LIVE BY REQUEST – Luci Collin

LIVE BY REQUEST*

Luci Collin**

 

Você

perguntou O que é que eu faço, eu disse: Quase nada, às vezes escrevo. Escrevo sobre esquecimentos, sobre traços numa caverna, sobre um monte de palha e seu perfume, sobre os dois lados da ponte eu tento escrever sobre andorinhas. Quase sempre é ingrato quase sempre é divertido.

 

 

Nikki

dizia que imitava a vida que é um conto cigano sem medo de ser maldição. O cenário de papel se move com o vento, eu atravesso os espelhos – as molduras saíram de férias portanto estar aqui é infinito e raso e completamente.

 

 

Eu

respiro com cuidado pra nunca atrapalhar os relógio que aliás eu bendigo como bendigo as margaridas e os lençóis engomados e o cheiro da manhã que entra eu o aroma de estarmos tão perto aqui. Pensei vagamente sobre quanto o corpo de Nikki pra mim é o corpo de Nikki e o meu juntos pensei intensamente. Agora eu perpetuo a cultura dos segredos, dos ruídos deliberados, o que existe único eu quis seguramente registrar ter. Nem sempre consigo, foi o que eu disse.

 

 

Nikki

argumentava que a vida se multiplica e que não há diferenças entre a sedução do passado e o café da xícara porque a vida é um vídeo, é uma imagem incessante, aquela conversa inaudível no bar no fim da noite e as lembranças são imediatas e definitivas. Que dedo aponta para alguma solução para algum produto? Tudo acontecerá tudo acontece, não se discute sobre o espetáculo que se passa nas camas raras do mundo.

 

 

Eu

respiro limitações que se combinam se amplificam se regeneram os impossíveis – um quarto de hotel frio e aborrecido onde no corredor os talheres barulhentos e os pires que se chocam indicam que o que há de novo é uma manhã. Saudade é quase hectare. Eu que me elaboro numa pergunta eu que me surpreendo em: Como é que o ontem se transmuta em cores imediatas em irreversíveis em cenas que a mão nunca mais alcança? É apenas um ensaio. Eu me levanto. É apenas o inesperado que tem um gosto de mim.

 

 

Nikki

teledistante dizia que o sorriso é o máximo recurso da luz. A câmera lenta escava desapropria desenterra e eu vejo seu rosto sem foco o meu olhar respira lento. O real, o que é? Eu preciso da volta do espetáculo, eu preciso do mágico, eu preciso das mãos fazendo o único voltar, realizando contornos, estabelecendo que agora é sopro. Entra vento por aquela fresta entra um pedaço incômodo da vida. A vida era ser assim tão só?

 

 

Deixa-me por favor dizer essa fala, reproduzir o que era a vida tentar ser cronista. Deixa-me performar aquela primeira estrofe onde eu era a figura divertida que entendia as larvas os tubérculos os orifícios e a visão do alto da montanha. Deixa-me ser a primeira estrofe de cor. Deixa-me anunciar a entrada dos músicos no palco com um simples som.

Porque

os dois lados que são sempre são muitos. Os lábios num beijo.

Os olhos no mesmo olhar.

 

* O texto faz parte do livro “A peça intocada” (Arte &Letras), 2017.

**Escritora, tradurora e profesora da UFPR.