Entre Lobos e Cordeiros: As Entrelinhas da Arte Contemporânea – Eduardo Marques Alexandre

Entre Lobos e Cordeiros: As Entrelinhas da Arte Contemporânea

Eduardo Marques Alexandre*

Cerimônia Indígena Tatuyo

http://www.youtube.com/watch?v=lHORcKVG1sM

Quando citamos em ocasiões formais ou informais o termo primitivo, a tendência é ligar esta expressão à falta de evolução em seu significado mais bruto, porém quando se trata de etnopoética a palavra se refere ao que vem primeiro.

“A etnopoética se guiou pela suspeita de que certas formas de poesia, assim como certas formas de arte, permeavam as sociedades tradicionais e de que certas formas geralmente religiosas não apenas se assemelhavam, mas há muito já haviam realizado o que poetas experimentais e artistas estavam então tentando fazer”.

Jerome Rothenberg, poeta contemporâneo que na década de 60 criou o termo conhecido como etnopoética, baseia-se no mergulho em nossas origens culturais de formas não lineares. Buscando na poética de um povo ou etnia, os seus valores místicos originais.

As tribos indígenas possuem seus próprios cantos e formas de expressão para alcançar elevação espiritual, assim também outros clãs ancestrais considerados selvagens  utilizavam determinadas palavras, repetições e modos de entoá-las em rituais de tradição. São esses elementos que a etnopoética explora,  indícios dos quais de certa maneira representam tais culturas e se aproximam de formas poéticas praticadas. Como se lê no livro “Etnopoética”:

“Aí estava presente também a tentativa de reformular a ideia do primitivo e do primitivismo, ao dizer que “primitivo significa complexo” e ao abarcar com o termo etnopoética todas as margens da poesia canônica ocidental, tais como manifestações literárias e rituais diversos, sejam elas judaicas, negras, ciganas, ameríndias, ou mesmo no caso da poesia visionária de figuras como Blake ou Rimbaud.”

Com a ideia de contemporâneo, as artes precisaram se mesclar entre si para suprirem as necessidades de tempos em que as definições não são eficientes, parece que a liberdade de expressão alcançada com a chegada dos “tempos modernos” não pretende estereotipar a arte como um diamante lapidado e sem perspectivas diferentes das quais já possui. A performance é um exemplo de forma artística da qual absorve demasiadamente elementos diversos e os exprime de formas também diversas.

Rothenberg define a arte performática como uma ação que transpassa todas as nossas artes, e as próprias artes começam a se fundir e perder suas antigas distinções, até que se torna aparente que nós, pra começo de conversa, já não estamos mais onde estávamos.

Com a efervescência desse corpo como objeto de arte, a performance muitas vezes acaba caindo em um lugar comum do qual o corpo é apenas o fetiche de um grande exibicionismo, em que não há artista presente e desta forma o trabalho não possui credibilidade. Segundo Henri-Pierre Jeudy:

“Quando se torna uma representação instalada, reconhecida, perde seu poder de expressão. A aventura do corpo exibido pode então terminar em uma proliferação de esteriótipos que reforça a impressão tenaz de um déjà-vu.”

A performance teve sua origem no início da década de vinte, ligada aos movimentos de vanguarda, tais quais futurismo, dadaísmo … Em uma época de censura e todo tipo de preconceito com a arte, o corpo nu em si representava muito mais do que a falta de roupa, coragem, ousadia, era uma forma de libertação de um estado de repressão social. Mas atualmente o corpo despido não nos diz tanto quanto já disse, se não for por uma razão ponderável e de total importância ao artista é melhor não insistir nessa espécie de clichê.

A banalidade na arte atualmente é tão explícita que qualquer indivíduo dotado de um pouco de ousadia se define performer, no próprio universo da mídia televisiva, musical e outros… As celebridades vendem uma imagem de uma arte comercial, da qual muitas vezes desconhecem o sentido quando existe ou criam uma perspectiva deste mesmo não havendo profundidade alguma.

Henri-Pierre Jeudy afirma: “O poder da exibição está na revelação pública de uma certa monstruosidade do corpo, que é induzida pela ordem moral das nossas representações.”

A atração pelo repugnante ou misterioso do corpo, nas anomalias e estranhezas humanas fazem parte de nossa natureza. Quando lemos a história de “A Bela e a Fera” o fascínio pelo desconhecido e grotescos detalhes do personagem anormal são características das quais despertam a curiosidade.

Nos dias atuais a arte parece se encontrar no limbo entre o caos e harmonia, belo e feio, certo e errado e desta maneira nada parece muito relevante, e as vezes o que é realmente um trabalho artístico profundo e bem elaborado acaba sendo ofuscado por falta de um nível cultural avançado.

Concluindo com uma citação de Paulo Emílio Sales Gomes de 1973 que suscita uma realidade nacional:”Não somos europeus nem americanos do norte, mas destituídos de cultura original, nada nos é estrangeiro, pois tudo o é. A penosa construção de nós mesmos se desenvolve na dialética entre o não ser e o ser outro.”

*Aluno do curso de artes cênicas da UFSC