“As filhas de King Kong”, de Theresia Walser — Nathália Menotti Mazini

“As filhas de King Kong”, de Theresia Walser

Nathália Menotti Mazini*

        Segundo Émile Faguet, os textos dramatúrgicos deveriam ser divididos em três categorias: os apenas para serem lidos, os para serem lidos e montados e os apenas para serem montados. Acredito que “As filhas de King Kong”, da alemã Theresia Walser, encontra-se na terceira categoria.
       Recebemos, na 7ª fase deste curso, a proposta de montar esta peça, onde a ausência de rubricas, a presença de diálogos interessantíssimos, mas complicados, e a falta de formação teórica/prática no campo do absurdo e do grotesco durante o curso nos colocou a proposta como desafio; desafio este que estamos dispostos a aceitar e cumprir com maior mérito possível.
        A peça, segundo nossa interpretação e também algumas referências propostas pela dramaturga, encontra-se no ambiente do grotesco, do absurdo. Relata a vida em um asilo um tanto incomum, onde três mulheres, as filhas de King Kong, são “cuidadoras” dos idosos e cometem assassinato toda vez que um deles completa 80 anos. Porém, o assassinato ocorre da forma mais glamorosa que as filhas de King Kong conseguem confabular, sempre fantasiando o idoso de alguma estrela de Hollywood.
        Estariam vivendo as épocas decadentes de uma Hollywood que não existe mais ou estariam presas ali? O assassinato é mero passatempo ou estão desesperadas com o tempo, a velhice e a falta de conquista em suas vidas?
        Defendo que a montagem de “As filhas de King Kong” pode nos trazer um pouco de tudo isso. Não consigo imaginar, por exemplo, um delas saindo do asilo para ir para sua casa descansar, fazer compras, ter outra vida que não aquela. É como se estivessem presas àquilo, não só emocional e psicologicamente, mas fisicamente também. Não saem do asilo, porque não podem. Não há portas, não há janelas, muros que cerquem o asilo e possam ser pulados. Como uma casa construída por um sonho, ou se preferirem, um pesadelo.
        Como em um sonho também, talvez tenham parado no tempo. Não acompanharam as transformações. Vivem o estrelato de Hollywood, um contexto ao qual não pertencem mas almejam. Elas possuem um brilho, um certo glamour; porém gasto, apagado, velho. Acredito também que, muito além do desespero e do sofrimento dos idosos, a peça mostra o pânico das jovens perante a idade. Planejar e proporcionar a morte aos idosos parece ser o que ainda as mantêm vivas.
        No entando, a atmosfera criada pelos idosos moradores do asilo difere em diversos pontos. Não se pode dizer que por possuírem uma certa idade já não possuam mais objetivos na vida. O objetivo de cada personagem em cena é bastante claro e está presente nas entrelinhas da dramaturgia. Quando os seis idosos estão juntos o ambiente se mostra menos tenso e muitas vezes a graça se faz presente nos diálogos aparentemente desconexos.
         Não fica claro para o público se os velhos conhecem o destino que os espera aos completarem 80 anos, contudo, assim como as filhas de King Kong, não parece que existe a possibilidade deles saírem deste asilo/prisão o que coloca em dúvida a veracidade de algumas falas que insinuam passeios no parque ou idas à rodoviária por parte dos velhos.
        Para trazer essas atmosferas para a montagem acredito em um cenário onde todos os objetos pareçam ter parado no tempo. São belos, glamorosos, mas antigos e corroídos. E em figurinos velhos e desparelhos como roupas de doação. O local escolhido para a apresentação seria um porão ou montada no palco em forma de arena, criando assim um ambiente mais claustrofóbico para o público e também aproximando-o dos horrores cotidianos que acontecem em cena.
        A maquiagem usada nos velhos não é a tradicinal forma de envelhecer, gosto da referência trazida do Butoh para a maquiagem usada. Rostos brancos realçando os músculos, lembrando o vigor de antes e algo de mórbido ao redor dos olhos não os deixando esquecer o destino esperado.
        O corpo neste caso e tão indispensável quanto cenário e figurino. Penso em todos os personagens em corpos diferentes daqueles do cotidiano. As filhas de King Kong  trazem algo de animalesco, enquanto os idosos trazem deformidades causadas pelo tempo e vida vivida.
      A personagem oferecida ao meu trabalho de atriz foi a Senhora Greti, uma velha que, na minha interpretação, é invejosa, maldosa e tarada. Para trazer essas caracteríscas ao corpo que precisa paracer o de uma velha desenvolvi um andar pesado, com um certa dificuldade, uma hiperlordose que projeta seu quadril bem para trás e a cabeça inclinada para trás trazendo um olhar de cima. A voz da personagem é aguda e com pouca articulação, o que a faz ficar irritante. Possui uma boca que fica constantemente em formato de bico.
        O conjunto das referências e o próprio texto pode ser risível a primeira leitura mas a atmosfera vai ficando cada vez mais tensa e o riso vai ficando frouxo até desaparecer. Afinal, segundo Sodré, “o grotesco é o belo de cabeça para baixo”.

* Aluna do Curso de Artes Cênicas