COCANHA E PASÁRGADA – Raquel Naveira

                         COCANHA E PASÁRGADA

                   Raquel Naveira*

 

A alma do ser humano anseia por evasão, fuga, êxtase. A arte é uma outra vida, a subjetiva, compensadora das decepções com as quais nos deparamos na realidade brutal. Desejamos uma espécie de volta ao paraíso, buscamos constantemente a felicidade.

Na Idade Média, no século XII, criou-se o mito da Cocanha, um país onde não havia trabalho, o alimento era abundante, lojas ofereciam produtos de graça, as casas eram feitas de doces, o sexo podia ser obtido livremente, o clima era agradável, o vinho não terminava e todos permaneciam jovens para sempre. Vivia-se entre rios de leite, chovia queijo do céu e leitões assados ostentavam uma faca espetada no lombo. Esse delírio foi retratado por um pintor chamado Pieter Bruegel.

Baudelaire no poema “A Vida Anterior” inventou uma situação diferente, cheia de ordem, beleza, luxo, calma, volúpia. Escravos nus o abanariam com palmas tropicais, enquanto ele ficaria deitado numa rede de langor e preguiça. Mas mesmo nesse cenário ideal, sua alma continuava ávida de infinito e guardava a nostalgia de um outro mundo, pois é falso todo sonho de felicidade terrestre.

Quando nos sentimos angustiados, desejosos de libertação, vem aos nossos lábios o grito estapafúrdio do poema de Manuel Bandeira: “_ Vou-me embora pra Pasárgada,/ Lá sou amigo do rei/ Lá tenho a mulher que quero/ Na cama que escolherei.”

Manuel Bandeira viu pela primeira vez esse nome “Pasárgada”, aos dezesseis anos, num autor grego. “Pasárgada” significa “campo dos persas” e suscitou em sua fantasia uma paisagem fabulosa, um país de delícias, o país da Cocanha.

Vinte anos depois, solitário em sua casa da Rua do Curvelo, num momento de dor e desânimo, saltou de seu subconsciente o desabafo: “_ Vou-me embora pra Pasárgada”. Para uma espécie de lugar aprazível, onde ele, que sempre lutara contra a tuberculose, poderia vivenciar os atos comuns da vida como nadar e andar de bicicleta. Pasárgada seria o espaço psicologicamente encantador, livre de obrigações, com possibilidades plenas de manifestações do amor, do erotismo e da volta à infância.

Permanece uma promessa apocalíptica que Deus limpará de nossos olhos toda lágrima e que não haverá mais morte, nem pranto, nem clamor, nem dor, porque já as primeiras coisas terão passado. Mas evocar imagens, ir embora para Pasárgada, buscar os potes de mel da misteriosa Cocanha é querer estar no paraíso aqui e agora, imediatamente. É necessidade de escapar da opressão a qualquer custo.

Tatiana Belinky, nos seus Limeriques da Cocanha, poemas dedicados às crianças, explica que essa vida de deleite levaria fatalmente ao tédio. A essa conclusão chegaram também Baudelaire (“O mal que me faz aos poucos definhar”) e o próprio Bandeira (“Quando estiver mais triste,/ Mas triste de não ter jeito/ Quando de noite me der vontade de me matar…”).

Coacanha, Pasárgada, Paraíso, reforçam a existência de dois mundos: o presente e o imaginário, o que se nega e o que se deseja.

Nesta vida, no entanto, já podemos gozar os bens que Deus nos dá com simplicidade: comer com alegria o pão de nosso trabalho, beber com bom coração o vinho da alegria, vestir roupas claras e limpas, estar ao lado da pessoa amada todos os dias de nossa vaidade. Sim, porque tudo é apenas vaidade debaixo do sol.

 

* Escritora.