Quando o corvo de Poe encontra as bruxas de Cascaes – Jussie Sedrez Chaves
Quando o corvo de Poe encontra as bruxas de Cascaes
Jussie Sedrez Chaves
Contrastando com as sombras presentes nas escolhas linguísticas de Poe, o dicionário ilhéu e a linguagem fonética utilizada no texto de Morais lançam luz e cor sobre The Raven. Embora as bruxas de pedra de Itaguaçu, na capital catarinense, emprestem certo assombro de seu folclore à tradução de Morais, falta ao texto o suspense construído por Poe em toda a sua obra. Entretanto, há que se reconhecer o ritmo presente, transposto com sucesso do original. Em muito ajudado pela língua falada, o escrito no dialeto catarina ficou sonoro, flui fácil aos olhos e ouvidos
Morais busca referência no The Raven de Poe, exercita sua criticidade e criatividade, mas quando se propõe a traduzir acaba mais recriando, coloca-se mais como um autor do que como tradutor. Não é sempre assim? Especialmente quando se fala em poesia, no esforço de traduzir se cria, e numa leitura mais atenta e profunda se encontra o que deve ser indissociável, o elo que manterá os textos conectados. A relação com a referência permanece viva aqui em muito pelo ritmo, mesmo que no caso um não seja tão soturno quanto o outro.
É, por exemplo, mas não só, quando “bust of Pallas” vira “istatula da Nóssinhóra de Aparecida” e a “Lenore” vira “Leninha” que o texto se ilumina e ganha cor. Na intenção de traduzir Poe, Morais chega no limite com a intertextualidade, em seu O Corvo (diga-se de passagem a tradução purista do título rivaliza com a sotaque presente no restante do texto) ele une três autores – Poe, Cascaes e a si mesmo – em torno de uma temática lúgubre que pelo artifício da localização ganhou contornos jocosos.
Em suma, Poe e Cascaes são catalisadores para o texto de Morais, ao mesmo tempo em que propulsionam a criatividade deste último não são consumidos ao final do processo. O resultado é um encontro profícuo da cultura ilhéu com o romantismo norte americano promovido com sucesso pelo tradutor, dando origem a um texto que faz jus ao autor estadunidense e homenageia o folclore insular, uma recriação interessante tanto para quem gosta de Edgar Allan Poe quanto para quem aprecia Franklin Cascaes.
*Mestrando do Programa de Pós-graduação em Estudos da Tradução (UFSC).