A Bunda e seus envolventes – João Henrique Fidelis Fernandes

A Bunda e seus envolventes

João Henrique Fidelis Fernandes*

 

O corpo humano é composto por diversos órgãos, ossos, músculos, cartilagens, entre outros pormenores. Ele pode ser dividido de diversas maneiras. Uma parte do ser humano é a Bunda. Para aqueles não a conhecem, basta realizar uma rápida pesquisa online. Nela você vai descobrir que bunda é um termo utilizado também para a definição de uma capa de pele de carneiro utilizada na Hungria e Romênia, o nome de um distrito na Tanzânia, o sobrenome de um político do Hawaii e de uma âncora do canal de noticias CNN, o apelido de uma estrela da constelação de Aquarius, além de claro, significar nádegas.

A palavra Bunda chegou ao Brasil com os negros oriundos de Angola, na África. Mas hoje, depois de várias pesquisas, pode-se confirmar que Bunda veio do idioma Kimbundu, também conhecido por outros nomes (Que também acabam em bundu). O dicionário Aurélio da Língua Portuguesa traz Bunda como nádegas. Já o dicionário de Kimbundu-Português traz Mbunda como traseiro, nádegas e saracoteio. Diz o dicionário de Kimbundu que o “N” e o “M” antes de consoantes têm somente a função de tornar mais nasais estas consoantes. Essa palavra era inicialmente usada para definir nádegas femininas e bonitas na verdade, era um adjetivo elogioso.

As nádegas, como são conhecidas anatomicamente, segundo a Wikipédia podem ser descritas como:

“as duas partes carnudas e globulares que formam a parte posterior da virilha, ou, parte dorsal da frente do tronco do corpo humano. Também chamada popularmente de traseirobundabumbum ou mesmo pelo nome dos músculos que as compõem, os glúteos, além de outros nomes populares e gírias. As nádegas, portanto, são constituídas por músculos responsáveis por movimentos das pernas, notadamente pelo movimento circular do fêmur. Nelas fica localizada, nas mulheres, a gordura utilizada na formação do feto.”

Tratados por alguns como a parte mais subversiva da anatomia humana, a bunda, além da função biológica propriamente dita, tem também uma função secundária, de cunho sexual, como zona erógena, cujo poder de atração é notado desde as mais antigas esculturas da pré-história. Essas partes do corpo também foram destacadas em ídolos religiosos como representação de fertilidade. Atualmente, esse poder de atração é utilizado na publicidade de produtos em diversos meios de comunicação.

A marginalização da bunda e a pudorização da nudez, no ocidente, tem origens europeias. Há poucos pudores, ou melhor expressando, sem regras de recato e intimidade corporal, em tribos indígenas e africanas, não há problema se a mulher mostrar o peito e o homem quase toda a nádega, muito comum nessas culturas.

Então, não é de se espantar que na performance art, em que normalmente há um cunho mais provocativo, artistas exponham a bunda ou a completa nudez humana. Glusberg comenta que:

“A arte da performance, que emerge como um gênero artístico independente a partir do inicio dos anos setenta.[…] utilizavam a performance como um meio de provocação e desafio, as sua ruidosa batalha para romper com a arte tradicional e impor novas formas de arte.”

Muitas vezes, a nudez é irrelevante, não sendo o foco da obra. No entanto em manifestações é comum utilizar deste artifício para protestar, visto que as coisas consideradas proibidas chamam atenção e causam alvoroço em uma plateia desacostumada com a nudez alheia.

Caroline Pochon, que escreve “Hidden Side of the Bottom”, em tradução literal “O lado oculto da bunda”, em parceria com Allan Rothschild, comenta em uma entrevista online ao site UOL ser “um gesto muito político mostrar a bunda em manifestações, sempre acontece.” Partindo desse ponto, podemos citar, como exemplo os ciclistas que andam pelados de bicicletas para chamar atenção das pessoas e conscientiza-las sobre assuntos do meio ambiente.

 

O livro de Pochon e Rothschild também virou documentário na televisão francesa e nele afirma que: “Quando falamos das nádegas, falamos de nós mesmos”. Até mesmo o filósofo Jean-Paul Sartre já dizia sobre o assunto: “A pátria, a honra, a liberdade, nada existe: o universo gira em torno de um par de nádegas”.

Essa sensação de proibido e de pecado proveniente da bunda tem alguma relação com a igreja católica, já que o sexo é considerado algo impuro pela mesma. O corpo humano, no entanto, por mais complexo que seja, não deixa de ser em sua definição mais básica somente um conjunto de átomos. O momento que a plateia passa a visualizar mais esses átomos do que o pudor é o quando a nudez na performance ou em qualquer outro tipo de obra deixa de ser provocativa.

Por fim, deixo um exemplo da bunda como tema de uma obra, um poema de Carlos Drumond de Andrade:

A Bunda, que Engraçada

A bunda, que engraçada.
Está sempre sorrindo, nunca é trágica
Não lhe importa o que vai
pela frente do corpo. A bunda basta-se.
Existe algo mais? Talvez os seios.
Ora – murmura a bunda – esses garotos
ainda lhes falta muito que estudar.
A bunda são duas luas gêmeas
em rotundo meneio. Anda por si
na cadência mimosa, no milagre
de ser duas em uma, plenamente.
A bunda se diverte
por conta própria. E ama.
Na cama agita-se. Montanhas
avolumam-se, descem. Ondas batendo
numa praia infinita.
Lá vai sorrindo a bunda. Vai feliz
na carícia de ser e balançar.
Esferas harmoniosas sobre o caos.
A bunda é a bunda,
redunda

 

* Aluno do curso de artes cênicas da UFSC.