Carta de Sully Prudhomme à Sr. Albert-Emile Sorel – Tradução de Rodrigo Conçole Lage

Carta de Sully Prudhomme à Sr. Albert-Emile Sorel[1]

 

Tradução de Rodrigo Conçole Lage[2]

Sully Prudhomme

A Lettre à M. Albert-Emile Sorel, de Sully Prudhomme, foi publicada inicialmente no volume póstumo Journal intime: lettres-pensée, de 1922, que está dividido em 4 seções: Journal intime,  Lettres à Madame Amiel, Lettres Philosophiques e Pensée. Ela é a segunda das três cartas filosóficas incluídas nesta edição. Este livro foi parcialmente traduzido no Brasil, para a coleção “Biblioteca dos prêmios Nobel de literatura”, sendo lançado, em 1962, pela editora Delta. A edição brasileira contém o Diário íntimo, a coletânea Pensamentos, traduzidos por Mello Nóbrega, e alguns poemas, traduzidos por diferentes pessoas. Lamentavelmente, este volume foi a única obra do autor publicada em nosso país.

 

Carta à Sr. Albert-Emile Sorel

Paris, novembro de 1893.

 

Aí está você, então, na Filosofia, e muito perturbado, você diz, pelas grandes questões que se agitam na classe de filosofia, pela da união da alma e do corpo, entre outras. Tenho medo de que você se faça infeliz erradamente. Se eu fosse seu professor, eu diria: « Meu filho, eu não tenho a solução dos problemas que lhes proponho; ninguém a conhece, mas já é muito bom levantar estes problemas que o vulgo nem sequer sabe que existe. Eu faço a educação de sua curiosidade em vez de satisfazê-la. Vou dar-lhe, para sentir, os limites da inteligência humana; não me compete fazê-los recuar, mas é útil o seu conhecimento, mesmo que não conheça outra coisa. É mais fácil resignar-se a ignorância quando medimos o alcance limitado dos instrumentos da ciência humana. Não tem de sofrer, portanto, mais por não poder alcançar a verdade suprema do que por não poder pegar uma estrela. »

Como não fazemos ideia do que é a matéria, tampouco o espírito, não devemos dar importância por não saber melhor como eles estão unidos. Talvez até não haja razão para se fazer essa pergunta, pois dizer que duas coisas estão unidas é dizer que elas têm algo em comum que constitui um único conteúdo substancial para ambos. Duas coisas que diferem por seu ser não podem ter nada em comum nem, portanto, estar unidas. A alma e o corpo, seja qual for à ideia que se faça das suas respectivas essências, estão vinculados por um conteúdo substancial comum, visto que eles se comunicam entre si. Mas, o substrato de que são manifestações distintas está situado a uma distância infinita da nossa inteligência. A metafísica só é boa para exercitar a inteligência na sua faculdade de abstrair; o terreno da metafísica é, em suma, o ponto de contato da inteligência com minha causa primeira do universo fenomenal. O contato é todo superficial, porque ele não é conhecer a essência íntima desta coisa por tê-la concebido como necessária, existente por si só e, consequentemente, infinita e absoluta. As condições de existência de uma coisa não revelam o que ela é. O que é que nesta causa é infinito e absoluto? É isso que é importante de conhecer, e é isso que não sabemos. Não é a metafísica, é a religião que oferece uma noção do conteúdo da causa inicial, da sua essência íntima, ensinando-nos que esta causa é infinitamente justa e boa, infinitamente livre, e assim por diante. Está na essência humana que a religião extraia o catálogo dos atributos divinos ao elevar à perfeição os atributos morais do ser humano. A metafísica nada diz sobre a moralidade de seu objeto. Ela só ensina a ontologia mais abstrata, as condições de existência, nada mais. Ela está inteiramente no conceito de necessário…

 

 

Lettre à M. Albert-Emile Sorel

 

Paris, novembre 1893.

Vous voilà donc en Philosophie, et fort troublé, dites-vous, par les grandes questions qui s’agitent dans la classe de philosophie, par celle de l’union de l’âme et du corps, entre autres. J’ai peur que vous ne vous rendiez malheureux bien à tort. Si j’étais votre professeur, je vous dirais : « Mon enfant, je ne possède pas la solution des problèmes que je vous propose; personne ne la connaît, mais c’est déjà beaucoup que de bien poser ces problèmes dont le vulgaire ne soupçonne même pas l’existence. Je fais l’éducation de votre curiosité plutôt que je ne la satisfais. Je vous donne à sentir les bornes de l’intelligence humaine; il ne m’appartient pas de les reculer, mais il est utile de les connaître, lors même qu’on ne connaîtrait pas autre chose. Il est plus facile de se résigner à l’ignorance quand on a mesuré la portée limitée des instruments de la science humaine. On ne souffre dès lors pas plus de ne pouvoir atteindre la vérité suprême que de ne pas pouvoir décrocher une étoile. »

Comme nous ne savons pas ce que c’est que la matière,non plus que l’esprit, nous ne devons pas attacher d’importance à ne pas davantage savoir comment ils sont unis. Peut-être même n’y a-t-il pas lieu de se poser cette question, car dire que deux choses sont unies, c’est dire qu’elles ont quelque chose de commun qui constitue un même fond substantiel à toutes deux. Deux choses qui différeraient par leur être ne sauraient rien avoir de commun, ni par consequente être unies. L’âme et le corps, quelque idée qu’on se fasse de leurs essences respectives, sont liés par um fond substantiel commun, puisqu’ils communiquent entre eux. Mais le substratum dont ils sont des manifestations distinctes est situé à une distance infinie de notre intelligence. La métaphysique n’est bonne qu’à exercer l’intelligence dans sa faculté d’abstraire; le terrain de la métaphysique est, en somme, le point de contact de l’intelligence avec Ma cause première de l’univers phénoménal. Le contact est tout superficiel, car ce n’est pas connaître l’essence intime de cette chose que de l’avoir conçue nécessaire, existant par soi, et par suite infinie et absolue. Les conditions d’existence d’une chose ne révèlent pas ce qu’elle est. Qu’est-ce qui dans cette cause est infini et absolu? Voilà ce qu’il importerait de connaître et voilà ce que nous ne savons pas. Ce n’est pas la métaphysique, c’est la religion qui offre une notion du contenu de la cause initiale, de son essence intime, en nous enseignant que cette cause est infiniment jusie et bonne, infiniment libre, etc. C’est dans l’essence humaine que la religion puise le catalogue des attributs divins, en élevant à la perfection les attributs moraux de l’homme. La métaphysique est muette sur la moralité de son objet. Elle n’en apprend que l’ontologie la plus abstraite, les conditions d’existence, rien de plus. Elle est tout entière dans le concept du nécessaire…

[1] Albert-Émile Sorel, filho do historiador Albert Sorel, nasceu no dia 15 de julho de 1876, tendo 17 anos na época em que recebeu esta carta. Mais tarde se tornou escritor (se bem que ele já havia publicado algumas colaborações literárias em 1883) e foi também bibliotecário da Fundação Thiers.

[2] Graduado em História (UNIFSJ). Especialista em História Militar (UNISUL).