Duas peças curtas de Daniil Kharms

Duas peças curtas de Daniil Kharms

 

O matemático e Andrei Semiónovitch

Daniil Kharms

Tradução : Daniela Moutian

 

Matemático [tirando uma esfera da cabeça]:

Eu tirei uma esfera da cabeça.

Eu tirei uma esfera da cabeça.

Eu tirei uma esfera da cabeça.

Eu tirei uma esfera da cabeça.

 

Andrei Semiónovitch:

Ponha a esfera de volta.

Ponha a esfera de volta.

Ponha a esfera de volta.

Ponha a esfera de volta.

 

Matemático:

Não, não ponho!

Não, não ponho!

Não, não ponho!

Não, não ponho!

 

Andrei Semiónovitch:

Então, não ponha.

Então, não ponha.

Então, não ponha.

 

Matemático:

Pois não ponho!

Pois não ponho!

Pois não ponho!

 

Andrei Semiónovitch:

Então, tá bom.

Então, tá bom.

Então, tá bom.

 

Matemático:

            Pois eu venci!

            Pois eu venci!

            Pois eu venci!

 

Andrei Semiónovitch:

Venceu,  então sossegue!

 

Matemático:

Não, não sossego!

Não, não sossego!

Não, não sossego!

 

Andrei Semiónovitch:

Pode até ser matemático, mas juro, você não é lá tão sabido.

 

Matemático:

Não, sou sabido e sei muito.

Não, sou sabido e sei muito.

Não, sou sabido e sei muito.

 

Andrei Semiónovitch:

 Muito, mas só bobagens.

 

Matemático:

Não, não são bobagens!

Não, não são bobagens!

Não, não são bobagens!

 

Andrei Semiónovitch:

Já cansei de discutir com você!

 

Matemático:

Não, não cansou!

Não, não cansou!

Não, não cansou!

!

 

(Andrei Semiónovitch faz um gesto de  desacoroçoamento com a mão e vai embora. O matemático permanece ali por mais um minuto e depois  sai atrás de Andrei Semiónovitch.)

 

Pano

 

11 de abril de 1933

 

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Os caçadores

 

Daniil Kharms

Tradução : Daniela Moutian

 

 

Seis pessoas foram à caçada, e só quatro voltaram.

 

Duas não voltaram.

 

Oknóv, Kozlóv, Striutchkóv e Motylkóv voltaram para casa em segurança, mas Chirókov

e Kablykóv8 foram mortos na caçada.

 

8 Oknóv: de ókno, janela. Kozlóv: de kozá, cabra. Striutchikóv: de strutchók, vagem, também bando de

animais. Motylkóv: de motyliók, mariposa. Chirókov: de chirókii, largo, amplo. Kablykóv: de kablúk, salto

de sapato.

 

Depois, Oknóv ficou um dia inteiro tristonho e não estava para conversas. Kozlóv ficou

grudado nele, amolando com uma porção de perguntas. Tanto amolou que Oknóv ficou

tremendamente irritado.

 

 

 

KOZLÓV: Quer dar uma fumadinha?

 

OKNÓV: Não.

 

KOZLÓV: Quer que eu pegue aquele negócio ali pra você?

 

OKNÓV: Não.

 

KOZLÓV: Quem sabe quer que eu conte uma piada?

 

OKNÓV: Não.

 

KOZLÓV: Então quer beber? Aqui está o chá com conhaque.

 

OKNÓV: Se a pedrada que acabei de dar na sua nuca não foi o bastante, ainda vou arrancar uma

de suas pernas.

 

STRIUTCHKÓV E MOTYLKÓV: O que estão fazendo? O que estão fazendo?

 

KOZLÓV: Levantem-me do chão.

 

MOTILKOV: Não se preocupe, a ferida sara logo.

 

KOZLÓV: E onde está o Oknóv?

 

OKNÓV (arrancando a perna de Kozlóv): Estou bem aqui!

 

KOZLÓV: Ai, minha Nossa! So-co-rro!

 

STRIUTCHKÓV E MOTYLKÓV: Vai ver que arrancou mesmo a perna dele!

 

OKNÓV: Arranquei mesmo e larguei aí!

 

STRIUTCHKÓV E MOTYLKÓV: Que crueldade!

 

OKNÓV: Quê-ê?

 

STRIUTCHKÓV:…dade…!

 

OKNÓV: Co-o-mo?

 

STRIUTCHKÓV: Na… na… na… nada.

 

 

 

KOZLÓV: Como eu vou pra casa agora?

 

MOLTYLKOV: Não se preocupe, vamos botar uma perna de pau em você.

 

STRIUTCHKÓV: Consegue ficar de pé numa perna só?

 

KOZLÓV: Consigo, mas não muito por muito tempo.

 

STRIUTCHKÓV: Então, vamos carregá-lo.

 

OKNÓV: Deixem, eu pego!

 

STRIUKOV: Ah, não, melhor você se mandar daqui!

 

OKNÓV: Não, deixem!… Deixem!… Dei… – É isso que eu queria fazer!

 

STRIUTCHKÓV E MOTYLKÓV: Que horror!

 

OKNÓV: Quá-quá-quá!

 

MOTYLKÓV: Mas onde se meteu o Kozlóv?

 

STRIUTCHKÓV: Ele rastejou até a moita!

 

MOTYLKÓV: Kozlóv, você está aí?

 

KOZLÓV: Psiu-psiu..!

 

MOTYLKÓV: Veja até que ponto um homem pode chegar!

 

STRIUTCHKÓV: O que fazer com ele?

 

MOTYLKÓV: Não pode fazer nada. Na minha opinião, o melhor é estrangular de vez. Kozlóv! Ei,

Kozlóv? Você está me escutando?

 

KOZLÓV: Escuto, mas não muito bem.

 

MOTYLKÓV: Irmão, não fique aflito. Já, já vamos estrangular você. Fique paradinho!.. Isso…

isso… isso…

 

STRIUTCHKÓV: Um pouquinho mais! Assim, assim, assim mesmo! Vamos, mais um pouco… Agora

sim, pronto!

 

MOTYLKÓV: Pronto!

 

OKNÓV: Que Deus abençoe.

<1933>