As quatro meninas, de Pablo Picasso – Tradução de Ivo Barroso

As quatro meninas, de Pablo Picasso – Tradução de Ivo Barroso

 

Em 2001, para a grande Exposição Surrealista montada no CCBB do Rio, traduzi, a pedido do prof. Guilherme Castelo Branco, a peça AS QUATRO MENINAS, de Picasso. Interpretada pelas atrizes Suzana Kruger, Angela Noal, Ludmila Breitman e Maura Baiocchi, e tendo como narrador Sergio Mamberti, era, como dizia o programa, uma “leitura nos moldes estritamente surrealistas, respeitando as convicções mais marcantes do movimento quanto ao teatro: indiferença com a verossimilhança e com os aspectos formais, desprezo pelas regras de interpretação convencional, preferência pelo humor e/ou inesperado”. As atrizes ora sentavam-se estáticas ora arrastavam as cadeiras pelo palco, voltando a sentar-se às vezes até de costas para os espectadores, que, um tanto estupefatos, se deixavam levar pelas fortes imagens picassianas que em nada ficavam a dever àquelas suas visões de olhos, narizes e artelhos destorcidos… Um verdadeiro painel pintado com palavras que o público só pôde contemplar no dia 13 de setembro de 2001. Convívio inesquecível do tradutor com aquelas quatro meninas francesas que não falavam coisa com coisa, mas que tudo o que diziam soava genial. Etâ Picasso!

Ivo Barroso

“Las meninas”, Pablo-Picasso, 1957

[24 de novembro de 1947-13 de agosto de 1948]

 

AS QUATRO MENINAS

Pablo Picasso

Tradução:

Ivo Barroso

 

Golfe Juan 24.11.47

Cena: um quintal com um poço quase ao meio

QUATRO MENINAS cantando – não iremos mais ao bosque derrubaram  os loureiros a bela que está lá vai recolhê-los entra na dança vai veja só como se dança dançai cantai beijai aquele que desejais.

 

MENINA I – abramos todas as rosas com nossas unhas e façamos sangrar seus perfumes sobre as rugas do fogo dos jogos de nossas canções e de  nossos aventais  amarelo azul e púrpura. Brinquemos até morrer e beijemo-nos  com fúria a dar gritos horríveis.

MENINA II- mamãe mamãe vem ver Yvette destroçar o quintal e incendiar as

borboletas vem mamãe.

MENINA III – façam o que bem quiserem para iluminar as chamas das plumas do galo com vela em torno dos cueiros pendurados nos ramos da cerejeira – atentem para o que  lhes  digo   nas asas  arrancadas  dos  pássaros  mortos  nas gaiolas cantando em  voo  rápido  sobre  o chamalote  das  mangas  do  vestido plissado  o céu de tão alto tombado do azul.

MENINA I – cantando – não iremos mais ao bosque derrubaram  os loureiros a

bela que está çá (grita) lá está lá está Iá está o gato que pegou um dos pássaros do ninho na goela e o estrangula com seus grandes dedos e o leva para trás da nuvem limão roubado em manteiga derretida do pano do muro derrubado por terra pelo sol coberto de cinza.

MENINA III-  que tolice.

MENINA  IV – arranjem-se  vocês com  as  flores  o fio de tricô arrasta pelo jardim suas  patas e agarra-se  a cada ramo  seu rosário  de  olhares  e as taças cheias de vinho no cristal dos órgãos que se ouvem batendo com toda a força no algodão do céu escondido atrás das grandes folhas de ruibarbo.

MENINA  I – arranjem-se  arranjem-se  a  vida  me  envolve  o giz  de minhas

invejas do casaco rasgado e cheio de manchas de tinta preta escorrendo a garganta aberta das mãos cegas que buscam a boca da chaga.

MENINA III (escondendo-se por trás do poço)- e isto é isto é isto.

MENINAS  I – II – IV- boba boba – você é boba – está duplamente  visível – nós a vemos- completamente nua coberta de arco-íris. Ajeite os cabelos eles flamejam  e  vão  deitar  fogo  à  cadeia de  reverências  raspado à cabeleira           emaranhada  dos sinos lambidos pelo mistral.

MENINA III- é isto – é isto – é isto vocês não me terão viva e nem vão me ver -estou morta.

MENINA  IV- não seja idiota.

MENINA I – se você não vem iremos todas nos enforcar nos pés de limoeiro e viver em flor  nossos  dramas  e  nossas  danças  fio  do  punhal  de  nossas

lágrimas.

MENINA II- vamos  lhe dar  uma escada  (buscam uma comprida escada e trazem-na com grande dificuldade equilibrando-a de pé).

MENINA l – não está atrás do poço -não ela está no teto da casa.

MENINA IV- está sobre o ramo florido no alto á esquerda da pereira.

MENINA II – vejo-lhe a mão  que  morde  a ponta da asa de  uma folha que

sangra.

MENINA IV- não não ela está em frente á mancha furta-cor que faz o sopro do clarim sobre  a janela  do  quarto  do  primeiro  [andar]  fervendo  a socos o ângulo quebrado pelo cego sol que busca seu caminho nas trevas.

MENINA  I – ela escorrega  parece buscar  entre  as folhas  úmidas e entre  as ervas  sua  merenda  descrevendo  arabescos  em  curvas  e  cores  e  em  fios da virgem.

MENINA IV – quer vir aqui ou não Paulette você está nos chateando vou dizer

à mamãe que você não quer mais brincar e está procurando chamar a atenção transformando-se de mil maneiras em buquê de flores japonesas.

MENINA  II – seja  o que  quiserem  colho  as  toranjas  e  as  como  cuspo  as sementes limpo com o dorso da mão os lábios e acendo os pavios das lanternas com meus risos os incomparáveis queijos que lhes peço aceitar sinceramente  a vossos pés me assino.

MENINA I – é muito difícil passar uma tarde agradável das férias de verão em companhia de vocês e além do mais ademais quando se sabe que vocês não querem brincar de  nada  que  toque  cronologicamente nas  lições  nos mostraram na ponta da orelha durante as aulas do inverno.

MENINA II – e melhor deixá-la e não lhe dar atenção ela voltara para melhor simplificar sua astúcia e nos fazer rir com seus falsos livros de contas e seus arranjos geniais tão artísticos que são.

MENINAS I- II- IV (aqui um Iongo silêncio- três minutos- elas continuam segurando a escada com bastante dificuldade em silêncio de um extremo ao outro da cena aproximando-a das árvores – da parede da casa e tentando trazê-la para junto do poço) durante  esse  tempo  ouve-se  a voz da

MENINA III –  é isto é isto é isto

começa a chover

MENINA II – chove chuva miudinha e a festa da sapinha chove chuva

MENINA IV – chove chuva miudinha a festa da sapinha…

MENINA III – é isto…

MENINA II- não se deve acreditar que o gato tenha ido comer sua águia sem medo nem remorso por trás das cenouras. Os azuis de suas queixas o verde­malva de seus saltos os violentos violetas de suas garras arrancando o amarelo­enxofre de sua fúria os farrapos verdes veroneses retirados do sangue fundente da fonte cheia de vermelho o ocre do muro lilás e as franjas cobalto tão agudas de suas queixas o pobre pássaro empinado sobre os cascos de suas plumas macaqueia em acrobacias as bandeiras estalando as línguas sobre o aço o punhal plantado já o gato acumula e retrai a cada estágio suas sombras e suas espadas confusas e confundidas na queda das verticais se esmagando gota a gota na cortina verde oliva.

MENINA  I – chove  chuva  miudinha  é a  festa  da  sapinha  chove  chuva miudinha é a festa da sapinha chove neva tudo molha é a festa da piolha. MENINA II – queria que ela voltasse está faltando sol agora chove. 0 riso das flores rasga o vestido branco de xadrez e verde-gris e funde em acrobacias e saltos de humor o  fundo  da tela  crucificada ás minhas  sandáIias chame-a Jeannette solte grandes gritos para que ela retome seu Iugar ao sol e tire o fio a prumo pela parte grossa da luneta

MENINA I – deixe-a  fazer sem dizer nada o silêncio  deve  pôr seu  ovo  no canteiro de seu destino feito em pedaços pelo jogo das grandes curvas atiradas a grande custo e múltiplas manigâncias por cima dos moinhos asas cortadas  de todos os loureiros  e bem felizes de ser retirados  do comércio        com preço tão em conta.

MENINA II – você não me fará crer e se digo crer estou exagerando que sua partida  e a sintética  projeção de  sua  imagem  seja  de  fato diluída  no  caldo imaginário  desta tarde sujeito em seguida a ruidosas revelações a audaciosas discussões cursivas.

MENINA  I – a  chuva  que  aumenta  pouco  a  pouco  já  dura dez  séculos  e compõe meticulosamente a página pintada tão minuciosamente com pequenos

signos e linhas torvas desfazendo nós  górdios e fichas  antropométricas todas responsabilidades e consequências de um jogo imposto  do outro lado. Lá ela nos causou muita alegria

MENINA IV – ela nos fez sucumbir  e não se dá conta de que chove para nós

que  gera  que  o sol  se achatou por terra  que caminhamos  por  cima  que nos queimamos

MENINA II – os pássaros  têm chifres  as flores roem  as unhas  e as nuvens . servem para limpar as vidraças faz um calor sufocante no paraíso e os pássaros já acendem fogo sobre as nuvens.

MENINA I- as flores cheiram a sopa que ontem à noite para o jantar minha pôs ao fogo a  partir  das  cinco  horas  e  que às dez  para  as  sete  de olhos esbugalhados a  porta aberta  do  nosso  pranto  transporta   corpos e bens  ao

paroxismo  sim-não-sim-eu  não sei – mas retoma o tempo bom a seu cargo e afaga a paleta cheia até a borda da carga de seus porta-copos bebidos até a borra

MENINA  IV –  parou a chuva já podemos  brincar vamos correr  em volta do poço vamo-nos  divertir  bancar  as loucas o  ramo  da pereira  deu  um tapa  no grande monte de nuvens e a ponta do pé do sapato da palmeira ronca acocorado na toalha de mesa rato que se cata      vamos correr feito loucas – como as loucas e levemos conosco todas as flores as louras e as morenas as doces e as amargas as tenras e as duras de pedra e de algodão de óleo e de vinagre de tinta nanquim e de tinta simpática sem um erro de ortografia  e  com  as  quarenta e  cinco mil  vírgulas  vamos correr  brincar bancar as louças (dançando)  – loucas – loucas – loucas loucas louca loucas loucas loucas.

MENINA  I – as folhas negras  do quintal  vão escrever  sua  vida com toda a . rapidez  os ramos sonharão com os arcos  do futuro e serão doces  e cordatos

como as imagens votivas e tão berrantes quanto parecem tão domesticadas é seu hálito sentadas diante do fogo lendo o jornal apontarão os golpes do destino sobre a ardósia.  Carga de lembrança de braços cruzados a ronda desdobra suas músicas no ácido o grande carneiro alado soa o sino ao Ionge

MENINA ll – como estamos bem aqui e como estamos bem no campo ao sol derretidas no meio de sua pança brincando brincando  e  gracejando  ao  sol repleto de amoras o sol cheio de fitas cheio de pedras cheio de casquinhas de sorvete vamos todas rir e cantar e fazer comidinha

traga seus cacos de copos de cor e procure os ossos de sépia que servirão  de

prato  as  plumas furta-cores  dos  ramos  secos  dos  caroços de azeitona  e as conchas de meu colar com a cinza do muro dos grandes plátanos untarão a fatia de pão misto da taça de frutas presa na armadilha da fonte vai buscar a vela de seda negra com que nos cobriremos  todas  para  fazer a noite  de núpcias que iremos passar no fundo  do poço  cheio de estrelas fritas a mãe de Jeannette na noite do casamento de sua irmã tinha um vestido cosido de lâmpadas elétricas de cor vão ver se as árvores já foram se deitar e dormem é preciso fazer tanto barulho quanto pudermos e iremos gritar com todos os nossos pulos de cabrito a alegria de estarmos  sozinhas  e loucas  iremos  amarrar  a escada  à árvore  e vamos subir nela para acender o fogo da cozinha em cada folha que cerziremos ao  algodão  dos  ramos espinhos  de  açúcar do  mel  amargo das  agulhas dos espinhos das flores dos duplos  eucaliptos  (apanham a escada e a engancham nos ramos altos da árvore, deitam-se no chão de barriga para baixo e adormecem) e ouve-se a voz da MENINA Ill – é isto é isto é isto…

MENINAS I – II – IV se levantam e começam a brincar  de roda saltando e cantando – é isto é isto é isto é isto vamos à guerra guerra de casa anjos de malvaísco ratos e ratazanas noite de caramelo manhã de guiso a vida que passa fez nos meus lençóis – é isto é isto é isto a vida se empaca para ordenhar as vacas a vida é bela ocultemo-nos dela os novilhos morreram e têm asas a roda que gira desfaz seu vestido e mostra os seios sob as ervas a noite esconde seus peixinhos a bela pimpinela ama o seu pimpilim diz-nos rosa malva-rosa a aurora desta noite nos conta e nos faz rir levanta a tua golilha desembucha os teus rosários  aponta-nos  tua  garrucha  sobre  o  buquê de  rosas murchas miserável miserere – estamos contentes contentes em atar amanhã depois de amanhã com o hoje e com o ontem.

(elas rodam saltam e gritam cada vez mais rápido cada vez mais forte e caem no chão umas por cima das outras s sorrindo)

MENINA IV – nós bem que nos divertimos eu divirto tu divertes ela diverte feliz feliz feliz feliz feliz feliz

MENINA II – feliz

MENINA I – eu sou feliz eu sou feliz

elas começam a gritar– é isto é isto é isto

e ouve-se cantar inúmeros pássaros e uma chuva de olhos começa a cair sobre elas colando-se em seus cabelos e vestidos

MENINA II- estamos cobertas de luz

MENINA IV – estamos sujas de luz

MENINA II- ou queimada

MENINA I – estou gelada de luz

MENINA II – olhem olhem no alto da escada um pássaro que se rasga estamos vendo seu coração gritar e com as garras ele arranca os olhos

MENINA  IV – as  folhas  em  redor  dele  mostram  os  dentes-de-lobo  e  o ameaçam com suas mãos docemente fechadas

MENINA I- é preciso ajudá-lo

MENINA II – não toques nele queima está em chamas uma tocha

MENINA I- vamos arrancar todos esses olhos de nossos vestidos ou esconder nas mãos esses olhares

MENINA N – vamos nos envolver no véu fazer-nos medo e à nossa volta façamos uma cerca em círculo de punhais plantados na terra pelo cabo MENINA I – vamos atirar-lhe todas as flores do jardim para que ele morra de rir

MENINA II- representemos um drama vamos montar a cena diante do poço e disfarçar as árvores em vagas você aí será o náufrago você o raio e eu a lua você aí dirá às vagas que levantem suas redes e apanhem todas as estrelas e as conchas em suas presilhas e as atirem para nós em  colares de  perolas e montadas em vacas desfilarem a mesa azul e as cadeiras fazendo-nos caretas

Você a mais nova lhe oferecerá as cenouras as couves e os tomates que iremos colher cantando de joelhos segurando pelos quatro cantos a vela e  você enquanto isso acenderá uma fogueira de alegria e jogará dentro dela todos os nossos vestidos ficaremos nuas e você também se despirá ao mesmo tempo e iremos nos esconder embaixo da mesa mas preste bem atenção para não se queimar na fogueira não aproxime dela suas ânforas cheias de vinho e as grandes folhas de ruibarbo que teremos trano em tomo farão a cortina mais

negra para a corrida que a tempestade desencadeará quando as vagas vierem

nos agarrar na garganta e nos envolver com seus musaranhos o mais  ávido silêncio enchera sua ânfora de fogo e as asas quebradas do cavalo que arrasta as tripas sobre a cinza abrirão suas romãs ao espelho repleto de luas quando por sinais vocês farão sinal de morder nós todas  nos  levantaremos e unharemos

o rosto até sangrar então o mel do transbordará todas as suas abelhas e fingindo-nos  de mortas de  medo riremos  e cantaremos juntas  e a  plenos pulmões o barco com as velas todas desfraldadas  reentrará em cena será carregado de Ieite e de sangue e em fogo iluminado por mil lanternas

MENINA IV – diga-me diga-me o raio rirá rirá será infeliz ela terá medo no mar sob a mesa será ela loura e ruiva e longa com longos cabelos negros e  amaranto terá um amante não me diga a verdade mas enormes mentiras quero ver com minhas mãos fuxicar o grosso colchão de estrelas cravado não importa

como sobre o dorso do céu que passeia à beira do teto tão gracejador

MENINA  II – grande  desilusão  afinal  de contas  espontaneamente desenhada em complicados arabescos e circunvoluções matemáticas mas a grande questão é saber se sou absolutamente branca de mármore de penugem de cisne de papel branco de fio puro fio e coberta inteiramente  de neve e sozinha de pé à beira do telhado e imóvel

MENINA II- cale-se você nos chateia

MENINA IV- não você fará aquela que vê e com seu pedaço de giz com os olhos fechados irá desenhando em tudo grandes olhares de homem

MENINA  I – esconda as mãos atrás dos olhos leia o futuro verde primavera de folhas e de flores que regarão seus cabelos de músicas

MENINA II- canto canto noite e manhã e não gosto de fazer comédia só gosto do ruidoso refúgio do silêncio sobre a minha barca  em perdição e engodo é a bela estação

MENINA IV- ora veja

MENINA I – ah

MENINA IV – dó ré mi fá sol lá si dó

MENINA  I – dó si Iá sol fá mi ré dó eis que um grande  sol rola  lentamente sobre a cena até aos nossos  pés onde se estende  de todo comprimento e nos Iambe as mãos — como é bonzinho

MENINA  II- a flauta ao Ionge desmonta  peça por peça  o jogo de paciência irrigando  a cor e  pacientemente inventa  o  jogo  de  cena  do  grande  barco vogando amorosamente  nos  véus da noiva   do naufrágio coçando suas  pulgas nos azuis acidulados do celeste com ambas as mãos agarradas ao arreio da égua e catastroficamente tomado de chances inutilmente fugazes

MENINA  I –   o azul  dirige  a  ponta  de seu  casaco  azulidão  azul-real    anil

cobalto  azul celeste ameixa  sobre o braço estendido do amarelo  limão verde amêndoa e pistache contornando o malva lilás batido os dois punhos pelo verde  da  laranja  e  a  toalha   de  riscas   azul-rei   e  azul-pervinca estridente

confundidos aos seus joelhos e todo o acidulado arco-íris  do branco enfaixado com o arco  dos pés molhados no  verde-esmeralda funambulescas  batidas de gongo feridas de morte entre as meadas de cravos e de rosas tão  malva-rosas MENINA IV- o azul o azul o celeste o azul o azul do brancoo azul do rosa o azul do lilás o azul do amarelo o azul do vermelho o azul limao o azul laranja o azul que transuda azul e o azul branco e o azul vermelho e o azul das palmas do azul limão das pombas brancas aos jasmins em campos de aveia em grandes cantos verde amêndoa esmeralda

MENINA II – as espirais dos limões os grandes quadrados brancos das laranjas os losangos em limão dos ovais perfeitos   dos círculos  exasperados  das rosas lilás dos  tomates  cantados  cochichados  pela oliva  do  roxo  escondido  no xarope de amoras

MENINA I- branca a rosa vermelha o cravo e azul o branco amarelo do muro

jorrando em ondas a baba de veniz do fogo encadeado às barras de aço do Iongo véu arrastado por imensas asas da pequena agulha espetada na face do

círculo que arrebenta em vestido de lantejoulas de sarças luminosas

MENINA II-doce entardecer doce doce uma tarde de doçuras doce entardecer doce

MENINA IV-relógio cheio de abelhas ilhota de mel

MENINA  II – barca cheia de abelhas amamentando  os voos das pombas com as asa arrancadas levadas a grandes gritos de ramo jogo e cabriolas de riso em riso imaculadas e em embriaguez

MENINA  IV – os doze cavalos brancos alados que puxam a carroça feita de um grilo de arroz inundam com seus grandes jarros azul amarelo e vermelho a imensidão do prato cheio de pastilhas de ouro dos feixes e das folhas de acanto trançadas em torno e os jatos de mercúrio da fonte irisam com seus vapores e suas melodias as espadas nuas de seus cantos   .

MENINA  II – melancia de azul picada de pregos tesouras  cortando os fios trançados do rio que arrasta os cabelos na areia seu vestido rasgado ilegível  à orelha do encanto rompido saltitante coxeando sobre a longa pata

MENINA I – um grande  oval amarelo luta em silêncio contra os dois pontos azuis com todas as suas garras retorcidas  na queda  de Ícaro  do  labirinto das linhas  da armadilha  do  losango  verde  oliva  estrangulado com  as duas mãos pelo violeta tão terno  do quadrado  do arco vermelho Iançado tão Ionge pela tempestade

MENINA  IV – o azul o rosa  o lilás o amarelo limão o verde pistache  o verde da laranja e o azul e o violeta o malva e o lilás e o vermelho

MENINA  II – tenho a mão cheia de vozes meus cabelos são cobras de fitas de todas as cores ao penteá-los  eles escorregam entre os meus dedos e acendem os fogos  de Bengala  a cada  folha das árvores  arrancadas  pelos  lábios a cada ataque de rins

MENINA I – a poeira dourada que se ade.re a cada suspiro os saltos de cabrito da faixa branca que levanta a barca a janela  isola  os degraus  do anfiteatro  a

charrua e sulco que solenemente imolam a cabra acorrentada  sobre  o papel imaculado da grande página escrita.

MENINA  II – deixe  a cabra  pastar dê-lhe folhas de couve você é tola  como você é tola mas você é tola de verdade tola tola tola

MENINA I- um colchão de sarças para eu dormir esta noite sobre o xarope de amoras de gentil cotovia você almoçou direitinho

as meninas I- II- IV em silêncio põem-se a correr para todos os lados e a se engalfinharem e sobem sempre correndo os degraus que levam ao primeiro andar do casa

MENINA III –  sai do poço e pula no chãocorre atrás das outras sobe os degraus e entra gritando – é isso é isso é isso é isso é isso é isso é isso é isso

Fim do 1° ato.

2° ATO

o mesmo quintal mas tendo ao meio uma grande barca – amarrada à barca uma cabra – a cena está vazia

MENINA  III descendo os degraus da casa carregando uma boneca maior que ela atada por correntes de guirlandas de flores e – avental amarelo – pássaro branco de xadrez azul amaranto e azul limão linha perpendicular do celeste azul-real médio irritante branco espalhado em  grandes  colheradas sobre  a  mancha   lilás  do   imenso   amarelo   limão espalhado  corpos e bens sobre a ogiva fechada do centro estridente do grande quadrado fechado a dupla volta das lacas esmeralda do silêncio escondido entre as dobras do ovo posto pela cabra

(ela ajeita a boneca envolvida pelas guirlandas de flores na barca e amarra-a ao mastro deita-se de dorso no chão e mama na cabra acariciando-a)

belo jovem  belo namorado  meu amante  meu sol minha  cólera meu  centurião

meu  cavalo  furioso  minha  mentira  minhas  mãos de  manteiga  em  espiral  a deliciosa  subida e a descida amarrada  as cadeias  do picadeiro  em festa limão espremido na goela fechada do ácido nítrico da tenra pombinha que se abre em leque no centro da fornalha da tina de piche que fumega .

(levanta-se desamarra a cabra e a estrangula segura-a nos braços e dança)

As menina I – IV estão na janela da casa e olham vão um instante ao interior e tornam a voltar com grandes bigodes pintados sobre os Iábios e libertam grandes quantidades de pombos que saem voando.

As  meninas I- II e IV pulam pela janela para o quintal tinham amarrado ao          ombros grandes asas abertas contornam e prendem no meio de sua roda a

menina III que traz nos braços a cabra morta.

MENINA  II – faça-nos ver a claridade  cega de seu canto  de gelo e a aurora boreal de seu olhar remexendo na fuligem que ela arrebente em buquê de víboras sobre nós e suas auréolas de jasmins e as mãos cheias de signos.     MENINA  IV – deixe correr seu  sangue  sobre  a minha  face que  eu sinta  o frescor dos alísios de sua vida que alça voo ao Ionge.

MENINA  II – a folha de mármore de seu olhar  decompõe  em paletas  o fogo gelado que ferve na indolente crispação das curvas em cristalização

MENINA    IV   – vamos   buscar   vinho   em   grandes   jarras    em   ânforas transportemos todo o vinho que ela se embebede em sua morte que cante e ria e daremos de beber também à boneca vamos embriagá-la para que ela cante e ria e dance conosco e nos adore

MENINA  I – a barca  balança incha-se e ergue-se  ela se ilumina  de todos os

lados  e mil braços remam os campos  de azul  cobalto  limão verde  esmeralda lilás rosa e papoula púrpura  lia do vinho branco rosa azul-real  furta-cor e suco de limão de tangerina de toranja e verde laranja amarga.

MENINA ll (que enfia o bracinho inteiramente na ferida da cabra degolada e

Ihe arranca o coração que mostra às outras meninas) – está vivo – vivo – ele pula – ai que dor ele me morde – tirem-no de mim – ele salta ao meu pescoço –

me rasga – me estrangula – matem-no – matem-no – ele está vivo

MENINA I (arranca o coração com as mãos envolvidas na fralda do vestido e como se segurasse um carvão incandescente o introduz na boca da boneca) –  o coração vai pôr seu ovo e a colmeia cantará suas litanias a matinas de mel de fel colados às cordoalhas e às velas da barca encalhada a baba dos bodes do sol.

MENINA IV – aqui a página está branca vazia  extinta o silêncio  envolve de cinzas seus passos uma grande poça branca mole depõe seus dedos pálidos seu escarro sobre a franja da bandeira estendida sobre o cadáver

 

MENINA II – a cabra curte seu porre morta na laguna do Ieite espalhado sobre a poça de sangue enfiada na lama até os tornozelos da flor aberta.

MENINA  I – vou arrumar  um pouco a casa vou  ver toda essa poeira de estrelas que esmagamos  com os nossos saltos  e regar com um pouco de lágrimas a grande  sede  de  riso  da  grande  boca cheia  de  terra  do quintal – vocês           duas consertem  cada uma com sua faca e com toda a delicadeza exigida e querida os grandes  frascos de azul inflados de sabedoria  e que não reste um só talo para juncar com seus traços de arcabuz o alto da torre abarrotada  de amores  urrando agitando as asas através das grades.

MENINA  II – ali ali olhe a serpente  sua espada  que  penetra  tão  de leve na

chaga sem tremer a mão

MENINA  I – morreu  o riso  viva  o riso  o riso  pôs seu  vestido  de  noiva  e enfeitou  de anêmonas  os cabelos mas o Iongo véu de   chumbo  o imobiliza e o esmaga  e  sua  cauda  se  engancha  e rasga  e  quebra  as  taças de cristal tão delicadamente colocadas cheias de flores no chão à sua passagem

MENINA ll – olhe só enchi esta taça de água retirei o copo e a água continuou

em seu lugar sem que uma só gota molhasse minhas  mãos – agora quebrei o copo e não sei onde por toda essa água

MENINA IV (aproxima os lábios da água e bebe como se na fonte) – como é

doce e fresca

MENINA II -e clara

MENINA I- é a árvore do saber e do bem e do mal ou a dorme em pé

MENINA ll – só o olho do touro que morre na arena vê

MENINA I – ele se vê

MENINA IV – o espelho deformante vê

MENINA II – a morte esta água clara

MENINA I- e muito pesada

MENINA IV – contornam de folhas verdes o  leito  de  ardósia  e  cubram  de mirtilos  a  renda  de caranguejos  fazendo  quarto  a parte  e branca alcova em

segredo quero lhes dizer meu caderno de despesas e moinho  de pedra plissada acordeom tão doce ao fundo dos bosques.

A primeira das notas escritas e cantadas radiante e penteada a contrapelo goteja suas rosas e pervincas sobre a teia de aranha fazendo suas contas sobre a borda da pia – acrescento, primeiro – um  saquinho  de pralinas  malvas  rosas  e verdes  uma  máscara  de carnaval  máscara  de cinza suando  a pez  dos anos  e picada por uma chuva de grãos de arroz iluminando a face cheia de riso de um céu de verão às 7 h torcido no pau de sebo aspirado pela tempestade e segundo aderindo com  todo  o  peso  à  teia  estraçalhada  que  abana   a  guipura   do açougueiro as tripas desfeitas balançando os dedos no mar a face do vaso cheio de jasmins – e após  os regimentos  do tédio  o açougueiro 50  o quitandeiro 3000 – o carvão o óleo as ervilhas as cenouras o açúcar os cravos-da-índia as batatas cebolas sal pimenta 38 e 11 e 200 três mil oitenta  seis centos cinquenta o arroz o alho as ervilhas grãos-de–bico a laranja voos de pombas  negras  por trás do leque desfeito atirado ao chão longa carta a responder  e não ler olhos fechados às músicas cruzando suas espadas ponta a ponta e o Iongo desfile dos rebanhos de águias roendo  unhas e bicos no negro do estandarte que cobre a mesa do festim e as tochas.

MENlNA I – o aço dos fogos de alegria acocorados em círculo e as acrobáticas fábulas  desfraldadas  herborizando  o celeste  azul-real azul tão terno  e meigo vestido de azul com toda a parcimônia de sua angústia posta em dia.

MENlNA II – boa festa  feliz ano  verão  tão suave  ar  de  metal  línguas  de abelhas cheiro de pio grelhado e de manteiga e melancia

MENlNA  IV – à noite  eu  canto  e  choro  minha  cabeça batendo  contra  o carneiro  de  minha  cama  os  arabescos  das  meadas de  lã de  minha paleta

recheada de pássaros e minhas mãos de gaze descosem a dentadas o buquê de anêmonas

MENlNA II – a alegre canção do verão – bela e tão grávida e encantadora jovem peça única e muito rara o largo traço de giz branco apagará timidamente a conta

MENINA I – o cinzel cor de anil rendado de esmeralda corta em dois o arco da

ponte do canteiro da carta de jogar arriscando  a sua sorte – a sombra rompe suas amarras

MENINA II – árvore jóia  cheia de palavras colar de esperança corrente de mel ária de flauta máscara de argila sino de prata rosa de cristal sono de relógio

MENINA I – vejam como o sol que nos deseja chega a nós através das folhas e

lepra nossos rostos mãos e roupas e o quintal. Seus dedos cheiram a figos seco a pus a sangue a nardo e o azul de sua roupa se decompõe em mil lantejoulas e cantos gregorianos e alcalinos relentos (riem) – o sol nos disfarça de morta o sol nos ama

(Cena dos coveiros carnaval)

 

um grupo de coveiros chega carregando  um caixão – estão  fantasiados  de                           sátiros centauros  e bacantes – chegam dançando  bêbedos – depositam  o caixão  sobre  estrados  que  recobriram   de  palmas  abrem-no  e  tiram  dele grandes ânforas e taças que enchem de vinho e enquanto bebem brincam de roda em volta das ânforas postas em pé sobre o caixão

MENINA II – dança a noite em volta das luzes canta o íris em volta dos jogos de cartas e rasga em cadência as cordas da ânfora seus fogos e o silêncio do côncavo das mãos

MENINA I – flocos de estrelas colocados sobre o fogo vivo das camadas de sol sofrendo de suas algas a arquitetura toda em caminhos de atalhos o ovo posto a baixo custo a bandeira azul queimando nas quatro pontas

MENINA II- a cinza atirada ao pasto das águias do galinheiro funde o bronze das asas do cavalo arrastando a charrua no campo de diamante e atrela às lanternas as melodias da ponta do buril grifando o mel do cobre

MENINA IV- órgãos ébrios do louco amor âncoras atiradas ao fundo dos céus

linhas puxadas das barcas molhadas  de chamas

MENINA II – a grande torta de cerejas está cheia de moscas – se vocês não querem prová-la vou comê-la inteira inteirinha e podem depois chorar chorar chorar e me bater

MENINA I- a torta e tão minha quanto sua quanto todas

MENINA IV- a torta não é de ninguém ou antes ela é das moscas

 

os coveiros voltam a apanhar o caixão com  todo  o cerimonial da chegada  e partem dançando as meninas os seguem e ouve-se  a MENINA  III gritando – é isso é isso é isso

 

Cortina- Fim do 2° ato

3° ATO

o  mesmo quintal  mas  no  interior  de uma  gaiola  dentro  da  qual  as  quatro             meninas estilo nuas

MENINA II -na amarelinha as árvores são sinos do fio de prumo que a cada sopa a ária do violino traz a cada passo e fia a trama dos violinos cosidos à franja lilás dos corpos de caça estendidos rochedos de cobalto e colares de ouriços transbordam no Ianço de muro do relógio amarrado a cada folha as incompatíveis feridas e as chicotadas dos aromáticos saltos de carpa de tanto azul misturado às guipuras da carnificina e a vergonha e rascantes remorsos das flores desmaiadas sobre o lago de amêndoas.

A cada cordeiro sua carga de asas e todo o peso das auroras postas em dia

sobre o mármore gravado com garras e dentes a melancólica inocência dos linhos limpando o suor da face do azul do céu atado ao pote por cordas o arco-íris estendido ao máximo descobre aos transes do buquê seu caminho e parte para o festim posto em jogo.   .

MENINA I – a catastrófica  ausência  de  quaisquer  andaimes  e  o  temor impreciso do grande salto ao alto da escada plantam um estandarte no cimo desfraldar seus fastos e aniversários.

No meio da cena aparece a bolha de um grande aquário em que nadam em círculo peixes coloridos um vermelho outro azul outro amarelo outro verde outro violeta outro laranja

Do aquário sai o buquê de um fogo de artifício                                                           

a tinta da fonte rasga os joelhos sobre a manteiga derretida desta tarde jogada à cara ou coroa no cristal do prisma do acre persistente perfume das volutas dos cantos das sombras recolhidas nas mãos estendidas aos suplícios e convulsa delicadamente  gota  a  gota  a  rota  desenfreada dos  carros  róseos  dos  íbis arrastando seus farrapos na lama da cal remexida dos remos batendo em desordem suas palmas sobre o chamalote das arcadas pique corpos e bens sobre o leque e fio de Ariadne enredado nas sarda moreia o festim todo posto à parte

MENINA IV – a sombra da aurora marca com a unha no canto da página seu buque de anêmonas

MENINA II- rato camundongo arganaz musaranho morcego flor de piretro unguento cinza ácido cítrico posto a cavalo sobre o ramo de lilás adormecido graciosamente deposto aos pés fendidos do contrato em chuva de rosas e tortas de creme.

MENINA I – rotunda em espiral jogada ao vento pasta de tocaia sobre o alva arrancado da árvore plantada de raízes para cima sobre o lago esmeralda. MENINA II- garatuja garatujas garatujas passando a esponja molhada de giz sobre a ária e a canção espetando o xale de luas na paisagem gritando em altos brados  delicadas  atenções e suas melancólicas e angustiantes cantorções rato camundongo arganaz musaranho morcego unguento ácido lilás cinza nítrico e chuva longínqua de passo de asas batendo duro como ferro sabre os barrotes do céu através da gaiola

MENlNA  I – serpentes trançadas em longas esteiras cada abelha portando seu vestido de flores a taça repleta de Ieite salta de pés juntos suas manigâncias e melodias em cascatas arabescos e mordidas a cada caule mãos estendidas

MENINA II- a pequena joaninha rasteja suas lanternas  penduradas  com uma corda ao pescoço do patíbulo e range o óleo de sua oliva nas pedras de fogo untando a poça de azul pervinca limpando os vidros de seu linho mergulhado no ovo batido em omelete de perder o ôlego

MENINA I – a joninha morreu ora pro nobis a joaninha se acaba ela acabou

MENINA lV – pão um copo de vinho e a sopa a mesa recoberta com a toalha xadrez azul escuro e azul claro o garfo a faca a colher a mesa a colher o guardanapo  dobrado sobre o prato o murro no lado direito da mesa o balde o amarelo derramado ligeiramente  rosa vomitado  pelo sol limpando a cor acobreada  erguidas sabre seus esporões fazendo-lhe face

MENINA II – contem  digam  um  dois  três  quatro  dez  onze  vinte  dois  três quatro quatro quatro

MENlNA  I- contem contem contem

NINA IV – laranja tangerina  limão azeitonas peixinhos grelhados  o tique­taque do despertador a hora da tarde o dia a manhã a aurora

Fim do 3° ato

4° ato

o mesmo pomar (à luz da lua)

MENINA IV – sentada numa cadeira sozinha – a manhã mergulha suas alusões e seus carros louros de acres aciduladas rampantes estrelas de patas negras de eixos pontos e vírgulas fixados a vidraça destacada uivante de tantos ocres e pálidos festões desfeitos em fendas de poeira e raias oleando o degrau do poço atirado ao  fogo aprestando  o  cinza  ruidoso  provendo  a  abóbora  colhida na armadilha   suas  enlameadas   ilusões e  suas  alusões  mentirosas de  cortinas cerradas falando à parte  estremecendo  suas  melodias  e seus  gritos  aos  cem pontos   cardeais   e  suas  salsichas   ardentes   ao  arco  intervindo   nos   jogos descobrindo o nu vestido de viga de amendoeiras em flor arrebatando o leito de todos  os  seus  enfeites  e  unguentos  soltos  em  voo  de  pombas  de  goela escancarada  de sol esmagado sobre o tecido bordado  de amêndoa  no prato de arroz  silêncio  posto  as claras  de tocaia  inchado  de  músicas  hilariando  suas hortênsias em ondas de remorsos e circunstância atenuantes.

Focinho careteiro torcendo seus pregos nos punhos  fechados distribuindo  suas ogivas mantendo  em dia a dia suas contas  dobrando  em bola seus salpicos  e suas ardósias sob a asa.

A pilha de-aromas toando seus cânticos e suas mordidas a cada porta todas as velas desfraldadas e todo o  encantamento  permitido a  gaiola   aberta desenrola seu leque e rói o mármore  da corrente  a cifra inscrita  procura suas

pulgas sob a pia a pequena  caçarola azul  dorme apoiada  a sombra  rosa feita

gratuitamente de pés juntos de joelhos deitada  no chão a falsa violeta corta o

pescoço da janela arrastada  pelos cabelos sobre os ladrilhos da cozinha a mesa molhando  suas  patas no  sangue  a boca  aberta  mostrando  o  ciículo  de  seus dentes azuis

votos inúteis engancham  suas asas aos pregos entortados pelo ferrugem  – a gravidade da bora  corrompe  sua  carne  à claridade  emitida  em evidência  e o fluxo do relógio autoriza a cada passo sua autoritária aversão

(Entra um enorme cavalo branco alado arrastando suas tripas rodeado de águias – um mocho está pousado em sua cabeça – fica um breve lapso diante da menina e desaparece do outro lado da cena.)

fonte  luminosa de pêlos eriçados do arco-íris  enganchado  em  cada dedo  dos colares  de  plumas  do  ácido  ferindo  de  morte   o  animal  – o  montão  de reverências  e genuflexões e o alerta dado

infligindo suas carícias as estridências do azul desenrolado  diluída em todo

o Ieite derramado  sobre o ramo de mimomas  agitado  obscurecendo  a peça

encantamentos    esbranquiçados  e   estouros    bizarros    contorcionando   aos diminutivos adquiridos borboleteantes  imagens concêntricas

o vestido azul do corpete liIás do verde tão tenra de sua saia das mãos rosas do amarelo  a cadência  do  ocre  vermelho  revelado   em  sobressalto   do  sonho adormecido  gradualmente esparso gota a gota imobilizado  no giz suspenso em ondas dosando a mistura em signos convencionados traçando o caminho aberto ao aroma desprendido  sobre a borda de sentinela  (uma gatinha tendo na boca um canário salta de um galho a outro e a neve começa a cair) lençol dobrado em diagonal festonado de cravos e de íris cabana do Pai Tomás coberta de luas e talhadas de melancia pássaro de algas Tristão e Isolda de gesso cadeia de rosas e palmeira cheia de figos e de ratos grandes concha relógio de ouro e livro aberto de rasuras roída por enxames de abelhas árvore do berne do mal posta no fogo das licitações

entram as meninas I e II nuas trazendo grandes círios acesos numa das mãos e puxando com a outra uma charrete vazia – a menina IV rompe em lágrimas e dança como uma louca até cair no chão rindo e fazendo suas roupas em farrapos

MENINA IV -gordura fervente caída das estrelas inundando com seus caroços de cereja os lençóis róseos dos campos de violeta grelhando suas plumas nos gelos do sol dormindo a sesta  asas despregadas sobre a cortina de plumas estendidas ajur mordendo de pés juntos a isca

Bom  prato  de  tripas  bem  quentes  risos  em  todos  os  andares  vinho transbordando das ânforas grande pão branco buquê de abelhas cheio de rosas enxame de mãos mordiscando a echarpe de seda bordada de carícias e à ponta da agua a gota de sangue torcendo sua chama

vestido com grandes poás limão verde amêndoa negra e amaranto alegria atirada aos gansos e fio a  prumo torcido em sarças  orlas da palmeira dobrada cuidadosamente aos golpes do machado tão duramente batidas pelos lábios das bandeiroIas dependuradas nas lanças atravessando as gazes mais o azul derramado em ondas tão mesquinhamente mostrando bico e dentes à chaga rosa e  festão  dourado  glória   aos  diminutivos perfumes  verde quadriculado a resposta voltando as costas ao sol serrado em suas garras a imensidade da mágoa derramada escondendo a janela com suas mãos de lama

MENINAI – dentes serrados em tomo do punho do pescoço da águia o chicote

de sua plumagem engancha-se a cada pétala as carícias mais inesperadas e as violentas reflexões inconciliáveis  com os arcos da ponte derretendo-se em lágrimas suas cavalgadas procissões e imprevisíveis sugestões aos inumeráveis atributos tão obscuramente postos em

evidência – eis aqui a nota três pacotes de linha branca de costura e de cerzir em ponto morto a catastrófica imagem revelada pelo ácido a cada marcha o joelho iluminando o caminho de esfoladuras

MENINA ll – a bela fritada de cadoz o prato de nhoque doce pissaladeira voz clara do linho estendido batendo os dentes postos em oferenda ao sol poente à sombra sob o plátano

MENINA I – a talhada de melão grelha sua fome polar ao clarão da lua

MENINA ll – Ieite de amêndoas doces passas figos alface ouro fundido azeitos pretas cachos de risos as mãos e verde suco de estrelas nascentes trombetas de prata empapando os pés abeira do lago

vaso de  argila transbordando milagres  batido  por  enxames de  abelhas inabordável escada destacada da casa em fogo semeando o prado com grandes punhados de sal

MENINA IV – gostaria de ter um vestido de seda de ouro violeta bordado de prata costurado de pérolas de jasmins de filhos da Virgem bordada de ramos de mimosas  de heliotrópios  de narcisos  de cravos de espigas  de milho e minha cabeça rodeada de chamas ver entre as sarças grandes papoulas e os mares de sargaços dos pregos de cravos densos plantados sobre as algas rosas exsudando as vagas de baba das rosas azul celeste sobre as palavras pirogravadas  sobre o ouro  dos  mármores  cobrindo  as asas do  alambrado envolvendo  o ninho  da serpentes

MENINA II – negro  festim linho fino estendido  a secar ensopado de lágrima sobre o leito desfeito riscado a cada suspiro pelas persianas

MENINA IV  – mentira  posta  às  claras  em  plena  ebulição sobre  a  mão arrancada  ao  destino  bordada  de  signos  arquitetura   líquida  do  palácio de maravilhas  postas a boiar  sobre  a nuvem  cristalizada  raspando  o campo  de violetas lambendo a chama

MENINA II- violenta  tempestade  figurada  pelo  buquê  posto  ao abrigo  das chuvas   de compotas  por trás do engradado  posto sobre a pia cobrindo o ouro das  bordas com a dobras  rasgadas  de seu casaco  violeta  mãos  estendidas  às doçuras dos signos convencionados

MENINA IV – fossa comum aberta aos festins dos  jogos de endereços dos grafitis  desfolhando  precipitadamente  o  lago  adormecido  em  sobressalto  de Ofélias

MENINA I – parto negro da ondas de orquídeas apontando seus jogos de azar para as telha fixadasnos linhos rasgados jogando os cotovelos  grande besteira feita o número que ganha aureola de serpentinas a cabeça

golpeando a fronte contra as lajes do templo subitamente refletido no olho cego do lago estendido de negro agarrando com as unhas minuciosamente a cifra MENINA IV -silêncio posto a ferros camisa de foça ângulo torcido restos de comida coagulados de esmeraldas da garganta aberta da pomba

(*Ouve-se a voz da menina III gritando – é isto é isto é isto é isto…)

o unguento das asas abertas do cavalo arrastando a charrua rói a chaga a vivo e raspa a mordida  feita no vestido por gotas de sol cantando seus broncos sapos na sombra oferecida

MENINA III ao Ionge– é isto…

Iança vibrante pregada no meio do céu estendido de veludos verde maça rosa

do babado de orla rasgada as franjas nos picantes das amoras

MENINA II –  grande canteiro  branco em bolas de algodão  sedas asas malvas talos de grama azul-reais dos idílicos picantes de creme batido azul das rendas

achamaloteadas cor de cera do braço pendido sobre  o vazio à  janela  cortada sobre  o céu espalhado  em campo  de aveia  sobre a mantilha  negra  dos fios a prumo cruzando  suas ripas  de madeira  pintadas  de verde de cromo rangendo seus  ávidos  e  faustosos  desejos  nas  jarras  dormentes   abafadas   pela  goma arábica dos cantos alcalinos  do concreto  encadeado  apanhado  na armadilha das luas arrastadas do assalto pelos tratos de terra arrancados aos cantos tardios dos rouxinóis

MENINA IV –  a carga das asas trazendo a aba do pichel suspenso  ao horário do dedo mínimo

MENINA II- baile de máscaras mordiscando em silêncio sobre a ardósia

MENINA IV – cavalo furioso cheio de ameixas trançado de pássaros a flauta ao Ionge fazendo das suas sobre a fatia de melão aclarando a rampa do buquê de jasmins batendo duro como o ferro a grandes golpes de chicote de braço comprido encurtado a doce e terna imagem

MENINA IV – hoje dezessete de maio de mil novecentos e quarenta e oito nosso pai tomou seu primeiro banho e ontem belo Domingo foi ver em Nîmes uma  corrida  de  touros com  alguns  amigos  comeu  um  prato  de  arroz  à espanhola e bebeu provadores de vinho na enologia

MENINA ll – o amor estende suas lavas sobre os  fogos despertados nos quadrantes solares o arco flutua sobre as rodas de chamas o óleo que

corre em ondas sobre a tempestade a barca bate asas sobre o tambor enegrecido pelas lágrimas

uma tromba de cinzas acumula alga em torno de picantes arrancados aos azuis chamuscados das trombetas infestando a rendas atiradas sobre as moitas descobertas as respostas e correm a cada esmola as ruborizadas esperança dos caules partidos em longas folhas aos mastros torcidos grunhindo seus sorrisos levantados do desenho pintado no vestido e as mãos juntas coladas aos galhos quebradas da barca fogo perdido mordendo a página branca pregada verde amêndoa doce do limoeiro lavando a borda da fita transbordando da mesa de madeira branca pintada de ocre a cada degrau chicoteada pelo grão de arroz do sol nascente a pata contra o muro calcinado cheio de revelações.

MENINA IV – oráculo enganchado às infelicidades exsudando suas trops de camaleões nos barrotes da tempestade torcendo as asas sobre o chão enfeitado de Ianças afundando sobre a presa

MENINA II- azul rosa e malva e limão da grande tigela de leite agitada de manhã à janela

MENINA IV – a boca abrindo os cílios a escada de corda abrindo caminho às

cotoveladas sobre a pedra do tanque da cozinha saltos de cabra árias da música adquirida as liras do metal dos rebanhos dos aromáticos arabescos fixados ganchos e unhas sobre o tecido de pó branco lambendo a jarra pesada constelação de respostas todas as cortinas erguidas aos refrãos dissolvida no creme derramado nas urtigas atirada em grandes punhados de sal da cabeleira emaranhada de grande plantio de favas pintado em grandes azeitonas pretas sobre a ardósia

MENINA ll – espelho

MENINA IV – silêncio desvestido das multidões de lâmpadas de prata ardentes iluminando-o qual dia de seus golpes de leque a dança que cai sobre a flor que se afoga retalha seus risos no côncavo da mão desatando a fivela de sua sandália.

MENINA ll – o riso faz seu ninho a grama canta a terra grita suas olhadelas e arrasta suas barcarolas para as habilidosas festividades votivas untando as vagas com suas palmas.

o pano cai por uns instantes – mudança de cenário – a cena esta pintada de branco cortina de fundo bastidores gambiarras estilo cobertos com todas as letras do alfabeto e números em grandes caracteres pintados de todas as cores  também o chão do palco esta pintado da mesma maneira – ao centro uma cama em que as três meninas I-II-IV estão deitadas – enormes cães alados vagueiam na cena em volta da cama

AS MENINAS na cama cantando ­

ah ah ah ah ah o amor

ah ah ah ah ah a morte

ah ah ah ah ah a vida

ah ah ah ah ah rir riremos nós rir rirei vós a morte o amor a vida rirei vós o amor rirei vós a vida  rirei vós a morte ride que eu ria  que a vida a morte o amor e vós e a morte a vida e o amor riam ride conosco riamos convosco o amor a morte a morte a vida a vida ao amor a vida a morte a vida a morte o amor toda a vida

Saltam as meninas da cama nua estendem no chão um grande lago azul

rodeado de flores e nele se banham – do meio do lago sai a menina III nua também os cabelos cobertos de flores e envolta de flores no pescoço nos punhos nos tornozelos na cintura dança no meio segurando a boneca num braço e puxando a cabra pela trela – os cães alados voam ­ repórteres fotógrafos entram em tropel e fotografam a cena de todos os Iados

Cai o pano

 

Fim do 4°ato

 

5°ATO

 

cena – o mesmo pomar – as quatro meninas com vestidinhos de cores vivas – a bola de fogo de um sol enorme ao explodindo rola sobre a cena o grande lago que as meninas estenderam no fim do 4°ato em cujas águas enormes íbis mergulham as palas e pescam peixinhos e rãs

as meninas cantam brincando de roda – não iremos mais ao bosque

derrubaram os loureiros…

gritando

MENINA I- Jeannette venha cá

MENINA II – Jeannette

MENINA III – Jeannette

MENINA IV – Jeannette

MENINA II- Jeannette

MENINA III – Jeannette

MENINA IV – Jeannette aqui está lá está a carta

põem-se a ler a carta em voz alta

– minhas delicias minhas couves meus nabos minhas couves-nabos minhas ervilhas minhas cotovias eu lhes escrevo daqui a mil léguas de qualquer sinal percebido e de todo e equívoco esclarecimento varrendo as vaga das velas batendo com força nas persianas

a filha do funileiro deu à luz esta noite no albergue a alegria resplandecente de

ser mãe de um gordo neném rechonchudo revelado pela placa  grande revelação incrível aparência jubilosa descoberta que os ângulos abertos das asas brancas das pombas arrastaram de uma boa sopa a outra em tornos dos arco-íris quebradas sobre o mármore.

O pai e a mãe estão passando bem e os anjos só chegarão bem mais tarde.

Esperamos também seu tio com a pequena cadela e as grandes despesas virão depois quando as rosas terão feito seus buquês e a partida indecente será pregada sem tambores nem trombetas e todos os fogos acesos sob a grelha do fomo posto a nu por tantos buques oferecidos as ninfas que são vocês em holocausto e se lhes faço rir tanto pior esta noite fará mais claro e amanhã o ranger de dentes de seu gordo gato poderá cantar matinas e vésperas sobre as costas todas suas velhas e corteses civilidades e suas oferendas à Virgem – e seu tio souber que lhes escrevi ficarei coberto de chagas feridas desde a nuca aos tornozelos e creio que será tudo como aperitivo boa noite beijos eu lhes desejo minhas pequenas lentilhas seu humilde servidor e seu muito temo e devotada serva não tendo o ar de esquecer as escondidas todo meu velho mofo em toda parte grande pacote de excrementos do prato cheio até as bordas incarnadas de minha reverência

MENINA I – grande vagabunda imenso cagalhão porcaria bem traçada.

MENINA II – quarto de peidar

MENINA III – velha marmelada de esgotos monte de excrementos

MENINA IV – torta dourada de merda

MENINA III – o machado furta-cor das flores do buquê do feixe de anêmonas diluído no azul das chamas e a delicada atenção prestada à máscara careteira da cesta de laranjas amarram na forca a corda da lira batendo as asas na gaiola

MENINA IV – boca a boca o relógio grita suas babas sobre o aço contido na taça das mãos voantes que batem nos vidros das janelas a vela de alteia enfeixando o vestido Iança ao granito as flores sangrentas com feridas evidentes

MENINA III – seu vestido lantejoulado de gritos tocando o clarim no centro da

laguna em fogo cortando em dois o espelho da arena enterrada sob as rendas

MENINA III – o vácuo solta suas garras e morde a todo pano diante da imagem

MENINA I -o silêncio se estira sobre a bola de sabão do sonho enterrado nas acrobacias despejadas das palmas açoitadas duramente até o sangue

MENINA II- a luz move no centro da echarpe os jogos suas orações suas coroas de espinhos

MENINA I – em grandes colheradas a paisagem repintada sobre a ardósia chacoalha suas pulgas a cada ponto do equinócio com frias doura aninhadas em arvoredos de mármores das sereias o pouco de azul queimado em feixe de aveia em chuva de encantações e risos rasgados e jogos de graças

MENINA Ill – boca negra do sol repleta de cinza

MENINA I- odor apavorante de uma cheia pratada de estrelas fritas na panela MENINA II – grandes sapos engolidores de bois tabula do Pai Tomás e da Virgem Maria domadora de pulgas o arquiteto que fez suas necessidades tirando a escada com ambas as mãos

MENINA I – janela aberta para o branco imaculado da página marcada ao centro com o mel de abelhas da palavra riso

MENINA IV – Ieite de jasmins

MENlNA II- unguento de nardos

MENINA I -licor de cravos

MENINA Ill – grossa risca de giz barrando a estrada

MENINA I – a sopa vazia se abre em guirlandas de umbigos e a festa recomeça algas festões e jatos de alcova doces traços tirados à noite do cora o do lago de pé sobre pernas de pau batendo asas a colcha da cama grifando com grossos traços de tinta a folhagem de Ieite morno

MENINA II – a sombra do limoeiro cava seu ninho na ponta do punhal enfiado até o coração no ácido escondido sob o campo de medusas do acordar

MENINA  I – sombra morna pendida da bora bebida na fonte

MENINA II- salga de anchovas das largas estradas da lembrança cortada em picadinho sobre o mármore coberto de grafites de tantas auroras abandonadas ao telefone das tacheias de cegos rouxinóis

MENINA IV-dedos leves da noite cantando gota a gota seus colares de orvalho

MENINA I- e cravada em cada estrela a harpa de cada folha tirada do vestido nadando nas dobras dos carrosséis iluminados por fogos extintos como de dia

MENINA II – esmeralda cheia de pimenta-negra gota de cera fervente caída no olho espantado da noite

MENINA IV- grande pérola do oriente apanhada pela tarântula

MENINA I- circunferência aberta ao riso

MENINA II- alegria  louca dos leques erguendo voo de pombas sobre o azul

da bochecha

MENlNA I – abrindo o silencio da talhada de melancia gelando a hora arrancada moribunda das unhas bicos e garras do azul acidulado riscando os traços de pena do balcão de caniços fixado em bandeirolas  à música saltando de pés juntos sobre a cama posta nos bastidores

MENINA II  (mergulhando no lago e cantando) – silêncio de rosa silêncio de

melão silêncio de alteia silêncio de carvão rosa de silêncio rosa de melão rosa

de silêncio de carvão de rosa de rosa de rosa de rosa e branca papoula  e a casa a mosca sobre a manga verde de seu vestido malva de grandes bolas  limão chapéu de andorinha sapatos de sapo cinturão de cobra belo amarílis peras figos e pêssegos laranjas limões ar fresco das montanhas e grande monte de velhos babacas e ora pro nobis que lhes dizem alo e lhes mostram o rabo

 

grandes porcos e porcas e seus porquinhos todos alados  enchem o lago – as meninas dançam e cantam em coro a canção que a menina II cantou a princípio sozinha – dois ou três vezes

imobilidade – grande silêncio

Pano – Fim do 5° ato.

6° ATO

na horta

sob uma grande mesa as quatro meninas sobre a mesa um enorme buquê de

flores e frutas num prato – alguns copos e uma jarra – pão  e uma faca uma enorme serpente se enrola numa das pernas da mesa e sobe para comer as frutas morde as flores o pão e bebe na jarra

AS QUATRO MENINAS lendo um livro -“a vida de vida à vida de vida tão vida a vida pela vida de vida tão vida de vida a vida a morte à morte tão morte à morte de vida a morte tão vida tão morte a vida a morte para a vida de vida aromática escada fincada nas ondas do azul em quadrados luminosos em corbelhas aveia louca colorário opalino acidulado em chamalotes e guirlandas aos suaves impasses dos festões luminosos e pontilhados olhares músicos revistos tão atualmente revelados aos rasgões – orgasmos de asas metodicamente dissolvidas em bailes e procissões unguentos e cavalgadas – a porta aberta do esquecimento batendo contra o céu seus charcos fétidos – a barra do vestido rasgado limpando os vidros besuntando o monte de revela contidas na taça quebrada rompendo o aroma em frágil castelo de cartas os punhos fechados arranhando o vidro do espelho – simulacro justificado pela enorme soma a pagar da qual eis aqui um detalhe o vestido todo de desejos festonados de ouro e de jasmins todo de pérolas cintura de amarílis costurada com fios de diamantes branca aIface gota a gota regada de estrelas grande buquê de fogos no Pont-Neuf à noite pelas 11 horas do dia 14 de julho mandíbula serrada  com os ferrolhos do lagarto preso pela doçura das asas balbuciantes da borboleta noturna convulsionando os braços no creme da noite diluída no mármore fervente cantando de todo comprimento sua litania à passagem da isca grande monte de cebolas de berinjelas de pimentas de melões e de figos timo rosmaninho robalo rascassos enguias alho vestido de lua com grandes pés de esmeralda vestido branco de nuvens vestido de azul vestido feito de grandes troncos de árvores nogueiras carvalho mogno pau-de-ferro ébano tocador de castanholas pau-rosa e limoeiro pé de alcaçuz e pé de panamá limpo para lavar”

MENINA II:- a rosa do cravo ri com todos os dentes da história ela escuta e já refletiu sobre as consequências finais dos fios trançados tão finamente para fazer a tela e tábua rasa de toda ira contida nas tão longamente esperadas auroras

MENINA I- tudo se acende meu vestido de fogos de São Joao rabisca em minhas mãos seus horóscopos e dá de beber suas espadas aos rebanhos de cabras que parem na grama molhada

(um verdadeiro balé de formigas aladas enche de alto a baixo a cena disputando a rainha em fantásticos torneios)

MENINA IV- carvão ardente alga em flor de lis ondas de sangue músico de pesados riachos pendidos dos fios elétricos em escamas

MENINA IV- mão arrancada da face caindo a pique em flor de acanto ao Iongo do braço mergulhando por inteiro seu lote de sarças de Ianças de alabastro as caricaturais harmônicas quebraduras da aparente ferida feita de improviso pelo branco lilás untando na ponta do caule a singular aparição bebida até a lia no coração do mármore escondido atrás da máscara pintada cor da carne

 

as quatro meninas apanham  a serpente e servindo-se dela como se fosse uma grande foice dão grandes golpes no ar sobre as formigas volantes e as abatem por trás da horta passam alguns rapazes tocando acordeon e cantando  “o vinhozinho branco que se toma sob a pérgola” entre grandes risalhadas a noite cai – estrelas – a lua – todos os astros – grilos – rãs – sapos ­ algumas cigarras –rouxinóis – vaga-lumes – um intenso perfume de jasmim enche a sala e ouve-se ao Ionge o latido de um cão – depois – toda a horta se aclara cada folha é uma chama de vela – cada flor um lampião de sua cor cada fruta uma tocha e as fitas dos ramos das árvores são de luzes de diferentes chamas – as estrelas cadentes tombam do céu em arpões e fincam suas pontas no chão que se abrem em rosáceas e em taças de fogo – as quatro meninas brincam de pular carniça e riem riem e cantam

purê de batatas purê de lentilhas purê feijão purê de favas e purê de cebola

viva o creme o creme de castanhas o molho de vinagre a maça agridoce a couve ao creme éclair de chocolate torta de mirabela gengibre bananas melão figos e pêssegos damascos e passas

(deitam-se no chão e adormecem) árvores flores frutos por toda a parte o sangue corre de fazer poças e inunda a cena empurrando a terra e formando um canteiro quatro grandes folha brancas envolvem as quatro meninas por transparência e ao virarem aparecerão sucessivamente escritas em cada uma das folhas MENINA I-MENINA II-MENINA Ill-MENINA IV

escuridão completa

em seguida a luza cena – (enchendo-a totalmente)  interior de um cubo inteiramente pintado de branco no meio ao chão um copo cheio de vinho tinto

 

Pano

Fim do 6°ato.

FIM.

Sexta-feira, 13 de agosto de 1948 em Vallauris