A expertise da “Menina Boba” – Telemakos Endler

A EXPERTISE DA “MENINA BOBA”

Telemakos Endler*

O espetáculo teatral “A Menina Boba”, homônimo do livro de poemas publicado em 1938 pela poetisa Oneyda Alvarenga, foi transformado em monólogo pela atriz,cantora, dramaturga e diretora Bárbara Biscaro. Segundo ela, “o trabalho é resultado de uma vasta pesquisa sobre a formação do ator contemporâneo, com enfoque na busca da expressividade da voz cantada integrada ao movimento corporal e no estudo da musicalidade, como ferramenta para composição cênica. Os poemas do livro deram nome à um ciclo de canções para voz e piano do compositor brasileiro Cláudio Santoro,
que musicou poemas do livro de Oneyda. Tanto o livro quanto as canções, são obras praticamente desconhecidas pelo público atual e que marcam o período modernista da arte brasileira. As canções representam uma pequena parte do repertório de canções eruditas brasileiras do século XX e o livro uma obra única de uma poetisa que abdicou de sua carreira artística para coordenar a Discoteca Municipal de São Paulo, hoje Discoteca Oneyda Alvarenga, em sua homenagem.”

 Barbara Biscaro (Menina Boba)

O espetáculo tece uma dramaturgia que mostra momentos da vida de Oneyda,
que é marcada pelas dificuldades de uma mulher jovem no Brasil dos anos 1930/1940 para consolidar uma carreira artística. Além disso mostra sua relação com Mário de Andrade, seus poemas e as canções de Santoro, de forma poética e muitas vezes abstrata, apostando em imagens e sonoridades que possam contar a trajetória biográfica de Oneyda através dos sentidos.

Segundo Jean-Pierre Ryngaert no seu livro a introdução à análise ao teatro, “O
palco deixou de impor normas à escrita; pelo contrário, […] qualquer escrita pode tornar-se pretexto da representação, a mais resistente ou imprevista não sendo a menosprocurada.”

No palco as ações executadas pela atriz – que faz sozinha a manipulação de som, iluminação e projeção – são desconexas com a intenção do que está sendo emitido pela sonoridade da voz, seja ela falada ou cantada. Fio sendo puxado de trás da cabeça, cartas, fotos, bolhas de sabão feitas com as mãos, projeção de imagens através de um pequeno projetor, o uso sonoridade da voz e expressão corporal, são elementos que ajudam a criar a poética da cena.

Segundo o artigo “Teatro, pós-dramático e teatro político” de Hans-Thies
Lehmann, “A encenação moderna tem cada vez mais assumido o que pertence à ordem do “agir”, fazendo com que a personagem execute várias tarefas na representação, mesmo que estas não tenham ligação direta com o que é dito. Não é raro vermos espetáculos nos quais uma personagem se entrega a um longo monólogo ao mesmo tempo que executa trabalhos de limpeza ou de cozinha, sem relação visível com o discurso. É certo que há uma “ação” em cena, mas ela não decorre de uma necessidade evidente escrita no texto. […] Essa dissociação entre o “dizer” e o “fazer”, e a desconfiança para com qualquer redundância, confirma que o “fazer” é sentido como pertencente ao palco, e que é cada vez menos importante que o texto considere ou programe ações, sobretudo se estas não criam nenhuma frase entre o texto e a
representação.”

O movimento corporal da atriz é muito trabalhado e preciso. Segundo Lehmann, “no drama tradicional o corpo é existente, mas não importa do ponto de vista literário. Tudo não passa de um conflito mental. No teatro pós-dramático chegamos a um teatro onde o corpo, afinal, importa.” Logo, “o teatro pós-dramático não é a destruição do teatro, mas uma nova etapa que, com esse distanciamento, pode ser percebido como uma etapa dentro da história do teatro, que tem um desenvolvimento.”. É exatamente isso que percebemos com este belo espetáculo!

*Ator e aluno do curso de Artes Cênicas da UFSC