Dores, Dúvidas, Delícias — Lorenzo Lombardi

Dores, Dúvidas, Delícias

Lorenzo Lombardi*

Laurence Olivier, em “Hamlet”

O que há do ator dentro do personagem, o que há do personagem dentro do ator?

Dedico-me à arte dramática há pouco tempo, e ainda menor parece este período – cinco anos – diante do que dizem no meio teatral, de que “são necessários 10 anos para um ator se formar ator”.  Dessa forma, ainda um leigo, conquanto um batalhador, tenho dúvidas, questionamentos e angústias as mais diversas tangentes à arte de interpretar.

Havendo passado por alguns diretores e professores, uma questão frequente a eles dirigida tem sido aquela que encabeça este texto. Ainda que aplicada de formas diferentes, o cerne da questão tem sido o mesmo: o quê, de nossas próprias inquietações, deve vir à tona ao criar um personagem? Quanto de nossa bagagem pessoal, de nossa própria partitura de dor e amor, deve fazer parte da construção da persona que vai pra cena?

Fiz a pergunta um sem número de vezes. A resposta, não a obtive. Começo a achar que não virá de alguém que não eu mesmo. Por ser metódico busco o método, a fórmula. Para isso não há fórmula, não deve haver.

Muitos teóricos elaboraram teorias sobre este assunto, umas contradizem as outras, não há conclusão, não deve haver. O próprio mestre Stanislávski, ao introduzir a teoria da memória emotiva, ensina que o ator deve valer-se do que carrega de bagagem emocional para atingir determinadas emoções ao atuar, contudo, mais pra frente, percebe que um preenchimento físico, uma participação do corpo, é fundamental para chegar-se ao resultado proposto pela cena, rubrica ou pelo diretor; a partir disso introduz o método das ações físicas. Com essa analogia procuro apontar que a constante dúvida assola também aos mestres e que, no decorrer de suas carreiras e estudos acabam surgindo diferentes reflexões e, por consequência disso, diferentes possibilidades em cena e um diferente discernimento de si próprio

No dia 29 de junho de 2012 apresentamos a cena intitulada “Peixe Sente Dor (?) , (!)”, resultado da união das disciplinas Direção Teatral II e Cena Audiovisual, do curso de Artes Cênicas da UFSC, e como não poderia deixar de ser, me deparei com o mesmo questionamento de sempre. O bonito é que, com o tempo, com a prática – ainda que parca – começo a discernir, a desenhar (ou melhor, rascunhar) uma resposta. Sem seguir um determinado teórico ou mestre, não obstante por eles influenciado, começo a me entender como ator, a trazer para mim mesmo uma resposta que, de mais a mais, é absolutamente pessoal.

A cena trata de um homem e sua crise existencial. Numa linguagem expressionista, simbólica, inumana, este homem expressa toda sua dor eminentemente humana. Trata-se de um peixeiro que, em cena, limpa peixes e, ao limpá-los, exprime sua insatisfação, dor, dúvida, inquietação e, finalmente, as expurga. A cena se vale ao mesmo tempo de elementos realistas, naturalistas até – afinal trata-se de um peixeiro que limpa efetivamente um peixe em cena e que aborda questões acima de tudo humanas, que invadem a todos nós – de uma interpretação expressionista repleta de signos e símbolos que pretendem levar o público a olhar para dentro de si próprio, e fazer as pessoas presentes questionarem suas próprias crises. Como tentar atingir algo dessa monta sem perscrutar as próprias mazelas?

Até que ponto minhas próprias dores ali estavam, até que ponto a catarse foi a minha própria? A riqueza de fazer teatro é que você passa a poder parar de teorizar e a sentir na pele, e passa a poder dizer… sim. Muitas daquelas dores são minhas sim. Muitas daquelas angústias, desgostos e comiserações, muitos daqueles questionamentos me movem como pessoa sim. Daí o caráter – a meu ver autotransformador – do teatro, a possibilidade de conhecer-se, entender-se e melhorar como pessoa.

Continuo na lida na qual busco conhecer-me como pessoa e como artista, entretanto, cada passo dado, cada pequena chacoalhada que dou nas pessoas me fazem mais forte. Cada pequena chacoalhada que dou em mim me faz mais forte, pra perseverar nesse sonho de ser um artista inteiro, um instrumento dessa arte que me permite conhecê-la aos poucos, o Teatro.

* Professor de língua inglesa, aluno do curso de artes cênicas da UFSC.