FAST FOOD – FAST LOVE OU O AMOR SE DÁ ATRAVÉS DO ESTÔMAGO (Cenas sobre a fome e o amor) – Bernhard Studlar. Tradução de Paulo Ricardo Berton
Fast Food – Fast Love ou o amor se dá através do estômago
(Cenas sobre a fome e o amor)
Bernhard Studlar*
Tradução de Paulo Ricardo Berton**
- A Conta, por favor
A: Aqui, o seu pedido.
B: Eu pedi o número 6.
A: Ah. (Pausa) O número 6?
B: Sim. Eu pedi o número 6.
A: Mas…
B: Eu…
A: Não vai dar.
B: Eu também quero comer…
A: Me desculpe.
B: Isto aqui.
A: Isto é frango.
B: Isto aqui?
A: Sim, é o número 4.
B: 4?
A: 4 é frango.
B: E o 6?
A: 6 é carne humana.
B: O que?!
A: Não é nada. Brincadeira. 6 é carne.
B: Ah. Eu já tava achando…
A: Pois é. As piadas são o tempero da vida.
B: É verdade. E peixe?
A: O peixe é o número 5.
B: O 5 é peixe?
A: Sim.
B: Bom. Então nesse caso…
A: Mas o de peixe já acabou.
B: Pena. Peixe é saudável. Não é?
A: Sim. Mas nem todos. Tofu? Tofu é o número 1.
B: (Faz um som de repulsa.)
A: Quem sabe o número 2? Vegetariano?
B: Eu não sei.
A: Tá, frango então?
B: Isso é frango? (Apontando pro prato)
A: É.
B: Tá bom. Vou ficar com esse.
A: Tá. Bom apetite.
B: Obrigado.
A: (se afastando) Nossa.
Pausa. B examina o seu prato. Pega um garfo, leva a comida à boca, espera por um instante, leva o garfo ao nariz, cheira.
B: Ei!
A: Um momentinho. Já vou. Pronto. Pois não?
B: Tem amendoim aqui dentro?
A: Amendoim?
B: É.
A: Como assim amendoim? Não. Não leva amendoim.
B: Não leva. Ok.
A: Só tem frango com legumes.
B: É que eu tenho alergia.
A: De amendoim?
B: Sim. Na verdade, de todas as nozes.
A: Ah.
B: Tudo bem.
A: Então tá. Coragem.
B: Obrigado.
A: Coragem pra comer o frango.
B: Obrigado.
A: Bom apetite.
Pausa.
B: Com licença?
A: Siiiim?
B: Me desculpa.
A: Uhum?
B: Não dá pra comer isso aqui.
A: Mas por que que não?!
B: Tá frio.
- Alternativas
A: Eu tô com fome.
B: Então fuma um.
A: Mas é com fome que eu tô.
B: Hum.
Pausa.
A: Merda.
B: Que que foi?
A: Tudo.
B: Então come alguma coisa.
Pausa.
A: Sim.
B: Sim o quê?
A: Eu já tô comendo alguma coisa.
B: Que bom. Come. Mas come logo, porque se tu tá realmente com fome, nesse caso…
A: Nesse caso o quê?
B: Tu é sempre tão mal-humorado.
A: Tá, e tu?
B: Não vou comer mais nada.
A: Idiota.
B: Viu, foi o que eu disse.
A: O que?
B: Um baita mal-humorado.
A: Tá e daí?
B: Esquece. Come o que tu quiser.
A: Hum.
B: Esquece.
A: Mesmo assim vai te fuder.
B: Cai fora.
Pausa.
A começa a comer.
A: Delícia. (Mastiga)
Pausa.
A: Que delícia. (Mastiga). Quer provar?
B: Me deixa em paz.
A: Mas tá bom mesmo.
B: Prefiro fumar.
A: Ah.
Pausa.
A come. B fuma.
De repente se trocam a comida e o cigarro.
Agora B come e A fuma.
Depois de algum tempo o jogo se repete.
A come e B fuma.
Depois de algum tempo o jogo se repete, até acabarem a comida e o cigarro.
A e B se olham, rindo.
Ao final, se beijam.
- (Intermezzo)
A: Aqui ó, eu fiz isso especialmente pra ti.
B: Obrigado.
- Economia & Empatia
B: O mundo me ama.
A: Com certeza.
B: Assim é o mundo.
A: Às vezes. Sim.
B: Ele ama a mim e a ti. E a todo mundo que a gente conhece.
A: Sorte que é só tu que eu conheço.
B: Como assim?
A: Claro, senão não ia sobrar muito pra nós. O problema são as outras pessoas, e não o mundo.
Pausa.
A: E quando a gente já tiver cheio um do outro?
B: …
A: E aí?
B: …
A: Ei! Tô falando contigo.
B: Agora não posso.
A: Nós dois estamos na mesma cozinha por um simples acaso. Ou não?
B: …
A: Ou não?
B: Eu mandei tatuar o teu nome na minha carne. Já esqueceu?
- Passando a perna
A: Bife, laranja, açúcar, farinha. Mais nada?
B: Ainda falta alguma coisa?
A: Não.
B: Então tá. Lembra de mais alguma coisa?
A: Cebola, alho, hortelã, vinho branco.
B: Ah. Tá bom.
A: Be-rin-je-la.
B: Tááá.
A: To-ma-te.
B: Certo.
A: Sementes de açafrão. Cantarela.
B: Hum.
A: Queijo Pecorino, Fernet Branca, carne de porco Mangalitsa e polenta, sardinhas portuguesas, mel de abelha com lavanda, asinha de frango selecionada, dip de chili e guacamole, torta de framboesa com chocolate, ovo frito e creme de espinafre…
B: Para!
A: Que que foi?!
B: Tá me dando dor de barriga.
- (Intermezzo)
A: Aqui ó, eu fiz isso especialmente pra ti.
B: Obrigado.
- Consulta
A: Certa vez quando eu fiquei doente, B me fez uma sopa.
B: Foi. Exatamente. Certa vez quando eu fiquei doente, A…
A: Sim. Essa sopa foi a melhor sopa que eu já…
B: Foi a melhor sopa de toda a minha vida.
A: Foi. Eu tava nas últimas.
B: Mas essa sopa.
A: Mas essa sopa me salvou.
B: Foi. Essa é a palavra mais certa: salvou.
A: B tomou essa sopa junto comigo.
B: A gente se sentou um de frente pro outro e tomamos a sopa.
A: Em silêncio.
B: Em silêncio.
A: Apenas os nossos olhares e a sopa.
B: A sopa e os nossos olhares. A e eu.
A: Eu e B.
B: E eu pressenti que a partir daquele momento tudo ia ficar bem.
A: Tava tudo se encaminhando pra isso.
B: Eu pressenti que de colher em colher…
A: De colher em colher.
B: Ia ficar bem.
A: Sempre melhor.
B: Eu e…
A: Eu e nós dois.
Pausa.
B: Foi tão rápido.
A: Foi. Só precisou de um prato de sopa.
B: A gente tava apaixonado. Os dois.
A: Só precisou de um prato de sopa.
B: O resto.
A: O resto.
A & B: O resto a gente despejou na pia.
FIM
*Dramaturgo austríaco. Nascido em 1972.
** Professor do Curso de Artes Cênicas e da Pós-Graduação em Literatura da UFSC.