Educação à vol d’ oiseaux: do primário ao doutorado — Aurora Bernardini
Educação à vol d’ oiseaux: do primário ao doutorado
Aurora Bernardini*
Preâmbulo
Era uma vez
Um homem descortês
Que vendo um coxo
Passar amuletado
Chamou-lhe: sacripante,
Estúpido,ignorante , malcriado!
E o coxo, sem dar mostras de zangado
Seguia o seu caminho, paciente
Que quase nem parecia o insultado!
E seguia,
E seguia,
E apenas traduzia
A sua quase compaixão
Em um muxoxo.
Quando o homem descortês, contrariado
por ver que o insultava sempre em vão
começou a chamá-lo: “Ó coxo
, ó coxo!”
Pois o coxo, que não se molestara
Com os insultos que o homem lhe atirava,
Ficou como uma fera,
A ponto de agredi-lo com a muleta
Batendo-lhe na cara.
Somente porque o homem lhe chamara
De coxo, exatamente o que ele era!
Lembro-me assim, hoje, dessa historinha (o Google diz-me que é de Raimundo Corrêa), da qual esqueci um trecho, mas que serve de carapuça para tanta coisa, que aprendi de cor aos meus treze anos, pois naquela época costumava-se treinar a memória aprendendo de cor. E, por haver-se tornado um hábito produtivo, continuava-se a praticá-lo por conta própria. A memória tem seus truques, descobri mais tarde, que vão desde se colocar um saco de papel na cabeça, até esconder palavras atrás dos quadros da casa. Mas atrás desses truques havia um sentido: uma linha diretriz e um método. Muitas coisas a esse respeito se descobrem mais tarde, e a comparação é uma grande ajuda.
Apesar de meu escrito se dirigir mais a universitários ( estou preparando uma questão que uma jornalista me propôs : “É possível uma Tese sem Teoria?”), vou começar pelo básico – e não apenas por questões de saudosismo tipo “ Como era verde meu vale”, mas porque a própria sabedoria popular sabe que é desde pequenino etc…
Havia cursado o primário numa escola “experimental” nos Alpes, logo depois da guerra, em horário integral. Era uma época difícil e as condições eram precárias. Para se chegar ao povoado onde estava a escola tinha-se que acordar ainda no escuro ( e no frio); ia-se de bonde, e depois subia-se o morro a pé, por umas boas duas horas. Cada um levava sua marmita e , nos dias de bom tempo, o almoço se realizava ao ar livre, na propriedade de uma ou outra família de Trevasco. Hoje lembro o aprendizado lá como algo de mágico, mas na época era simplesmente e completamente natural : afinal, aprender era a função primeira do aluno e os pais acreditavam nisso e respeitavam as disposições.Como se desenvolvia esse aprendizado? Curiosamente, era numa escola “ integrada”em que as aulas dos 5 anos do primeiro grau eram ministradas pela mesma professora, na mesma sala, ao mesmo tempo, e no entanto funcionavam admiravelmente. Enquanto o quinto ano corrigia os problemas do quarto, o terceiro ditava para o segundo e a professora alfabetizava o primeiro. O revezamento dos que ensinavam e dos que aprendiam continuava e todos sentiam-se não apenas úteis: indispensáveis.De tarde, havia o dia da troca dos livros da biblioteca que todos ajudavam a abastecer, o dia de cuidar do jardim onde cada grupo tratava de um canteiro, o dia do desenho ao ar livre, o dia da encenação de alguma peça no pátio da igreja, enfim , uma série de rituais que completavam o aprendizado. À noitinha chegava-se em casa e, enquanto se esperava o jantar, era a hora de repassar as lições, fazer as leituras, tirar as dúvidas. Os pais e os parentes cooperavam.
Guiomar Namo de Mello
Interrompo minhas rememorações comparativas para sintetizar o “depoimento” sempre atual, sobre um ensino que aqui, tantos anos depois, ainda não consegue se integrar, de Guiomar Namo de Mello, Coordenadora do Núcleo de Educação da Fundação Padre Anchieta, à revista e ( “ Escola pública de educação básica: o que fazer para melhorá-la?”SESC- de junho de 2007). Por que será? Eis aqui algumas razões que ela aponta:
1. No Brasil destaca-se mais o ensino do que a aprendizagem. Esta visão contamina a família.
2.Nossas escolas não têm plano curricular claro nem metas de aprendizagem definidas e compartilhadas por todos. Isto dificulta o entrosamento dos planos de ensino dos professores, deixando cada um à própria sorte.
3.Sem metas e planos de ensino, ninguém presta contas. É preciso saber quem ensina, o quê e quando, quem aprende, o quê e quando e como se avalia.
4. É preciso que , enquanto nossos professores tiverem formação tão precária,sejam capacitados para usar determinado material. Capacitações genéricas sobre uso de materiais em geral não são suficientes.
5. Nossos planos e objetivos são pretensiosos, enquanto conteúdos e competências básicos, como a leitura e a escrita, o raciocínio lógico, científico e matemático não são valorizados nas demais áreas, porque cada um está preocupado em mostrar a importância de sua disciplina.
6.Além da formação inicial dispersa, poucos programas de educação continuada acontecem de fato no “ chão “ da escola.[Na Finlândia tais programas duram , no mínimo, dois anos]. Para que isso acontecesse, seria necessário que houvesse, na escola, alguém encarregado de estar todos os dias identificando dificuldades e promovendo reflexões para encontrar formas de superá-las. Acompanhamento e recuperação paralela não são constantes, no Brasil.
7.É preciso que os pais aprendam a ser pais de alunos: criar um ambiente ordenado, com rotinas e certos rituais básicos necessários à solenidade da aprendizagem, como por exemplo a hora e o canto da lição de casa ( mesmo que seja um cantinho da mesa que serve para tudo) …
8. Construir um plano familiar juntos, em que fique claro que o estudante é parte desse plano e que sua função é ir para a escola, aplicar-se e aprender.
9.As autoridades devem se comprometer com metas a longo prazo. A classe política precisa priorizar metas que ultrapassem uma gestão, disponibilizar recursos, diminuir o emperramento burocrático e abrir mão da tentação de deixar sua marca própria.(“Quando muda o prefeito ou o governador” – corrobora Viviane Senna em entrevista à Folha de S. Paulo em 1 de julho de 2012 – “mudam as políticas e os projetos são interrompidos. Isso é um grande problema no Brasil”.)
10.Valorizar o estudo e o trabalho intelectual, mesmo quando a mídia, a política e tudo mais os desvalorizam; esse é o heroísmo que temos que ensinar aos desprovidos deste país.
Permitam-me inserir um exemplo, aqui, desse heroísmo,uma carta que recebi e que transcrevo como fecho e abertura:
Prezada Professora ,
Sou um jovem estudante de Letras da Unicap e todos os dias viajo 53 km/s de Vitória de Santo Antão a Recife. Pretendo dar aulas enfatizando a leitura e para tanto se faz necessário adquirir cultura.
Todavia, estou impossibilitado de ler certos livros que são essências tanto para o curso quanto para uma vida acadêmica de modo adquirir uma formação humanística, visando a obtenção de conhecimento inter/multidisciplinar.
A senhora tem consciência que o sistema editorial impossibilita a curiosidade individual. Cobram preços absurdos para a realidade social brasileira. Em um país como o nosso o acesso a cultura é restrito. Sinto-me oprimido, pois gosto de ler e quero ensinar mas não tenho condições para compra de material de pesquisa.
Se puder enviar livros dos quais escreveu qualquer exemplar das ciências humanas, artes, filosofia. Podendo ser edições antigas, com defeito, fora de catálogo qualquer livro que ajudaria em meu crescimento profissional.
Feliz Natal e Próspero Ano Novo!)
Comentário
Ambiência e valorização andam juntas. Foram mencionadas premissas fundamentais: rituais básicos, solenidade e “espírito” da aprendizagem. Se o aluno vive entre pessoas que consideram a escola um “ bico” (basta o “ diploma” o que importa é fazer dinheiro, a prática ensina etc.), só a vida , talvez tarde demais, e a competição, talvez cedo demais, irão lhe mostrar como não é bem assim. Na infância, especialmente , o exemplo, o ritual e a solenidade são fundamentais. Eles configuram o “espírito”, o tipo de postura que se deve ter em relação àquilo que se vai aprender: se não veneração, ao menos respeitosa aceitação e convalidam aquilo que os americanos viram confirmado por Ruth Benedict quando foi enviada ao Japão, logo depois da II guerra, para entender a educação japonesa e escreveu O Crisântemo e a Espada( 1946) : o hábito e o esforço.
Esforço não é blasfema, apesar do que possam achar os “ pedagogos” que insistem que o aprendizado deva ser “gozoso”. Ele é simplesmente condição sine qua non para qualquer aprendizado “ sério” e duradouro, que , para ser mais eficaz, mais objetivo e mais rápido é necessariamente orientado.Claro que, havendo motivação, o aprendizado é mais eficaz. Alguns professores desenvolveram um método de ensino ( onde entra música, canto, gesto etc.; eu vi isso em cursinhos, e até em faculdades, mas nas escolas primárias do Oeste americano, na época do desbravamento, o alfabeto já era ensinado assim ) que torna o esforço uma competição coletiva, que só implicará seleção no exame final. E os estudantes aderem, pois há motivação, espírito de equipe e certeza de que haverá cobrança.
Eunice Durhan
Findo o ensino “ básico”( fundamental+ médio), a passagem para uma “ boa” universidade ( o exame vestibular ou o ENEM, quando criterioso) é, inclusive psicologicamente, a superação de uma etapa do desenvolvimento da individualidade , uma maneira de passar da adolescência para a idade responsável.
E em se tratando de universidade, dou a palavra a Eunice Durhan, do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da USP, ex –secretária de política educacional do MEC, em entrevista a Veja ( 26/11/08). Os problemas continuam:
- Os cursos de pedagogia [ no Brasil ]desprezam a prática da sala de aula e supervalorizam teorias supostamente mais nobres. Os formados são incapazes de fazer o básico: entrar na sala de aula e ensinar a matéria. Pior: nos cursos de pedagogia se supervaloriza a teoria e se menospreza a prática. Segundo essa corrente acadêmica em vigor,o trabalho concreto em sala de aula é inferior a reflexões supostamente mais nobres.Em vez de aprenderem a dar aula os aspirantes a professor são expostos a uma coleção de jargões. Tudo precisa ser democrático, participativo, dialógico e, naturalmente, decididoem assembléia. Osprofessores se eximem da culpa pelo mau ensino e, consequentemente, da responsabilidade. Nos sindicatos, todo esse corporativismo se exacerba. Combater o corporativismo e aprimorar os cursos de pedagogia são duas medidas iniciais e essenciais.
- Os cursos das ciências humanas ( nas áreas de ciências exatas começa a surgir uma relação mais estreita entre as universidades e o mercado, embora ainda atrás dos países desenvolvidos) são prejudicados pela ideologia e pelo excesso de críticas vazias. Nada disso contribui para elevar o nível da pesquisa acadêmica. Além disso, quando se trata de bolsas, tantas são as alçadas e as exigências burocráticas que um pesquisador passa mais tempo com a prestação de contas do que com sua investigação científica.(…) Para agravar a situação, os maus profissionais não podem ser demitidos. Defino a universidade pública como antítese de uma empresa bem montada.
- As faculdades particulares não são, frequentemente, uma boa opção para outros estudantes.É melhor um bom curso técnico do que uma faculdade particular de ensino ruim. Sempre houve, no Brasil, preconceito em relação a qualquer coisa que lembre o trabalho manual.
Considerações
Depois do ingresso em uma faculdade, haverá ou não o “ salto” universitário. Muitos universitários há que se bastam com “ ter entrado”e “ vão levando, saindo como patos, depois da chuva. Não aderem ao “ espírito universitário”, só querem os créditos e diploma.Dirijo-me aqui, evidentemente, aos que procuram alguma “ formação”(limito-me ao âmbito das humanidades ou dos cursos mencionados por meu correspondente, que impliquem disciplinas humanísticas).
Que diabo de salto é esse?
Ele começa com as disciplinas da graduação, assistidas cum grano salis .Os alunos descobrem logo quais são os bons professores ou aqueles em relação aos quais têm mais afinidades. Mas cuidado: todo começo é difícil!. Não confundir afinidade com o tal “ gozo” de sempre. “ Vira e mexe ele vai soltando um Platão, um Hegel” dizia um aluno a um outro, no intervalo das aulas, se referindo com admiração a determinado professor. Então, aqui vai o Hegel: “O Interesse é segundo”. Grande frase, se devidamente interpretada. Primeiro vem a curiosidade, a procura, a leitura, a compreensão,a repetição, a retenção.( Cuidado com a compreensão: as estatísticas dizem que os estudantes brasileiros estão entre os que mais “viajam” na compreensão de textos, ou seja, entre os últimos classificados). Depois, da segunda vez que surgir a questão, vem o interesse, a emulação durante os seminários com os colegas e , finalmente, a escolha do assunto para os “trabalhos de grau”, como os chamou Segismundo Spina, que escreveu livros sobre como fazê-los.
Estamos chegando à resposta a ser dada à questão proposta pela jornalista:
É possível uma Tese sem Teoria?
Como o tom também parece ser jocoso, vou me referir aqui ao livro de Umberto Eco já traduzido no Brasil, Como se faz uma Tese ( Perspectiva ou Mercado Livre), mas o que é dito quanto às teses “ de compilação” vale para os nossos Mestrados ou mesmo para trabalhos de final de curso de pós-graduação, que servem para ir fazendo os ossos, ou seja, não têm por que serem abolidos.
Diz Eco: (sintetizo e grifo a partir do original de 1977).
Mesmo que o aluno tenha “ flauteado” durante certas aulas de seu curso, pode se valer da ocasião da redação do trabalho para recuperar o sentido positivo e progressivo do estudo ( mesmo assim) realizado, entendendo o trabalho não como uma coletânea de informações, mas sim como elaboração crítica de uma experiência e aquisição de uma capacidade que lhe permite discernir os nexos significativos das questões envolvidas, enfrentá-los com método e expô-los de acordo com certas técnicas de comunicação.Em primeiro lugar, além das técnicas envolvidas ( cronograma, pesquisa bibliográfica, fichamento, organização) está a escolha e a limitação do corpus e a fixação do argumento da pesquisa em função de uma linha diretriz ( tradução: teoria).
Ampliando:
Uma tese é um trabalho original, de pesquisa, sobre assunto(s) relacionado(s) com a área em que “ entrou” o aluno de pós-graduação, trabalho este que implica
a) conhecer criticamente o que outros estudiosos qualificados disseram sobre o mesmo assunto ( uma Dissertação de Mestrado pode ser uma compilação dos estudos desses estudiosos com observações e conclusões próprias)
b) redigir uma exposição clara e articulada dos diferentes pontos de vista, destacando os que corroboram o ponto de vista do pesquisador
c) se, além disso, o pesquisador irá provar algo que os outros não disseram, trata-se já de uma Tese.
Requisitos:
- escolher o assunto ( corpus)
- Estabelecer os limites do assunto
- Reunir os documentos sobre o assunto
- Fixar o argumento ( tema) da pesquisa segundo a linha diretriz ( ou as linhas diretrizes) escolhida(s) entre as já existentes ou proposta(s) pelo pesquisador. Tradução: Focalizar um tema, dentro do assunto, segundo um ponto de vista que será a teoria a ser (per)seguida;
- Estabelecer os critérios de investigação do argumento( método pelo qual será estudado o argumento) e ordenar os dados
- Reexaminar o assunto em função dos dados escolhidos
- Dar forma orgânica a todas as reflexões e conclusões sobre o tema estudado.
- Tornar a redação da Tese inteligível a quem lê e permitir-lhe, caso necessite, remontar aos documentos e retornar ao assunto, enriquecido por seu argumento.
Sobre criatividade
O método para se chegar à idéia diretriz, em literatura, não é diferente do das ciências, pelo que conta Marcelo Gleiser na Folha de 17 de agosto de 2008.
Após ter escolhido o assunto, digamos certo autor, e o objeto de seu trabalho, digamos um poema deste autor, você o lê anotando exaustivamente todos os dados possíveis nos diferentes níveis( fônico, gramatical, sintático, semântico, etc.). Em seguida, nesse levantamento, você seleciona os dados notáveis ( repetições, assonâncias, quiasmos, metáforas, oxímoros, enfim, todas as figuras em posição relevante fornecidas pelo repertório da análise literária) e depois de bem entendido o poema racionalmente, você aguarda que as associações façam o seu trabalho.Vejamos o que diz Marcelo.
“ Existe uma preocupação com a obra, um objetivo a ser atingido que permanece arredio. Esse é o análogo da tensão na piada, do encadeamento lógico da história da qual não conhecemos o fim. Não conseguimos provar o teorema, resolver a questão,encontrar a nota certa na composição musical ou o traço certo no quadro. Mas nossos cérebros continuam a funcionar [ idem nosso subconsciente, ou nossos sonhos despertos, acrescentaria ], a buscar conexões na memória, correlacionando fatos e possibilidades. De repente, quando menos esperamos, a solução vem à tona explosivamente, o momento do ahá! da sacada.”
É o Eureka de Arquimedes ( e de Poe), é o click de Spitzer, enfim, é a chave da interpretação. A demonstração segue por esse caminho aberto.
Quanto mais exemplos de análise literária você conhece, tanto maiores as possibilidades de encontrar o caminho.( As abordagens vão, com suas linhas diretrizes e suas soluções, de Aristóteles ao pós-moderno, e às vezes, podem ser tão brilhantes e certeiras quanto a demonstração de um teorema).
Esse click tão importante para a demonstração que você vai apresentar é, obviamente, fruto de seus conhecimentos que , conforme diz Marcelo, são ligados, correlacionados, sem você se dar conta. Às vezes ele já é o vislumbre de uma solução ( como nos “ saltos” de Leonardo da Vinci explicados por Paul Valery em O Método de Leonardo, 34 Letras) e, nesse caso, induz o caminho para se chegar a ela; às vezes o click é a escolha de uma linha de atuação que levará à solução.
Exemplo final
Como exemplo de teoria e método, nada melhor do que recorrer a Erich Auerbach ( cuja obra Mímesis,[Perspectiva, 1971], segundo Antonio Candido corresponde a um inteiro curso de pós-graduação), que foi objeto de uma das sessões ( “Atualidade de Erich Auerbach”) do “Seminário Internacional Rumos da Literatura” promovido pelo Itaú cultural de 16 a 18 de dezembro de 2008, dentro de cujo contexto foi lançado em co-edição ItaúCultural/Iluminuras o volume Protocolos Críticos.
Do Epílogo a Mimesis , esquematizamos como Auerbach define os elementos que sustentam a sua obra :
Tema : a interpretação da realidade através da representação literária ou “ imitação”.
Teorias: ao observar os cambiantes modos de interpretação dos acontecimentos humanos nas literaturas européias o meu interesse concentrou-se e precisou-se de modo que, com isso desenvolveram-se-me algumas idéias diretrizes que procurei perseguir.
Método: devido às mencionadas idéias diretrizes, o tema ficou delimitado de uma forma muito determinada de modo que o método de trabalho que adotei, isto é, o de apresentar para cada época uma certa quantidade de textos — para ,com base nos mesmos, pôr à prova os meus pensamentos — leva imediatamente para dentro do assunto, de tal forma que o leitor chega a sentir do que se trata, antes de que lhe seja proposta uma teoria.
Conclusão: a visão da realidade a partir das obras cristãs da Antiguidade tardia e da Idade Média é totalmente diferente da do realismo moderno. Achei uma solução para o modo de ver cristão antigo, de modo que fique salientado o essencial e que os fenômenos pertinentes fiquem abrangidos. Chamei a visão da realidade da Antiguidade tardia e da Idade Média cristã de “ figural” e expliquei repetidamente o que entendo por isso.
Resposta
Sem teoria não se faz uma tese. Por que um romance que não venha precedido por uma introdução que reflita o intuito do candidato não pode ser aceito como tese?
Entre os vários requisitos (metodológicos e outros) que envolvem o conceito de tese e que podem ou não faltar a um romance, há um que certamente ele não pode preencher: por ser uma obra artística ele não pode determinar o tipo de abordagem/leitura ao qual será submetido. A cada abordagem ele dará uma resposta ( solução) que pode não ser a principal, a que corresponde à lei interna de sua criação. E cada abordagem, junto com sua solução, trará sua linha diretriz. Por exemplo, meu primeiro trabalho de grau foi “ A Ambientaçãoem Dom Casmurro” e garanto a vocês, nem toquei na traição ou não de Capitu.
* Professor da Universidade de São Paulo