fins utilitários.”

Caberia lembrar, finalmente, que, segundo Walter Benjamin, “uma das tarefas mais importantes da arte foi sempre a de gerar uma demanda cujo atendimento integral só poderia produzir-se mais tarde”. Talvez seja esse o caso da performance de Marina Abramović, que ritualizou e dramatizou o que seria um mero jantar anual dentro de uma espaço destinado para a arte, mantendo-se no tênue limite da espontaneidade.

* Professora do Curso de Artes Cênicas da UFSC