Mas que absurdo, hein? – Telemakos Endler

Mas que absurdo, hein?

Telemakos Endler*

 

“Um dia qualquer” de Julia Spadaccini, retrata o dia de encontro, em um banco de praça de uma cidade grande, de quatro pessoas que não se conhecem e que dali não conseguem sair. Enquanto ali permanecem, conversam trivialidades cotidianas misturada com questionamentos existenciais e de identidade. Cada personagem vai chegando individualmente ao banco, que primeiramente é ocupado pelo advogado que sonha em ser herói, interpretado por Leandro Baumgratz. Depois chega uma professora (Anna Sant’Ana) que acabara de terminar um relacionamento. A cada nova pessoa que chega ao banco, vamos emergindo cada vez mais num mundo fantástico. Chega um ator vestido de palhaço (Rogério Garcia) que está infeliz com seu emprego de animador de festa de criança e por último uma enfermeira (Dida Camero) que não gosta de rotinas e procura sempre novos caminhos. Com a chegada dos dois últimos personagens nos vemos num mundo totalmente fantasioso, porém, que nos reflete a realidade. Com um conceito preconcebido sobre as pessoas e reflexões sobre o que os outros são e sentem, os personagens acabam descobrindo eles mesmo.

No chão em frente ao banco, vemos placas espelhadas fragmentadas que parecem formar um grande mosaico de espelhos. Através da bela iluminação, com a mudança de cores da luz, percebemos a transgressão entre o mundo real e o imaginário, que nos revela os pensamentos dos personagens e deixam claras as contradições e/ou verdades entre o que pensamos e a forma como agimos.

O tempo da comédia e o ritmo do espetáculo, dirigido por Alexandre Mello, funcionam tanto nos pequenos monólogos quanto nos diálogos. Além de provocar várias risadas, a estética do espetáculo é belíssima: luz, figurino e cenário se complementam perfeitamente. 

A pergunta que ficou na minha cabeça foi: “Por que eles permanecem ali?”. Não há motivo lógico e racional que me faça acreditar naquele estado de inércia. Até mesmo a professora pensa sobre o fato de estar ali e questiona o autor como se fosse uma personagem de Pirandelo. Todo este caráter ilógico, em conjunto com o número de personagens e cenário simples, me remete a “Esperando Godot” de Samuel Becket, onde Vladimir e Stragon estão a espera de Godot e o mesmo nunca chega. Durante a peça, chegam mais dois personagens que interagem com eles. E na trama nada acontece, continuam ali esperando do início ao fim, enquanto discutem situações cotidianas e existenciais.

Logo, estamos numa peça que se assemelha às peças do Teatro do Absurdo, que tenta quebrar todos os limites entre teatro e realidade, mostrar como estas realidades se confundem, misturam e refletem mutuamente.

“Um poeta português, Fernando Pessoa, escreveu estes versos admiráveis:

Ninguém a outro ama,

se não que ama o que de si há nele,

ou é suposto.

[…] Nós nos buscamos a nós mesmos nos outros, que se buscam em nós.” (BOAL, 2012: 199)

Diante dos reflexos e ao longo da peça, constroem-se as identidades dos personagens.

“As identidades não são unificadas, muito mais elas são fragmentadas, fraturadas. Uma identidade é multiplamente construída ao longo de discursos, de práticas de posições, que podem se cruzar, se tanger, ou ser até antagônicas. […] são projeções, imagens de sujeito, representações que pertencem ao imaginário.” (PIMENTEL, 2011: 171-172)

Pedaços de fotos, coração partido, fragmentos de placas espelhadas e de memórias, ajudam-nos a refletir sobre o gigantesco mosaico da vida e o motivo da nossa existência, lutando para superar a condição humana e atingir uma nova ordem metafísica, ou seja, transgredirmos nossa identidade.

Referências

BOAL, Augusto. Jogo para atores e não atores. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012.

PIMENTEL, Renata. Copi: transgressão e escrita transformista. Rio de Janeiro: Confraria do Vento, 2011.

*Aluno de artes cênicas da UFSC.