“O PEQUENO PRÍNCIPE”, na adaptação de Mark Osborne – Bruno Brandão Daniel

“O PEQUENO PRÍNCIPE”, na adaptação de Mark Osborne

Bruno Brandão Daniel*

“O PEQUENO PRÍNCIPE”, adaptação de Mark Osborne

“O PEQUENO PRÍNCIPE”, adaptação de Mark Osborne

O filme “O Pequeno Príncipe” vem a integrar a extensa lista de obras literárias adaptadas para o cinema, que tornaram-se grandes blockbusters, tais como J.K. Rowling (leia-se toda a saga Harry Potter) e Veronica Roth (a série Insurgente).

Transpor uma obra literária para as telas pode ser uma tarefa titânica, digna de alguns dos trabalhos de Hércules. Não referimos aqui à ambientação das histórias mais complexas, criação de personagens ou explosões cataclíticas – desafios solucionados pelos efeitos produzidos em computador, ou CGI1, como dizem os especialistas. Como pano de fundo, obviamente, em virtude da tecnologia de ponta, encontram-se as polpudas verbas oferecidas por estúdios e seus patrocinadores. O desafio maior – que ainda não pode ser resolvido por CGI – vai desde a concepção do roteiro, passando pela atuação do elenco até, obviamente à reação do público, passando por grande parte dos aficionados pela obra. Sim, estes se lembrarão de cada suspiro do personagem no livro e o procurarão em cada minuto do filme.

Há casos em que vemos o autor do livro trabalhando diretamente com a equipe do filme, incluindo roteiristas, figurinistas e cenógrafos. Alguns vão ainda além e fazem uma participação especial nos filmes, tais comoStephen King, Stephenie Meyers,  Charles Bukowski em Barfly, e mais recentemente John Green em A Culpa das Estrelas, embora cortado na versão final2.

Porém esta tendência de ver na grande tela sua obra favorita não é de hoje e não cessará em alguns anos, pois vemos que cada vez mais o cinema de apelo comercial depende de super-heróis da infância de alguma geral, de obras de ontem e de hoje, de tramas que atraiam o público.

Desta forma, por tratar-se de uma adaptação indireta, o espectador encontrará um pouco mais que o livro, fato que pode dividir opiniões, mas há um consolo, ou melhor, vários.

Pelo lado clássico, logo no início o filme “O Pequeno Príncipe” presenteia os fãs com reproduções fidedignas da história, numa estética incrivelmente contemporânea e simples. A técnica utilizada é a animação em stop-motion (movimento parado, em tradução literal) que utiliza uma sequência de quadros que, após serem interpostos, dão a ideia de movimento. Tal técnica foi introduzida pelo francês Georges Méliès3, um dos percursores do cinema e dos efeitos especiais. Entretanto, o stop-motion de hoje é bem mais tecnológico, porém não é menos belo. As cenas foram feitas utilizando-se papel e argila, com uma riqueza de detalhes, cores, uma beleza sem igual, fazendo com que cada sulco do material conseguisse abrigar as diferentes feições e expressões dos personagens. Um dos responsáveis por este trabalho é Jamie Caliri4, conhecido internacionalmente pelo premiado comercial que fez para a United Airlines intitulado “Dragons”. Esta nova linguagem gráfica utilizada na história deu origem a um lançamento na França, em junho deste ano, de uma nova edição5 de “O Pequeno Príncipe”, na qual as famosas aquarelas do autor deram lugar a esta maravilha gráfica do século XXI, sem perder a ternura, a poesia e a pureza da história.

Pelo lado da adaptação da obra de Saint-Exupéry, temos o roteiro escrito por Irena Brignull e Bob Persichetti, sob direção de Mark Osborne, co-diretor da animação Kung Fu Panda, indicada ao prêmio Oscar e produzida  pelo estúdio Dreamworks. Desta vez a produção ficou a cargo da On Animation Studios, sendo parte realizada em Paris e outra em Montreal.

A história do principezinho chega aos olhos de uma estudiosa garotinha e seu quadro repleto de tarefas – este lembra uma complexa planilha de computador – para que ela estude durante o verão e consiga entrar na Academia Werth. Sua vida é em tons monocromáticos, sua casa e seu bairro são dispostos em linhas bem definidas, formas quadradas e retangulares, que mais lembram o desenho da Staatliches-Bauhaus, a famosa instituição de design e arquitetura de vanguarda alemã, de Walter Gropius6. É seu vizinho, um senhor já de idade, que possui uma vida bem diferente da dela e, obviamente, uma casa bem mais alegre, quem apresenta-lhe a história. Ele, um alegre e espontâneo ex-aviador, faz com que ela repense seus conceitos, suas prioridades, ou seja, ele começa a colorir sua vida com as cores do clássico de Exupéry. Neste ponto, o espectador começa a viajar também na versão stop-motion, que consegue, pela linguagem, distanciar-se da criada em CGI.  O filme vai alternando entre o deslumbre da garota em conhecer a história e sua resistência à tirania da mãe, que regula todas as suas atividades.

Neste ponto, o que pode levar o espectador mais ansioso a decepcionar-se é que a realidade da menina distancia um pouco do clássico. Aprendidas as lições sobre ver com o coração, ser eternamente responsável pelo que cativa e afins, conseguimos notar a tristeza em seu olhar, a ausência do pai e de amigos, até a chegada do vizinho, com quem vive lindas aventuras. Desta forma, o drama da garotinha é tão contemporâneo e previsível que chega a ser banal, não tendo sido criada uma história ao nível mítico ou encantador de Exupéry. Além disso, a narrativa da parte da menina é demasiado longa, embora devamos dar aos roteiristas crédito por terem conseguido incorporar – com sucesso e verossimilhança – elementos do clássico nos  personagens que ela encontra na cidade, cinza e triste, com adultos cabisbaixos e viciados em trabalho.

De fato e conforme os criadores e as técnicas de animação, há dois filmes: uma obra em stop-motion que retrata os pontos escolhidos pelo diretor e outra da menina pressionada pela mãe, que tem contato com uma história famosa e que dela consegue tirar importantes lições para sua vida. Neste ponto, o filme vai mais além e nos surpreende (positiva ou negativamente, depende de cada um) quando a garotinha encontra um tal Sr. Príncipe, versão mais velha daquele menino do cabelo dourado que veio do asteroide B 612.

Para consolar o espectador fã do clássico, é bom lembrarmos que se trata somente de uma interpretação da obra aos olhos de Mark Osborne e sua equipe. Cada um tem sua própria história com o Pequeno Príncipe e há como revivê-la no filme, justamente nas páginas do livro levadas à tela na nova linguagem visual, que adornadas pela sensível trilha sonora de Hans Zimmer e Richard Harvey, podem ser consideradas uma obra-prima, tal como a de Exupéry.

 

[1] MASSON, Terrence. CG 101: A Computer Graphics Industry Reference. Digital Fauxtography Inc., 2007. 2nd edition.

 

[2]  CONRADT, Stacy. 25 movie cameos by the authors of the original books

Disponível em http://mentalfloss.com/article/56564/25-movie-cameos-authors-original-books

 

[3] HARRYHAUSEN, Ray & DALTON, Tony. A Century of Stop-Motion Animation: From Méliès to Aardman. USA: Watson-Guptill Publications, 2008.

 

[4] Dossier de Presse – Film Le Petit Prince

Disponível em: http://www.festival-cannes.com/assets/Image/Direct/d60ea084396cc3bedaaf216acc92f398.pdf

 

[5] SAINT-EXUPÉRY, Antoine. Le Petit Prince. Collection Albums Gallimard Jeunesse. Paris : Gallimard Jeunesse, 2015.

 

[6] GOMBRICH, E. H. A História da Arte. Tradução de Álvaro Cabral. 16.ed. Rio de Janeiro : LTC, 1999, p.560.

 

*Mestrando do progranma de Pós-Graduação em Estudos da Tradução (UFSC)