Alice no País das Maravilhas e o nonsense – Mantra Santos
Alice no País das Maravilhas e o nonsense
Mantra Santos *
Se pararmos para pensar e analisarmos o livro Alice no País das Maravilhas, podemos encontrar muitas coisas semelhantes ao teatro de vanguarda. Primeiramente, a obra foi uma ruptura com os padrões da época, no começo do livro, Alice abandona sua irmã para ir atrás do coelho branco, no caso é uma transgressão em relação ao que se esperava do comportamento infantil da época, as crianças eram educadas para se comportarem como adultos, a personagem Alice rompe os padrões de comportamento, ela se aventura. O livro está inserido em uma época em que a família era a base de tudo, moralidade rígida, existia uma tensão entre o moderno e a tradição. A primeira vista a obra de Lewis Carroll não demonstrava algo pedagógico, o que se esperava da época, nem mesmo político, que criticava sociedade, mas se analisarmos Alice no País das Maravilhas podemos perceber a crítica em relação ao modo como o indivíduo se comportava na Inglaterra vitoriana do século XIX. Ao colocar o elemento mágico como única possibilidade de resolver os problemas de Alice, subverte-se uma visão de mundo vitoriana baseada no pensamento lógico e rígido, bem como no trabalho árduo para se alcançar um objetivo. Alice é tudo menos natural, é um texto com uma estética diferente, todos podem ler e filosofar a respeito, a sua linguagem contempla todos os tipos de leitores. A ambiguidade é outra marca do teatro de vanguarda, a forma com que o autor se relaciona com o leitor é algo totalmente ambíguo, não sabemos se o que está escrito é algo totalmente ilusório, ou se quer passar uma mensagem, que no meu caso acredito que seja a segunda opção. O autor utiliza do recurso do nonsense para exemplificar seus pensamentos. O nonsense nada mais é do que algo que beira o absurdo, algo que propõe o absurdo mas se transforma em algo possível. A obra se baseia em um jogo de palavras, o maravilhoso é algo constante, ele permeia na vida cotidiana transformando em algo totalmente desconhecido e imaginário. Myriam Ávila diz sobre o nonsense: “[…] reside em algo em que deixa o leitor suspenso entre o riso e a perplexidade, entre a estranheza e a identificação, como se aquilo ao mesmo tempo lhe dissesse respeito e não dissesse respeito à coisa alguma.” As brincadeiras com a lógica, são constantes no nonsense. Podemos citar um exemplo, quando Alice acha que se transformouem Mabel. Ela não lembrava se sabia de tudo o que antes sabia, acha que pode ter se transformado em Mabel, pois é lógica, se ela sabe é Alice, se não sabe é Mabel. Ela diz:
“Com certeza também não sou Mabel, porque eu sei muitas coisas, e ela, ah, ela não sabe quase nada! Além do mais, ela é ela, e eu sou eu, e… oh, meu Deus, como é complicado isso tudo! Quero saber se ainda sei tudo o que sabia. Vamos ver: quatro vezes cinco é doze, quatro vezes seis é treze, quatro vezes sete é… oh, meu Deus! Desse jeito, nunca chegarei a vinte! (…) Não, está tudo errado, tenho certeza! Devo ter me transformado em Mabel!”
Outra constante no nonsense é a exploração dos vários sentidos das palavras, por exemplo, quando Alice encontra a lagarta e ela pergunta: “Quem é você?”, Alice responde:
“Eu… já nem sei, minha senhora, nesse momento… Bem, eu sei quem eu era quando acordei esta manhã, mas acho que mudei tantas vezes desde então…”
Podendo simplesmente dizer, sou Alice.
Situações surreais são constantes também, por exemplo, quando o Gato desaparece e reaparece, quando o bebê se transforma em um porco e muitas outras situações. Lloyd Alexander diz: “a fantasia não é exatamente uma fuga da realidade. É um modo de entendê-la”. Lacan também possuía um pensamento interessante, ele acreditava que o inconsciente é a estrutura da linguagem, dessa forma as palavras possuem um grande significado, Lacan diz: “[…] atrás do que diz um discurso, há o que ele quer dizer e, atrás do que quer dizer, há ainda outro querer dizer e nada será nunca esgotado”. O que interessa a Lacan é a forma como cada um dispõe e articula a linguagem, dessa forma o livro de Carroll é composto de fórmulas e possibilidades de expressão. Podemos concluir que a obra causa certa vertigem, não apenas por Alice cair em um buraco sem fim, mas porque o livro brinca com o saber, com a lógica, com o significado e o significante, tudo é imprevisível, tudo se torna algo fantástico e desordenado, mexendo com os sentidos e com o nosso próprio nonsense, nossa imaginação é poder de criação.
“É no desvio do modelo, no estranhamento que causa no leitor uma nova possibilidade de mundo, que o livro de Carroll é um convite à reflexão.” (Alice no País das Maravilhas: Uma Crítica à Inglaterra Vitoriana).
* Aluna do curso de Artes Cênicas da UFSC.