Discurso de Homenagem à Laís Corrêa de Araújo – Formatura 115ª turma – Rui Rothe-Neves

Discurso de Homenagem à Laís Corrêa de Araújo – Formatura 115ª turma 

 

Rui Rothe-Neves*

Laís Corrêa de Araújo

Laís Corrêa de Araújo

 

Senhoras e senhores,

 

Desde 2013, a Faculdade de Letras da UFMG confere às suas turmas o nome de uma personalidade que tenha contribuído com nossa Faculdade. Assim, nossa 111ª turma homenageou o filólogo Aires da Matta Machado Filho, que atuou como docente na Faculdade de Letras desde sua fundação, em 1941, até aposentar-se, em 1965. A 112ª turma recebeu o nome da Profa. Eunice Pontes, docente da cadeira de Linguística entre 1966 e 1991. A 113ª turma, formandos em 2014/1, homenageou a Profa. Ângela Vaz Leão, nossa 1ª diretora, e no semestre passado, homenageamos a Profa. Maria Luiza Ramos, nossa 1ª titular de Teoria da Literatura. Com ela, a Faculdade de Letras passou a homenagear seus ex-alunos, que, por isso mesmo, servem de exemplo aos novos bacharéis e licenciados em Letras que, tendo sentado (por assim dizer) nas mesmas carteiras, iniciam agora as suas carreiras.

Com esta 115ª turma, pela 1ª vez homenageamos uma ex-aluna cuja contribuição à Faculdade de Letras não se deu no âmbito da docência. Laís Corrêa de Araújo nasceu em Campo Belo (MG) em 1928. Formou-se bacharel em Línguas Neolatinas pela Faculdade de Filosofia da UFMG, onde funcionava o Curso de Letras, em 1945, portanto há exatos 70 anos – tinha, na ocasião, 17 anos de idade. A contribuição de Laís à nossa Faculdade se dá – atentemos bem ao tempo do verbo – se dá pelo resultado de sua lide com as letras. Publicou Caderno de Poesia (1951), O Signo e Outros Poemas (1955), Cantochão (1967), Maria e companhia (1983), Decurso de prazo (1988) e Pé de página (1995), todos de poemas, além de Caderno de Traduções (1992), com textos de poesia e prosa de André Breton, Enrique Anderson Imbert, Javier Villafañe, entre outros.

Engana-se quem pense que ficava ela no recesso de seu lar, no alto do Sto. Antonio, a cuidar de seus quatro filhos e do marido, o também poeta Affonso Ávila, soltando vez por outra um livro. Como ela mesma escreveu, “…eu, mulher, assumindo o direito contra a sombra e a treva, ultrapassando o átrio das marchadeiras e rezadeiras, eu Laís e não Dona Lalá”[1], esteve constantemente presente na vida literária nacional. Por exemplo,

  • Em 1954, esteve no Congresso Internacional de Escritores, seção de Poesia, em São Paulo, onde teve contato com João Cabral de Melo Neto.
  • Em 1959, criou a coluna “Roda gigante” no jornal O Estado de Minas;  em 1960, colaborou no jornal O Estado de S. Paulo.
  • Participou do Segundo Congresso Brasileiro de Crítica e História Literária, em 1961, onde travou contato com Haroldo de Campos,
  • ajudou a organizar a Semana Nacional de Poesia de Vanguarda, realizada na e sob o patrocínio da Reitoria da UFMG, em 1963.

Foi, aliás, a única mulher a participar desse encontro, expondo, lendo e debatendo seus poemas. Isto era à época um fato insólito, numa Belo Horizonte para o qual o então Reitor Orlando de Carvalho disponibilizou os ônibus que trouxessem o público até a então remota região da Pampulha. Tão insólito, que entrou para a memória da semana a pergunta, feita por alguém da assistência e dirigida à mesa de abertura em que Laís se sentava: “Por que a Laís está aqui?” Hoje não é difícil responder a essa pergunta, com os fatos que aqui já narramos de sua história. Mas nesta noite falta-nos ainda ouvir a sua voz. Afinal, que melhor homenagem se pode fazer a uma poeta senão fazer soar os seus versos?

Já no seu livro de estréia, Caderno de Poesia (1951), um livro com muitos sonetos, bem ao espírito da época, aparece ainda tímida a voz que mais tarde soará do topo das montanhas de Minas pelo Brasil afora.

[Revolta][2]                   [Ato de Contrição][3]

De O Signo e Outros Poemas (1955), publicado pela Livraria José Olympio Editora, então a melhor casa editorial brasileira, gostaríamos de lembrar apenas um, magistral que é, o 1º exemplo que pudemos encontrar de uma vertente importante da poesia de Laís, a da reflexão sobre o fazer poético. O poema se chama “Rito Severo”.

[Rito Severo][4]

Décadas depois, o filósofo romeno Emil Michel Cioran resumiria tudo isso num breve aforismo: “O verdadeiro compasso espiritual consiste, na arte, em disfarçar de derrotas as suas vitórias”5. Mas foi ela, e não ele, a fazer disso uma obra de arte.

Seu 3º livro, Cantochão (1967), é o mais citado nas antologias cujo principal critério de inclusão é o barulho em torno da obra. Com ele, Laís Correa de Araújo foi agraciada com o prêmio de poesia “Cidade de Belo Horizonte” (1965) e nele incluiu os poemas criados no auge da participação nacional dos autores mineiros que se aglutinavam em torno da revista Tendência. Poemas como “Citação de ausentes” e “Fábula do burguês”, apresentados na famosa Semana Nacional de Poesia de Vanguarda de 1963, já mencionada, e que hoje só se leem pelas lentes daqueles anos. Há outros, muito bons e que resistem melhor à crítica dos tempos, poemas em que confluem liberdade formal e liberdade sexual, mas esses, o decoro da hora não nos aconselha a evocar…

É em Decurso de prazo (1988), publicado dez anos depois, que começamos a encontrar os poemas que mais falam aos dias de hoje. Livre das amarras programáticas do “salto participante”, Laís nos traz, por exemplo, essas duas pequeninas pérolas em que condensou a areia de sua própria praia:

[Elogio da Loucura][5]              [Poesia][6]

Na 1ª parte de Pé de Página (1995), Laís passa sua vida em revista com olhos de uma quase septuagenária, do qual lembramos “Footing”.

[Footing][7]

As moçoilas aqui presentes certamente concordam que é muito atual… Como também é atual um poema que se chama “No Governo” – infelizmente, não importa quando nem qual o governo… – em que Laís monta um título com uma citação dos Evangelhos e a sua conclusão, uma mistura de ready-made com haikai:

[No governo][8]

Essa tendência libertária, que tematicamente sempre esteve presente em sua obra, se potencializou formalmente em seu último livro publicado em vida, Clips (2000). São 30 textos de duas linhas cada, observações de fino humor, auto-ironia e olhar crítico:

[IV][9]                [IX][10]                [XIII][11]

Quando Laís Correa de Araújo Ávila nos deixou, na manhã de terça-feira, 19 de dezembro de 2006, aos 78 anos de idade, mais um livro estava pronto. Viria a ser publicado na coletânea Inventário (2004) e traz como o título o nome do poema que abre o livro, “Geriátrico”. É dele nosso último exemplo:

[Gloriosa][12]

Depois de tudo o que aqui se ouviu, talvez não seja exagero dizer que Laís Correa de Araújo realizou em vida o verso-slogan do poeta russo Vladímir Maiakovski, tão admirado por sua geração: “Gente é pra brilhar”. Talvez não sempre, não em todos os lugares, em todos os fazeres – mas brilhar genuinamente, consistentemente, no seu ofício cotidiano com as letras. Nós leitores ainda estamos a dever a Laís esse “século dos séculos” em que continuaremos a lê-la e é para diminuir esse débito que fazemos a nossa ex-aluna essa singela homenagem.

 

[1] Secretaria Municipal de Cultura. 30 anos da Semana Nacional de Poesia de Vanguarda. Belo Horizonte: Prefeitura Municipal, 1993, p. 54.

[2] ARAÚJO, Laís Correa de. Inventário: 1951/2002. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2004, p. 26.

[3] Id., ibid., p. 43.

[4] Id., ibid., p. 76. 5  Falta a ref. completa. Em alemão: “Der wahre geistige Takt besteht in der Kunst, seine Siege als Niederlage zu verkleiden”.

[5] Id., ibid., p. 140.

[6] Id., ibid., p.  142.

[7] Id., ibid., p. 152.

[8] Id., ibid., p. 169.

[9] Id., ibid., p. 182.

[10] Id., ibid., p. 183.

[11] Id., ibid., p. 185.

[12] Id., ibid., p. 216.

 

*Poeta e tradutor.