Tradução comentada de um poema de Yéo N’gana – Vanessa Geronimo

Tradução comentada de um poema de Yéo N’gana

 

Vanessa Geronimo[1]

 

Neste ensaio será apresentada uma tradução comentada de um poema em língua Inglesa, do autor Yéo N’gana, doutorando em Estudos de Tradução pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), graduado em Letras Português pela Universidade Félix Houphouët Boigny (UFHB – 2010) e mestre em Letras pela Universidade Félix Houphouët Boigny (UFHB – 2014). Primeiramente, será apresentado o poema e sua tradução para a língua portuguesa e, em seguida, comentários em relação ao processo tradutório. Vejamos abaixo o poema e a tradução:

 

Thick, thick                                             Tic, Tac

Death as a clock,                                     Como um ataque,

Like thunder does,                                   Tão de repente,

 

Come and go,                                           Vem e vai,

Knock, knock                                           Toque, Toque

At the door to pick,                                   Batendo à sua porta,

 

With no pity, no mercy,                           E sem dó nem piedade,

The dweller’ soul                                     Desvanece a alma

May he be well or sick.                            Se está viva ou morta.

 

Na primeira estrofe do poema em língua inglesa é possível perceber, principalmente, a aliteração nos três primeiros versos, com as palavras “Thick”, “Death” e “Thunder”: “Thick, thick / Death as a clock, / Like thunder does,” além do som que se repete na última sílaba das palavras “thick” e “clock”. Foi por isso que no primeiro verso em língua portuguesa escolhi brincar com a temática do tempo/relógio através das palavras “Tic, Tac”, mantendo a métrica e trocando a aliteração em “th” da língua inglesa pela aliteração em “t” da língua portuguesa com as palavras “Tic”, “Tac”, “ataque”, “tão” e “repente” na primeira estrofe, e a repetição sonora na última sílaba das duas palavras que terminam o primeiro e segundo verso continuam com a tradução para “Tac” e “ataque”: Tic, Tac / Como um ataque, / Tão de repente.” A métrica dos versos nesta primeira estrofe foi mantida. No primeiro verso há duas sílabas, no segundo e no terceiro há quatro.

Na segunda estrofe foi possível manter a tradução do quarto verso “Come and go” mantendo o sentido das palavras e a métrica do poema em língua inglesa: “Vem e vai.” No quinto verso, o sentido de “Knock, knock” de bater em uma porta é retomado com a tradução para “Toque, toque”, mantendo, assim, a sonoridade muito aproximada de “ck” com a última sílaba “que” em língua portuguesa. E no sexto verso: “At the door to pick” mantém-se o sentido e a métrica, com cinco sílabas na língua portuguesa: “Ba-ten-do à-sua-porta.” Nesta segunda estrofe foi possível manter a métrica, com exceção do quinto verso que há duas sílabas em língua inglesa: “Knock, knock” e em português o número de sílabas é aumentado com a tradução para “Toque, toque” devido à pronúncia da língua, mas é possível uma leitura, nesse caso, da sílaba “que” como o “ck” da língua inglesa: “Tock, tock” e, assim, a métrica permanece a mesma.

Na terceira estrofe temos no sétimo verso, “With no pity, no mercy”, a repetição de “no”, onde há a assonância da vogal “o”, e também a assonância da vogal “i” e semivogal “y” com as palavras: “pity” e “mercy”, que em língua portuguesa foi possível manter, trocando as assonâncias do verso pela assonância da vogal “e”, com a construção “sem” e “nem” e com as palavras “E” e “piedade”: “E sem dó nem piedade,” Dessa forma, manteve-se também a métrica do verso, com seis sílabas. No oitavo verso foi resgatada a sonoridade da estrofe, que apresenta aliteração em “s” das palavras finais: “mercy”, “soul” e “sick” com a recriação de: “The dweller’ soul” para: “Desvanece a alma”, permanecendo no poema a multiplicidade de sentidos em relação à alma de um indivíduo, e a aliteração em “s” continua na estrofe através das palavras “sem”, “desvanece”, “se” e “está.” Por fim, o último verso do poema: “May he be well or sick,” foi traduzido para “Se está viva ou morta”, privilegiando a sonoridade do poema e mantendo esse jogo de um destino incerto com a dúvida através das palavras “well” e “sick” com a tradução para “viva” e “morta.” Nesta última estrofe a métrica não foi mantida apenas no último verso, o qual apresenta uma sílaba a menos no poema em língua portuguesa. Vale ressaltar que para a tradução de um poema deve haver um balanceamento entre sentido e sonoridade. Não apenas a sonoridade deve ser considerada nem apenas o sentido, pois ambos constroem o todo, a alma do poema. É por isso que:

“A espécie de tradução em que a poesia se perde é aquela que se preocupa unicamente com o sentido e a mensagem. Ainda que o ritmo seja apenas aproximado, que não seja possível salvar todas as rimas, que a harmonia imitativa de certos sons se perca, o leitor sentiria algo da magia do original, que só uma transposição das ideias nunca lhe haveria dado”. (RÓNAI, 2012, p.173).

Analisando a construção sonora do poema, percebe-se a existência das rimas finais entre “Thick”, no primeiro verso; “pick”, no sexto verso; e “sick”, no último verso. Também rimam as palavras “clock”, no segundo verso, com a palavra “knock”, no quarto verso; e ainda percebe-se a rima entre “go”, no quarto verso, e “soul”, no oitavo verso. Em língua portuguesa foi possível manter a rima final entre o sexto e o último verso, com as palavras: “porta” e “morta.” A rima com o primeiro verso perdeu-se para manter a sonoridade entre “Thick” e “ataque”, na primeira estrofe. A rima entre “clock” e “knock” foi trocada pela sonoridade com a sílaba final das palavras “ataque” e “toque.” E para manter outros aspectos sonoros como aliterações e assonâncias, exemplificadas anteriormente, não foi recriada a rima entre “go” e “soul” no poema em língua portuguesa.
Sendo assim, é importante destacar que:

“No poema, tudo, em princípio, pode ser significativo; cabe ao tradutor determinar, para cada poema, quais são os elementos mais relevantes, que portanto devem necessariamente ser recriados na tradução, e quais são menos importantes e podem ser sacrificados – pois, como já vimos, todo ato de tradução implica perdas”. (BRITTO, 2012, p.120).

Sendo assim, tratando de tradução poética é sempre importante dosar aspectos em relação ao sentido e à sonoridade, para que não se percam características relevantes da composição do poema, como rimas, aliterações, assonâncias, e vários aspectos que compõem a melodia do texto, que também formam e fazem parte de seu sentido, de seu todo. Foi no viés deste pensamento que foi feita a tradução para a língua portuguesa do poema de Yéo N’gana.

 

Referências:

BRITTO, Paulo Henriques. A tradução literária. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012.

RÓNAI, Paulo. A tradução Vivida. 4ªed. – Rio de Janeiro: José Olympio, 2012.

 

 

 

[1] Mestre em Estudos da Tradução e Doutoranda no Programa de Pós-graduação em Estudos da Tradução pela UFSC, orientanda da Prof.ª Dr.ª Dirce Waltrick do Amarante.