AMIRI BARAKA – Tradução e apresentação de Luci Collin
AMIRI BARAKA
(1934-2014)
Tradução e apresentação de Luci Collin*
Poeta, dramaturgo, ensaísta, crítico musical, professor, editor e ativista político, Amiri Baraka (Everett Leroi Jones) nasceu em 1934, em Newark, New Jersey. Frequentou diversas universidades, graduando-se pela Columbia University; também passou alguns anos na U.S. Air Force. Ao longo de sua produção literária, Baraka recebeu várias influências e sua obra pode ser dividida em períodos distintos: na década de 1950, esteve associado aos poetas da geração Beat; mudando-se para o Harlem nos anos 60, tornou-se militante do Nacionalismo Negro; na década seguinte, identificando-se com a ideologia Marxista, esteve envolvido em movimentos para a libertação do Terceiro Mundo.
Com uma escrita incisiva e polêmica, Baraka sempre colocou seus leitores em confronto com um forte conteúdo de crítica social, sobretudo ao denunciar a segregação sofrida pelos afrodescendentes nos EUA. Marcados pela cadência do blues, os poemas de Amiri Baraka, que misturam ironia, crítica sardônica, alusões a eventos históricos da pos-modernidade e temas de caráter sócio-político, criam uma atmosfera de grande impacto emocional. Pelo conteúdo radical e violento de seus escritos, Baraka foi visto pela crítica como alguém que queria denunciar a opressão por meio de um incitamento ao ódio. Controvérsias à parte, ele permanece entre os mais importantes nomes da literatura norteamericana contemporânea, deixando um legado de décadas como líder cultural e político que influenciou enormemente as novas gerações de escritores. Baraka morreu de diabetes em 09 janeiro de 2014.
leroy
I wanted to know my mother when she sat
looking sad across the campus in the late 20’s
into the future of the soul, there were black angels
straining above her head, carrying life from our ancesters,
and knowledge, and the strong nigger feeling. She sat
(in that photo in the yearbook I showed Vashti) getting into
new blues, from the old ones, the trips and passions
showered on her by her own. Hypnotizing me, from so far
ago, from that vantage of knowledge passed on to her passed on
to me and all the other black people of our time.
When I die, the consciousness I carry I will to
black people. May they pick me apart and take the
useful parts, the sweet meat of my feelings. And leave
the bitter bullshit rotten white parts
alone.
leroy
Queria ter visto minha mãe sentada
o olhar triste pelo campo nos idos dos anos 20
a sondar o futuro da alma, havia anjos negros
cantando sobre sua cabeça, trazendo vida dos nossos ancestrais,
e conhecimento, e o forte sentimento negro. Sentada
(naquela foto do anuário que mostrei a Vashti) ela penetrou
em novos blues, vindos dos antigos, passos e paixões que ela mesma
fez recair sobre si. Me hipnotizando, desde muito
tempo, daquele conhecimento superior transmitido a ela transmitido a
mim e a todos os outros negros da nossa época.
Quando eu morrer, a consciência que carrego legarei
às pessoas negras. Que elas possam me repartir em pedaços e levar as
partes úteis, os caramelos dos meus sentimentos. E deixar
a asneira amarga e podre das partes brancas
de lado.
Incident
He came back and shot. He shot him. When he came
back, he shot, and he fell, stumbling, past the
shadow wood, down, shot, dying, dead, to full halt.
At the bottom, bleeding, shot dead. He died then, there
after the fall, the speeding bullet, tore his face
and blood sprayed fine over the killer and the grey light.
Pictures of the dead man, are everywhere. And his spirit
sucks up the light. But he died in darkness darker than
his soul and everything tumbled blindly with him dying
down the stairs.
We have no word
on the killer, except he came back, from somewhere
to do what he did. And shot only once into his victim’s
stare, and left him quickly when the blood ran out. We know
the killer was skillful, quick, and silent, and that the victim
probably knew him. Other than that, aside from the caked sourness
of the dead man’s expression, and the cool surprise in the fixture
of his hands and fingers, we know nothing.
Incidente
Ele voltou e atirou. Atirou nele. Quando
voltou, ele disparou, e ele caiu, cambaleando, no negror
da mata, caído, furado, morrendo, morto, até a pausa total.
No chão, sangrando, abatido. Ele morreu então, ali
depois da queda, a bala veloz rasgou a cara dele
e o sangue esguichou em cheio no assassino e na luz cinza.
Tem foto do morto em tudo que é canto. E seu espírito
sorve a luz. Mas ele morreu numa escuridão mais escura que
sua alma e tudo desabou cegamente com ele morrendo
escada abaixo.
Nenhuma notícia se tem
sobre o assassino, exceto que voltou, de algum lugar
pra fazer o que fez. E deu um único tiro na vítima
atônita, e a deixou depressa quando o sangue verteu. Sabemos
que o assassino foi hábil, ligeiro e discreto e que a vítima,
é provável, o conhecia. Fora isso, tirando o amargor concreto
da expressão do morto e a fria surpresa na rigidez
daqueles dedos e mãos, não sabemos mais nada.
A Poem Some People Will Have to Understand
Dull unwashed windows of eyes
and buildings of industry. What
industry do I practice? A slick
colored boy, 12 miles from his
home. I practice no industry.
I am no longer a credit
to my race. I read a little,
scratch against silence slow spring
afternoons.
I thought, before, some years ago
that I’d come to the end of my life.
Watercolor ego. Without the preciseness
a violent man could propose.
But the wheel, and the wheels,
won’t let us alone. All the fantasy
and justice, and dry charcoal winters
All the pitifully intelligent citizens
I’ve forced myself to love.
We have awaited the coming of a natural
phenomenon. Mystics and romantics, knowledgeable
workers
of the land.
But none has come.
(Repeat)
but none has come.
Will the machinegunners please step forward?
Poema que alguns terão que entender
Sujas e opacas janelas dos olhos
e edifícios de esforço. Que
esforço faço eu? Um menino
preto e esperto, a 3 quilômetros da sua
casa. Não faço nenhum esforço.
Já não sou motivo de orgulho
pra minha raça. Leio um pouco,
trabalho contra o silêncio lentas tardes
de primavera.
Pensei, antes, alguns anos atrás
que chegaria ao fim da minha vida.
Ego de aquarela. Sem a exatidão
que um homem violento poderia oferecer.
Mas a sorte, e as sortes,
Não nos abandonarão. Toda a fantasia
e justiça, e invernos de carvão seco
Todos os cidadãos lamentavelmente inteligentes
Que me forcei a amar.
Esperávamos a vinda de um fenômeno
natural. Místicos e românticos, versados
trabalhadores
da terra.
Mas nenhum veio.
(Repita)
mas nenhum veio.
Metralhadores, por favor, podem dar um passo à frente?
Notes for a Speech
African blues
does not know me. Their steps, in sands
of their own
land. A country
in black & white, newspapers
blown down pavements
of the world. Does
not feel
what I am.
Strength
in the dream, an oblique
suckling of nerve, the wind
throws up sand, eyes
are something locked in
hate, of hate, of hate, to
walk abroad, they conduct
their deaths apart
from my own. Those
heads, I call
my “people.”
(And who are they. People. To concern
myself, ugly man. Who
you, to concern
the white flat stomachs
of maidens, inside houses
dying. Black. Peeled moon
light on my fingers
move under
her clothes. Where
is her husband. Black
words throw up sand
to eyes, fingers of
their private dead. Whose
soul, eyes, in sand. My color
is not theirs. Lighter, white man
talk. They shy away. My own
dead souls, my, so called
people. Africa
is a foreign place. You are
as any other sad man here
american.
Notas para um discurso
O blues africano
não me conhece. Seus passos, em areias
de seu próprio
solo. Um país
em preto & branco, jornais
lançados nas calçadas
do mundo. Não
sentem
o que eu sou.
Resistência
no sonho, um oblíquo
sugar do vigor, o vento
levanta areia, os olhos
estão algo fechados no
ódio, do ódio, do ódio, para
perambularem, eles conduzem
suas mortes em separado
da minha. Aquelas
cabeças, que chamo de
meu “povo”.
(E quem são. Povo. Pra interessar
a mim, homem feio. Quem é
você, para se preocupar com
os estômagos lisos e vazios
das donzelas, morrendo
dentro das casas. Negras. Luar despido
sobre os movimentos
dos meus dedos por baixo
das roupas dela. Cadê
seu marido. Negras
palavras jogam areia
nos olhos, dedos de
seus mortos particulares. Cujas
almas, olhos, na areia. Minha cor
não é a deles. Mais clara, papo de
branco. Eles recuam assustados. Minhas próprias
almas mortas, meu, assim chamado,
povo. A África
é o estrangeiro. Você é
como qualquer outro infeliz aqui
Preface to a twenty volume suicide note
Lately, I’ve become accustomed to the way
The ground opens up and envelopes me
Each time I go out to walk the dog.
Or the broad edged silly music the wind
Makes when I run for a bus…
Things have come to that.
And now, each night I count the stars.
And each night I get the same number.
And when they will not come to be counted,
I count the holes they leave.
Nobody sings anymore.
And then last night I tiptoed up
To my daughter’s room and heard her
Talking to someone, and when I opened
The door, there was no one there…
Only she on her knees, peeking into
Her own clasped hands
Prefácio a uma nota de suicídio em vinte volumes
Ultimamente, me acostumei com o jeito que
O chão se abre e me engolfa
Toda vez que saio pra passear com o cachorro.
Ou com a música tosca e cortante que o vento
Faz quando corro pra pegar o ônibus…
As coisas chegaram a esse ponto.
E agora, toda noite conto as estrelas.
E toda noite chego ao mesmo número.
E quando não aparecerem para ser contadas,
Conto os buracos que elas deixam.
Já não se canta mais.
E então ontem à noite subi pé ante pé
Até o quarto da minha filha e a ouvi
Falando com alguém e quando abri
A porta, não tinha ninguém lá…
Só ela de joelhos, olhando para
Suas mãos em prece
“Preface to a Twenty Volume Suicide Note” e “Notes for a speech”, do livro Preface to a Twenty Volume Suicide Note. New York: Totem Press, Cotith Books, 1961.
“Incident” e “A poem some people will have to understand”, do livro Black Magic – Collected poetry: 1961-1967. Indianapolis: The Bobbs-Merrill Company, 1969.
“Leroy”, poema de 1969, republicado em 100 best African American Poems Illinois: Sourcebooks, 2010.
* Poeta, tradutora, professora da UFPR.