Sussurro – Eduardo Marques Alexandre

Sussurro

Eduardo Marques Alexandre*

 

Sala de uma casa, móveis coloniais tradicionais.  Ambiente escuro e com pouca luz onde se encontram os personagens. 

Manoela: (Sentada no sofá, ao lado de Eugênio) Sinto o cheiro dela aqui… Como antes!

Eugênio: (Sentado no sofá assistindo televisão) Cala essa sua boca e me deixa assistir a tv. Você sabe que ela gosta do nosso café, toda tarde ouço os passos do salto dela sob o assoalho, mas o cheiro dela não… Nunca consigo sentir, deve ser por causa da rinite.

Manoela: Quando ela come deixa tudo sujo, parece uma porca! As migalhas de bolo de fubá atraem as formigas e nem a xícara de chá de capim cidreira que toma, ela não é capaz de pôr para lavar, acho que ela gosta de perturbar.

Eugênio: Você sabe que ela não pode ir embora, mesmo depois do que aconteceu eu não consigo deixa-la ir… Eu rezo todas as manhãs para que os passos marquem o assoalho e que o batom coral suje a xícara novamente.

Manoela: Eu não quero mais ela aqui, desde pequena me perturbando. A sete palmos de profundidade pensei que o perfume fosse se dispersar. Ontem eu cavei um buraco e joguei o frasco que estava no quarto e mesmo assim continuo envolvida pelo cheiro daquela porca imunda!

Eugênio: Não fale assim da sua irmã, ELA VAI CONTIUAR AQUI! Somos uma família criança, agora se levante e vá buscar o perfume.  Você falou em palmos? Não entendi. Chame sua irmã para o jantar. Preparei costeletas do jeito que ela adora.

Manoela: Ela está morta! Por que finge que nada aconteceu? (Levanta-se) Eu vou chamar um padre… Isso eu vou expulsá-la daqui. Ontem mesmo as janelas estavam abertas no meio da madrugada, ela só quer me perturbar!

Eugênio: (Levanta-se) Ninguém vai a lugar nenhum… (Desliga a televisão) Os programas mudaram, mas ela não gosta dos jornais, deve ser por isso que não se sentou hoje ao meu lado. Só quando os desenhos começam que ela me abraça e acaricia minhas costas, com as melhores mãos.

Manoela: Sempre assim, ela suja as xícaras, marca o assoalho e abre as janelas e você prefere-a. Desta vez eu não vou esquecer… Já fazem três semanas e não saí de casa ainda, mas agora eu vou chamar o padre.

Eugênio: A sua irmã está viva!  Só o corpo dela que se distraiu… Vamos até o jardim e podemos desenterrá-la e esperar que ela acorde. Quando souber do perfume ela vai ficar furiosa… MANOELA, enquanto isso, ninguém sai da casa!

Manoela: Eu não vou lavar mais xícaras… O batom é nojento e não saí!

Eugênio: (Senta-se novamente) Por isso prefiro ela, não reclama quando precisa limpar o chão.

Manoela: Ela vai continuar vindo?

Eugênio: A tv está desligada. Por que você sempre faz isso? Ela gosta dos desenhos.

Manoela: Pois eu não gosto dela aqui! Tem que ir embora… Risca todo o assoalho, às vezes fica sussurrando quando vou dormir, nos meus ouvidos, tem que ir embora.

Eugênio: Ela nunca sussurra pra mim, mas me acaricia as costas… As mãos dela são tão macias, as suas parecem lixas! O que ela sussurra para você?

Manoela: (Caminha até o fundo do palco) Umas coisas.

Eugênio: Fala de mim? Ela sempre pedia histórias nas noites chuvosas, acho que tinha medo dos relâmpagos. Mas o que ela sussurra? Que coisas?

Manoela: (De Costas) Que você pressionou o travesseiro, essas coisas! Acho que só quer me perturbar. Ela não vai embora mesmo?

*Aluno de artes cênicas da UFSC.