“A mula e o boi”, de Jacinto Benavente – Tradução de Rodrigo Conçole Lage

“A mula e o boi”

de Jacinto Benavente

 Tradução

Rodrigo Conçole Lage[1]

 

Jacinto Benavente, ganhador do Nobel de Literatura de 1922, é mais conhecido como dramaturgo, mas também foi contista. Em 1898 publicou o livro Figulinas que posteriormente, na segunda edição de 1904, foi corrigido e aumentado. E em 1905[2] publicou o Vilanos, reeditado em 1918 sem nenhum acréscimo. O conto A mula e o boi é o sétimo dos dezoito textos desta obra. Contudo, esses dois volumes não reúnem a totalidade de sua produção contística. Vamos encontrar outros textos nas revistas Blanco y Negro e El Cuento Semanal. O livro El cuento español. Del Romanticismo al Realismo, de Mariano Baquero Goyanes, na página 177, menciona o El criado de Don Juan. Narraciones, de 1902, mas não encontrei nenhuma informação sobre esse título, que pode ter sido um erro de atribuição porque não vi outra menção a ele.

 

A mula e o boi

Jacinto Benavente

 

É lenda da Itália, flor de sua piedade religiosa, inspiração, sem dúvida, do espírito franciscano, de seu místico panteísmo, em que revivia purificado o culto helênico a toda a Natureza, obra maravilhosa de Deus.

Estrofe do inefável hino do amor a tudo quanto existe, entoado pelo seráfico santo de Assis em amorosa litania[3]… Irmão sol, irmão lobo, irmãs rosas!… Lenda pueril, para ser balbuciada por crianças, e cantadas por moças, para que os humildes de coração acreditem.

O menino Jesus, com divina bondade, não permitiu que a mula e o boi do pobre estábulo de Belém morressem para sempre, e um eterno sopro da vida animou o perecível corpo dos mansos animais, que com seu calmo sopro de bestas pacientes deram calor, junto à manjedoura, ao menino Deus nascido homem.

Nos elísios prados pastam eternamente em doce liberdade e abençoada por Deus a humilde mansidão de todo animal, como a mula o boi de Belém; com eles vivem, e da plácida existência gozam para sempre, os mansos animais que aliviaram fatigas ao homem, que acompanharam solidões e penas, que sofreram pacientes golpes e tormentos.

Canzarrões salvadores de seus amos, guias vigilantes de pobres cegos, vítimas fleumáticas de crianças abandonadas, cães e cavalos habilidosos, sustento de famílias miseráveis, por circos e por praças; burrinhos e mulas, carregadores contínuos, espancados pelo amo desagradecido; cavalos de guerra, pombos-correios, animais pacientes, animais sofridos, bondade resignada, trabalho sem proveito próprio, padecer sem alheia compaixão.

Santa, doce lenda a que os concede um paraíso de quietude, em recordação piedosa da mula e do boi, que com seu sopro deram calor na terra ao Amor Divino, que por amor ao homem nasceu em um estábulo.

 

La mula y el buey

Jacinto Benavente

 

Es leyenda de Italia, flor de su piedad religiosa, inspiración, sin duda, del espíritu franciscano, de su místico panteísmo, em que revivía purificado el culto helénico a la Naturaleza toda, obra maravillosa de Dios.

Estrofa del inefable himno del amor a cuanto existe, entonado por el seráfico santo de Asís en amorosa letanía… ¡Hermano sol, hermano lobo, hermanas rosas!… Leyenda pueril, para ser balbucida por niños y cantadas por zagalas para que los humildes de corazón la crean.

El niño Jesús, con divina bondad, no permitió que la muía y el buey del pobre establo de Belén perecieran por siempre, y un eterno aliento vital animó el perecedero cuerpo de los mansos animales, que con su aliento sosegado de bestias pacientes dieron calor junto al pesebre al niño Dios nacido hombre.

En elíseos prados pastan eternamente em dulce libertad y bendecida por Dios la humilde mansedumbre de todo animal, como la muía y el buey de Belén; con ellos viven, y de plácida existencia gozan por siempre, los mansos animales que aliviaron fatigas al hombre, que acompañaron soledades y penas, que sufrieron pacientes golpes y tormentos.

Perrazos salvadores de sus amos, guías vigilantes de pobres ciegos, víctimas cachazudas de niños abandonados, perros y caballos habilidosos, sostén de familias miserables, por circos y por plazas; borriquillos y muías, trajinantes continuos, apaleados por el amo desagradecido; caballos de guerra, palomas mensajeras, animales pacientes, animales sufridos, bondad resignada, trabajo sin provecho propio, padecer sin ajena compasión.

¡Santa, dulce leyenda la que os concede un paraíso de quietud, en recuerdo piadoso de la muía y del buey, que con su aliento dieron calor en la tierra al Amor Divino, que por amor al hombre nació en un establo.

[1] Graduado em História (UNIFSJ). Especialista em História Militar (UNISUL).

[2] Na página 177 do livro El cuento español. Del Romanticismo al Realismo, de Mariano Baquero Goyanes, publicado em 1992, está erroneamente datado como sendo de 1903.

[3] Oração repetitiva, em que se alternam invocações e respostas.