Sobre a fotografia – Henrique Pereira
Sobre a fotografia
Henrique Pereira*
Parte 01
TEORIAS, PRATICAS E IMAGENS DE UM NAO ESCRITOR
Em meio a exposição o guarda diz: “ não usem flash, pois sua foto vai ficar normal”, e continua: “por favor não se demorem nas selfies”.
A fotografia hoje não passa de um espasmo, que dura apenas o momento do click.
Pra que tanta fotografia?
Morrem-se sem serem vistas em algum HD(quando me refiro a hd, me
refiro a cartão de memória), ou em uma gaveta sem ao menos revelar o negativo, ou mesmo são apagadas , existindo somente no limbo das imagens, segundo o professor Brandão.
E se nesse momento ao invés de me ouvirem vissem apenas um asséptico filme, sem meus erros, perdidos na edição?
Edição essa responsável pelo imaginário perdido de imagens malditas, aliás, mal vistas, ou ainda nunca vistas.
Tais imagens, a escória imagética(as quais confesso ocupar grande parte de meus 8 terabytes de hds) produzida pelos melhores fotógrafos já vistos, presas pela ditadura da imagem perfeita se engalfinham sem fim na esperança de em algum momento serem escolhidas em momentos como dessa chamada, perdidas nesses amontoados binários de zeros e um ou, as mais sortudas(no caso de imagens físicas/negativos), em alguma feira de antiguidades, mercado de pulgas ou brechó esperando por alguma Rosangela Rennó.
Parte 02
A FOTOGRAFIA INFINITA, OU A MEIOSE DA IMAGEM
Quantas fotografias há em uma fotografia?
Pra que tanta fotografia?
Que respostas se quer obter com essa pergunta?
Para onde vão os arquivos apagados dos dispositivos digitais(hds, cartões, pendrives etc)?
Perguntas que surgem no dia a dia do fotografo de ofício, e que não tem respostas, aliás, não tem apenas uma resposta, talvez porque mesmo a fotografia tendo em suas bases cálculos exatos da matemática e da física, ainda há mais de ciências tidas como não exatas(ou humanas como preferir) como antropologia sociologia e afins, que a tornam mais subjetiva que exata.
Um negativo digital (e porque não um analógico?) é em si uma fotografia infinita.
Uma base para clones com DNA idêntico a sua matriz, dividindo seus megapixels, que posteriormente poderão ser reajustados(multiplicando-se ou dividindo-se) conforme a finalidade estético-morfológica final.
Quantos de nós já nos deparamos fazendo cópias virtuais, coleções, cópias de cópias, mudando o tipo de arquivo ao editar nossas imagens?
Esse tipo de ação é outro tipo de divisão de um negativo digital, sem interferir em sua essência, como uma rainha que se auto-copia em formigueiros criando soldados, operárias etc, assim como criamos jpgs, tifs, png, psds de acordo com uma função pré-estabelecida ou uma função final.
Um negativo digital é infinito (.DNG˚∞), basta dedicar a ele essa intenção.
O pensamento de olhar nossos catálogos com suas milhares de fotos pode nos levar a pensar que cada uma delas é em potencial, infinitamente reproductível, e nos remete a refletir sobre o número de imagens que produzimos e sobre como lidamos psicologicamente com esse negativo quando estamos editando, principalmente no que se refere ao tempo que se tem -ou que nos é imposto- a dedicar a cada negativo.
Parei o processo de edição que fazia no momento pois essas questões de certa forma me impediram de continuar, então resolvi parar o processo e colocá-las como um brainstorm pessoal, pois creio que essas questões também permeiam todos que se envolvem com criação de imagens.
PARTE 03
Percursos e afetos
“Inventamos a fotografia por quê?
Se vemos todas as coisas, por que inventamos fixá-las?
Não é bastante vê-las, cada um do seu jeito?
Por que inventamos essa “coisa” que não é para os outros verem a mesma coisa que a gente viu?”*
Quantas imagens são necessárias para apagar uma imagem de sua memória?
Outro dia ouvi de uma pessoa artista uma pergunta que de início me trouxe raiva por segundos e em seguida uma profunda tristeza quando lhe perguntei como proceder para participar de tal mostra em tal cidade.
Ele disse: “ A mostra é para artistas, você é fotografo não?!”
Confesso que doeu, mas foi bom diferenciar as coisas.
Tio Valter outro dia conversava com o Sr. Coelho sobre isso: “essa distinção não está de todo superada, e é comprovada pelo fato de que ainda artistas que se dedicam a pintura, a performance, a instalação e outros meios são referidos como “artistas” enquanto aquelas pessoas que fazem da fotografia seu meio de expressão por excelência são chamadas “fotógrafas”. Se a ética da terminologia cientifica estiver correta e tiver razão, e a tem, a cada palavra corresponde um conceito, e cada conceito só pode ser expresso por uma palavra, de tal modo que se há duas palavras distintas, há dois conceitos diferentes. E se há de um lado o “fotógrafo” e de outro o “artista”, a sugestão de sentido é bem clara. Portando pelo menos no imaginário coletivo uma distância entre arte e fotografia ainda está por ser abolida.”**
Escrever pra mim não é um compromisso, é um lazer difícil, inoportuno e inadequado.
No momento agradeço aos fotógrafos modernistas que me ajudam a sair da encomenda e me fazer acreditar que não preciso ser tão rigoroso fora da profissão.
Obrigado especial ao Geraldo de Barros.
Dedico essas maltratadas palavras a senhora do morro da penitenciaria que, riscou seu rosto de uma imagem quando criança a muitos anos atras, e me despertou a vontade de pesquisar e discutir algo que já me incomodava a tempos, o fato de como as pessoas veem a FOTOGRAFIA.
Creio que mora nas pessoas mais simples, sem vícios técnicos e acadêmicos, modos de ver essa recente forma de expressão de forma simples e clara, que nos foge pelo emburrecimento do saber.
* é fotógrafo de ofício, iniciou seus estudos no curso de fotografia do SENAC-SC e depois formou-se em Fotografia pela UNIVALI. Na área de audiovisual estudou na Academia Internacional de Cinema – SP e na Escola de cinema Inspiratorium – SP. Seu trabalho autoral tem foco na percepção das pessoas sobre a fotografia e em métodos primordiais da fotografia do sec. XIX, como a cianotipia.
**Teixeira Coelho, texto do catálogo da primeira Bienal de fotografia de SP