Edward Gorey: uma breve introdução – Angelica Micoanski

EDWARD GOREY: UMA BREVE INTRODUÇÃO 

Angelica Micoanski*

 

O escritor e caricaturista norte-americano Edward Gorey (1925-2000), além de escritor de literatura infantojuvenil, é conhecido por alguns admiradores de teatro. Em 1977, desenhou o cenário e as fantasias de um espetáculo do Dracula, na Broadway. É também o homem que frequentava as apresentações de Ballet de George Balanchine, em Nova Iorque. Além disso, produziu as imagens de um desenho de televisão chamado Misery!. Foi um homem curioso e cheio de mistérios, e a partir de uma breve biografia escrita por Karen Wilkin, no livro Elegant Enigmas the art of Edward Gorey (2009), temos acesso a essas e a outras informações.

De acordo com Wilkin (2009), quanto mais se sabe sobre Gorey, mais difícil é definir o seu trabalho. O escritor gostava de falar sobre diferentes assuntos, escreveu livros com nomes figurativos, cujos quais eram montados a partir de anagramas de seu próprio nome, alguns exemplos disso são: Ogdred Weary, Mrs. Regera Dowdy, Raddory Gewe, Dreary Wodge, Garrod Weedy, Edward Blutig e Wardore Edgy. Gorey admitiu que gostaria de ter escrito todos os seus livros com pseudônimos, porém não se pode afirmar se esse desejo era para manter seu anonimato ou pelo seu apreço pelos jogos de palavras em diferentes línguas.

Viajou pouco, esteve em Cuba, quando ainda jovem, para visitar parentes, e foi à Escócia, quando assumiu ter ficado frustrado por não ter visto o monstro do lago Ness. É conhecido por estar disposto a aceitar convites para projetos de desenho e dizia saber um pouco sobre muitas coisas, mas na verdade seu conhecimento era impressionante, como descreve a autora.

Sabia muito sobre a literatura do século XIX e sobre novelas de televisão. Foi influenciado por George Balanchine e por filmes mudos, parecia conhecer tudo de todos, ter lido todos os trabalhos de todo mundo, ter assistido todos os filmes e séries e lembrar de tudo isso com detalhes. Além disso, era colecionador de itens de arquitetura, de jóias africanas e tibetanas, que às vezes, vestia. Em sua casa, era possível encontrar diferentes objetos que lhe chamavam a atenção. Porém, mesmo com tantas coisas, a decoração de sua casa era simples, sem muitos móveis. Havia um grande número de livros, lidos, e espalhados nas estantes, ou no chão, livros de literatura que variavam entre Jane Austen, poesias simbolistas francesas e uma série de contos infantis, além de ilustrações e quadros, era muito eclético. Gorey gostava de gatos, e tinha vários, de diferentes personalidades. Aliás, na capa do seu livro Amphigorey(1972), cada letra é ilustrada com a imagem de um gato:

 

Por ter recebido diferentes influências estéticas, é possível perceber que utilizou passagens e imagens referentes ao que viu anteriormente, mesmo que essas tenham sido utilizadas muitas vezes involuntariamente, por um processo de associação.

Por outro lado, Gorey admite também que algumas de suas ilustrações foram inspiradas em imagens visualizadas em fotos de jornais, muitas vezes de imagens de esporte, não por causa do assunto em si, mas porque são imagens que combinam itens em movimento.

Gorey ilustrou também os poemas The Jumblies (1968) e The Dong with a Luminous Nose (1969), de Edward Lear, um de seus mestres. Produziu aqui ilustrações um pouco diferentes das que produziu para seus textos. Observe uma das ilustrações feitas para o poema The Jumblies (1968):

 

É perceptível que Gorey recebeu várias influências, de Lear, das fotografias de Henri de Toulouse-Lautrec, e até mesmo das colagens do Cubismo, mas ele afirma que sua maior influência não é literária, mas sim das coreografias de Balanchine. De acordo com Wilkin (2009), Balanchine dizia para seus dançarinos não pensarem, apenas agiam. Pode ser que Gorey tenha tomado isso como exemplo, e apenas feito, ao invés de pensar para fazer. Por outro lado, suas produções não parecem ser resultado disso, pois os jogos de palavras que utilizou, parecem ser muito calculados, principalmente em se falando de rimas. O que nos resta é associar as idéias abstratas do nonsense de Gorey com as danças, também abstratas, de Balanchine.

Os filmes mudos também parecem ter sido influenciadores nas obras de Gorey, tanto na imagética quanto em seus escritos. Wilkin (2009) afirma que ele tinha um vasto conhecimento dos trabalhos de alguns pioneiros dessa área, como Louis Feuillade, que produziu, entre 1913 e 1920, filmes que distorciam a realidade, combinando naturalismo e fantasia, com personagens atípicos e cenas de corredores cheios de portas, por exemplo. As imagens de Gorey normalmente causam essa sensação de horror e mistério, sem deixar de lado, a comicidade, o que resulta no “humor macabro”, como é descrito pela pesquisadora.

Em um de seus pseudônimos: “Edward Blutig”, o sobrenome “Blutig”, do alemão, remete a sangue, ou a algo cruel, porém ele não concordava com a idéia de seus textos serem considerados macabros, até porque também escreveu textos com problemas menores, como: The Doubtful Guest (1957) e The Remembered Visit (1965).

A morte é um tema que aparece em alguns livros de Gorey. Mesmo que nem sempre deixe isso exposto em suas linhas, fica subentendido que o personagem tenha morrido, como nas obras The Blue Aspick (1968), entre outras.

Wilkin (2009, p. 16) afirma que: “[…] embora essas ocorrências desagradáveis estejam presentes com tanta indiferença, tanto nas imagens quanto nos textos, é quase impossível se sentir perturbado”, pois existe um distanciamento entre o que é narrado e o leitor.

O livro The Gashlycrumb Tinies (1963) apresenta a morte de uma criança para cada letra do alfabeto, as rimas prendem a atenção do leitor, o que o distrai e alivia a sensação desagradável de saber que vinte e seis crianças morreram. Aliás, a morte aqui é o assunto principal, porém essa está nas entrelinhas, pois nada é confirmado e nem apresentado nas rimas, ou nas imagens, como se pode observar na seguinte imagem, tirada da obra.

 

Em sua obra The Loathsome Couple (1977), fala sobre um casal de serial killers, sendo os personagens principais Mona e Harold. Diferentes crimes acontecem, de diferentes formas. Mas é um dos únicos livros em que os malfeitores sofrem punição, pois morrem na prisão.

Além disso, nessa mesma obra, Gorey escreve sobre comida, o que nos remete à outro tema do nonsense. Pare ele, é essencial que o cardápio seja nojento, por isso ele apresenta o casal Mona e Harold comendo sucrilhos com melado, sanduíche de nabo e refrigerante de uva.

Wilkin (2009, p. 19) afirma que: “No mundo de Gorey, assim como no drama Grego, os eventos mais horríveis acontecem atrás das cenas. O público vê apenas o que leva à ação irrevocável e o que vem depois, nunca o feito”. A imagem da menina caindo das escadas apresentada anteriormente, por exemplo, não apresenta a menina morta, mas apresenta o a ação que levaria à morte.

Na obra The Willowdale Handcar/ or, The Return of the Black Doll (1962), os protagonistas viajam pela América e presenciam disasters. Ao final, Gorey escreve: At sunset they entered a tunnew in the Iron Hills and did not come out the other end. O que deixa mais uma vez subentendido que os personagens morreram, porém a ilustração os apresenta em cima do carrinho, antes de entrar no túnel. De acordo com Wilkin (2009), Gorey força o leitor a criar suas próprias conexões e associações, e até mesmo a completar a narrativa por si mesmo.

Em seu livro The Raging Tide (1987), o autor apresenta a imagem, escreve a rima, e dá opções para o leitor escolher o que prefere ler. Por exemplo, na página 18, o autor sugere que se leitor preferir conhecer a Villa Amnesia da história, deve se dirigir à página 23, mas que se preferir voltar à história, ir à página 16. Cabe ao leitor, então, optar se quer dar continuidade à leitura, ou voltar duas páginas.

Em The Hapless Child (1961), é possível que o autor tenha feito uma paródia das histórias moralizantes para meninas do século XIX e início do século XX, narrando a história de uma menina que se perde de seus familiares. Essa narrativa é muito similar à The Little Princess (1905), que descreve a história de Sara Crewe, do francês Hodgson Burnett. Mas Gorey afirma que sua influência primordial, neste caso, foi de L’enfant de Paris, um filme francês mudo, gravado em 1913 e dirigido por Léonce Perret. Porém, ambas as personagens das obras que influenciaram a criação de Gorey, são resgatadas e têm final feliz. No entanto, Charlotte Sophia, personagem de The Hapless Child (1961), não é reconhecida por seu pai, por estar muito diferente.

Wilkin (2009, p. 26) afirma que as imagens de Gorey são grandes destaques do nonsense, com personagens de diferentes tipos, como homens vestindo smokings, mulheres sedutoras com plumas, inocentes com laços no cabelo, entre outros. Seus desenhos não são meras ilustrações, são: “trabalhos artísticos realizados por ele mesmo, extraordinariadamente variados e inusitados”.

Em The West Wing (1963), Gorey não escreve uma história, o livro é composto apenas por ilustrações, e foi dedicado a Edmund Wilson, crítico admirador dos trabalhos do autor. The West Wing (1963) é composto por imagens de cômodos sem mobílias, papéis de parede, objetos isolados, uma escada que parece não levar à lugar algum, tecidos ou papéis amassados, nada muito claro, o que permite que o leitor crie sua própria narrativa.

Não é fácil definir para quem Gorey escreveu. Embora o conteúdo de seus textos não seja pedagogicamente indicado para crianças, suas histórias e ilustrações são, em geral, consideradas literatura infantojuvenil, e seus personagens são, muitas vezes, crianças, como em The Hapless Child (1961) e The Grashlycrumb Tinies (1963).

O autor dizia se surpreender por ter o público infantil como principais leitores de suas obras, pois ele afirma que não escreveu para crianças, embora admita que alguns textos possam ter sido escritos para jovens leitores, também. As alusões apresentadas em suas obras não são claras para um infante, e na maioria das vezes, nem para um adulto, mesmo sendo esse último o público foco do escritor.

Além disso, muitas vezes o desenhista foi convidado a ilustrar capas de outros escritores famosos, como T.S Eliot, Muriel Spark, Florence Parry Heide, Joan Aiken, Peter Neumeyer, John Ciardi, Hilaire Belloc, H. G. Wells, além Edward Lear, já citado anteriormente.

Quanto ao processo de produção de suas obras, Gorey afirma que primeiramente ele se preocupa em escrever, em montar suas rimas e suas combinações de palavras e, após isso, se foca na ilustração do que foi escrito. Por isso, é importante dar atenção à seu texto antes de se atenuar às imagens.

Por fim, conforme afirma Wilkin (2008), o autor permite que suas obras sejam compreendidas conforme preferir o leitor, e que quando alguém diz que entende o que ele quis dizer em alguns de seus textos, ele pergunta o por quê, e concorda com o espectador, pois se o leitor viu “isso, ou aquilo” no texto, ele viu o que queria ver, e isso basta para Gorey.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

GOREY, Edward. Amphigorey. New York: Penguim, 1972. 

WILKIN, Karen. Elegant Enigmas – the art of Edward Gorey. Oregon: Pomegranate, 2009.

*Mestranda UFSC