Algumas palavras sobre “NOT I” – Maycon Benedito
Algumas palavras sobre “NOT I”
Maycon Benedito*
Um encadeamento de palavras, vômitos, fluxos, velocidades…a boca se abre… as palavras transbordam como notas numa improvisação jazzística… Bebop escrito. A racionalidade não impera aqui, ou melhor, a razão aqui não está serviço do sentido. O sentido aqui é o estranhamento, é o incomodo, é o impacto da palavra que soa através do ar, mas não consegue comunicar ou quem sabe comunica algo que nós não queremos entender. De novo, o sentido não está pronto, entregue numa bandeja: Á – G – U – A formam, como nos ensinou aquela moça da escola, a palavra água, mas esta, aqui, não corresponde ao líquido gerador da vida, as palavras são aqui contestadoras, rebeldes, anárquica. Organizadas contra o sentido, contra um corpo organizado. Gestação no útero bucal de Corpo sem órgãos a partir da língua, dos dentes, do vermelho terrível do batom . Uma guerra. Primeira, segunda…a bomba…a de Hiroshima e todas as outras… inclusive, e, principalmente, as pequenas bombas cotidianas… silêncio… que vida seria possível neste momento? O que poderia ser dito? Em qual língua? Segundo qual gramática? a norma culta ou a coloquial? Tanto faz…. O que poderia ser compartilhado? Afeto. Talvez daí algo possa ser registrado…sintonizado. Como quanto tentamos encontrar uma estação de rádio, mas não conseguimos fixar o ponto o correto, onde o som é claro e definido, mas, ainda assim, algo daquilo que buscamos consegue penetrar os ruídos, a bagunça, o caos e chegar até nós, aos nossos ouvidos, aos nossos olhos, aos nossos sexos… a essa aglomeração de órgãos que organizados sob o comando de um outro órgão chamamos de “eu”. Eu obediente, eu bom moço, eu bom aluno, eu bom cristão, eu bom cidadão, mas a boca beckettiana, já esgotada, rebela-se e afirma “Eu não”.
*Pós-Critica de Maycon Benedito, aluno do Curso de Artes Cênicas da UFSC