Poesia e subjetividade animal – Maria Esther Maciel

Poesia e subjetividade animal*

Maria Esther Maciel* 

“Às vezes eletrizo-me ao ver bicho. Estou agora ouvindo o seu grito ancestral dentro de mim: parece que não sei quem é mais a criatura, se eu ou o bicho. E confundo-me toda.” (Clarice Lispector)

Bicho de bolso, de Lygia Clark, 1966.

            No poema “Um boi vê os homens”, de Claro enigma, Drummond confere voz a um “eu-bovino” que – no exercício de um pensamento fora de lugar, porque inscrito em uma linguagem que não é necessariamente a do animal – rumina seu próprio saber sobre a espécie humana. Numa dicção sem ênfase, mas firme nas conjeturas, esse “eu” lamenta que os humanos, em seu “vazio interior que os torna tão pobres e carecidos de emitir sons absurdos e agônicos”, “sons que se despedaçam e tombam no campo como pedras aflitas”, não sejam capazes de ouvir “nem o canto do ar nem os segredos do feno”. (DRUMMOND, 1979, 266) Em outras palavras, o boi – movido por uma percepção que supostamente ultrapassa as divisas da razão legitimada pela sociedade dos homens – não apenas põe em xeque a capacidade destes de entender outros mundos que não o amparado por essa mesma razão, mas também revela uma visão própria das coisas que existem e compõem o que chamamos de vida.

            Vê-se que a persona bovina de Drummond busca encarnar ou encenar uma subjetividade possível (ainda que inventada), de um ser que, nos confins de si mesmo, é sempre outro em relação ao que julgamos capturar pela força da imaginação. Isso, se considerarmos que todo animal – tomado em sua singularidade, em seu it[1] – sempre escapa às tentativas humanas de apreendê-lo, visto que entre ele e os humanos predomina a ausência de uma linguagem comum, ausência esta que instaura uma distância mútua e uma radical diferença de um em relação ao outro. No entanto, tal distância/diferença não anula necessariamente aquilo que os aproxima e os coloca em relação também de afinidade. Falar sobre um animal ou assumir sua persona não deixa de ser também um gesto de espelhamento, de identificação com ele. Em outras palavras, o exercício da animalidade que nos habita.

            Pode-se dizer que esse esforço de entrar no espaço mais intrínseco da subjetividade animal nunca deixou de desafiar os poetas de todos os tempos e tradições. Seja através da sondagem (por vezes erudita) dos traços constitutivos dos bichos de várias espécies, realidades e irrealidades (como nos bestiários tradicionais), seja através da encenação de um vínculo afetivo com eles, ou da tentativa de antromorfizá-los e convertê-los em metáforas do humano, muitos foram e são os poetas voltados para o exercício do que se nomeia hoje de zoopoética. Ao que se somam ainda aqueles autores que, avessos à idéia de circunscrever os bichos aos limites da mera representação, buscaram flagrá-los também fora desses contornos, optando por uma espécie de compromisso ou de aliança com eles. Neste caso, cada animal – tomado em sua insubstituível singularidade – passa a ser visto como um sujeito dotado de inteligência, sensibilidade, competências e saberes diferenciados sobre o mundo.

             Pode-se dizer que, longe de serem meras restaurações eruditas do gênero, tais bestiários contemporâneos colocam-se também como espaços de reflexão crítica sobre aspectos literários, culturais e políticos dos modelos anteriores.  Além disso, muitos deles não deixam de problematizar, de forma crítica e contundente, este nosso tempo em que as espécies entraram em estado de irremediável extinção, tempo em que reflexões de ordem ética sobre as práticas de assujeitamento e crueldade contra os animais tornam-se, cada vez, mais vivas e prementes no mundo contemporâneo.

            Dentro do vasto repertório de “zoopoetas”, poderiam ser arrolados aqui poetas como o inglês Ted Hughes,  o francês Jacques Roubaud e  o brasileiro Wilson Bueno, dentre outros, que – em afinidade dissonante com Drummond – buscam trazer para a poesia o que Clarice Lispector chamou de “o it dos animais”. Isso porque são poetas cientes de que, mais do que comparar os “mundos humanos” aos “mundos animais”, cabe à poesia explorar a intensa complexidade de cada um deles.

            Derrida, em O animal que logo sou, de 1999, chama a atenção para essa potencialidade da poesia de “passar as fronteiras ou os confins do humano” para chegar ao animal: “ao animal em si, ao animal em mim e ao animal em falta de si mesmo” (DERRIDA, 1999, p. 15).  Nesse sentido é que, para o filósofo, “o pensamento do animal, se pensamento houver, cabe à poesia” (p. 22). Tal suposição (ou tese) traz à luz os equívocos de uma certa filosofia que, sob a égide exclusiva do logos e a partir da relação opositiva entre o humano e o inumano, se empenhou em converter o animal (tomado como conceito genérico) em teorema, em categoria abstrata. Ao reduzir o animal a uma coisa, “uma coisa vista mas que não vê” (Derrida), e negar-lhe a experiência do “Aberto” (como fez Heidegger), essa filosofia – mais especificamente a que se assenta na supremacia da razão – revelaria as próprias limitações do entendimento racional. Em outras palavras, o que esses filósofos julgam saber sobre a alteridade animal é, paradoxalmente, o que os afastam dessa mesma alteridade. Como diz John Berger, no belo texto “Por que olhar os animais?”: “O que sabemos sobre eles é um índice de nosso poder, e assim é um índice que nos separa deles. Quando mais julgamos saber, mais distantes eles ficam.” (BERGER, 1980, 22).

               Talvez por isso é que o escritor sul-africano J.M.Coetzee, sob a pele da personagem Elisabeth Costello, tenha afirmado, no romance-ensaio A vida dos animais, de 1999, que os escritores “ensinam mais do que sabem” (COETZEE, 2002, 63). Para tanto, ele toma como referência o poema de Ted Hughes sobre um jaguar enjaulado e em estado de raivoso desassossego diante dos visitantes de um jardim zoológico. Segundo Coetzee, o jaguar é flagrado pelo olhar de um poeta perplexo, cujo “poder de compreensão é levado além do seu limite” (60). Daí que, ao invés de um poema sobre o jaguar, que busca achar uma idéia no animal, Hughes nos ofereça um poema que nos pede para habitar aquele corpo que se move febrilmente entre as barras da jaula, alheio à realidade da clausura. E se o jaguar de Hughes encontra-se alhures é porque, segundo Coetzee, “sua consciência é mais cinética que abstrata: a força dos músculos o leva a um espaço de natureza muito diferente da caixa tridimensional de Newton” (60). A sensação que temos ao chegar ao final do poema é precisamente o que o último verso diz: “Over the cage floor the horizons come.(HUGHES, 2003, 20) [2] Não à toa as  passadas do animal ultrapassam os próprios limites do poema e se estendem em um outro, escrito dez anos depois, e intitulado “Second glance at a jaguar” [3], no qual Hughes se concentra na descrição das partes do corpo do animal, explorando, por dentro, os detalhes de sua constituição física: as costelas, os músculos, as juntas dos joelhos, o dentro e o fora de suas mandíbulas, os dentes do fundo, os movimentos que conferem a esse corpo uma pulsação, uma realidade viva.

            De fato, são muitos os poemas de Hughes que, pela força da cinestesia (entendida como “sentido da percepção de movimento, peso, resistência e posição dos corpos”), exploram a subjetividade animal a partir de um pacto com ela. O poeta a encarna por um processo que não é propriamente o da imitação e da metáfora, mas que está na ordem da aliança, da comunicação transversal entre indivíduos inteiramente diferentes. Seria mais ou menos o que Clarice Lispector descreveu ao falar do quão terrível é segurar um passarinho na concha da mão meio fechada: “é como se tivesse os instantes trêmulos na mão” (LISPECTOR, 1980, 51). Como escrever esse tremor, fazê-lo vibrar na pele das palavras, senão deixando-se possuir pelo passarinho que estremece, metamorfoseando-se momentaneamente nele?

            Nos poemas de Hughes, podemos ouvir os guinchos agudos e sentir as contorções de um rato capturado em uma ratoeira, como se o bicho tomasse posse de nosso corpo; somos também assaltados pelo torpor e pelos passos cambaleantes de um potro que acaba de nascer e, com os olhos ainda turvos diante do escuro, se pergunta: Isso é o mundo?; podemos ainda sentir nos músculos o peso insuportável de um porco “too dead”, “morto demais” para nos inspirar pena; ou nos arrepiar com a viscosidade fria e lenta de um caramujo que escala uma flor.

             Não há como não mencionar aqui a afinidade dissonante do jaguar enjaulado de Hughes com a famosa pantera de Rainer Maria Rilke[4], ambos animais ferozes confinados em zoológicos, como peças de uma exposição. A diferença é que enquanto a fera de Rilke faz da jaula sua condição e seu limite, o jaguar ignora a barras da clausura, permanece em  estado de deslocamento. Pode-se dizer que, onde o movimento da fera rilkeana esmorece, o da fera hugheana começa. Para uma, “há apenas grades para olhar”; para a outra, “não há jaula”, mas “vastidões de liberdade”. Nesse sentido, temos dois tipos de olhar, afins mas distintos ao mesmo tempo. Ambos tomam a jaula como um espaço artificial, de ambiente ilusório, mas se um capta na relação do animal com esse espaço o torpor,  o outro vê no confronto fera/espaço o exercício de uma tensão hiperativa. A pantera de Rilke, movida por uma “tensa paz dos músculos”, se abstrai aos olhos do poeta, sai do próprio corpo para se transformar num vulto, inscrevendo-se ainda como metáfora do homem enjaulado em si mesmo e em estado de resignação diante das “grades da terra”. O jaguar de Hughes é sangüíneo, corporal, desmetaforizado. Daí que, segundo a personagem Costello, de Coetzee, afirme que “Hugues escreve contra Rilke”, uma vez que não busca encontrar uma idéia no animal, mas tenta colocar-se como este, entrar no seu corpo, que é a sua única realidade.[5]

            Algo similar, mas distinto (uma vez que o cinético dá lugar ao sinestésico) se passa nos poemas em prosa de Wilson Bueno, reunidos no livro Manual de zoofilia. Tomando, por vias transversas, a assertiva de Deleuze e Guattari de que “todo animal é antes um bando, uma matilha” (DELEUZE e GUATTARI, 1997, 20), e ao mesmo tempo afirmando, paradoxalmente, a individualidade de cada bicho, Bueno descreve o estado de abandono de um lobo excluído de seu grupo. Cito um fragmento:

Há o desamparo recurvo do lobo se o líder da alcatéia o expulsa, além-matilha. É um animal quebrado sem o seu bando. Não se fie contudo em seus caninos. Moram neles, nos lobos, os acidentes da fome e os do pânico. (BUENO, 1997, 35)

            O escritor, aí, parece colocar-se na “hora do mundo” desse lobo desgarrado, e compor com ele uma imagem. Mas mesmo sem a força cinética dos bichos de Hughes, que – como vimos – se manifesta através de ondas de excitação e de velocidades, o animal de Bueno concentra, em seu “desamparo curvo”, uma energia em pânico, pronta para se revigorar a qualquer momento nos caninos da fera. Dessa forma, Bueno não deixa de explorar poeticamente, como faz Hugues de maneira ostensiva, a inquietante complexidade da existência animal e dos saberes que a acompanham.

            Montaigne já chamava a atenção para essa complexidade ao mostrar que os bichos, dotados de variadas faculdades, “fazem coisas que ultrapassam de muito aquilo de que somos capazes, coisas que não conseguimos imitar e que nossa imaginação não nos permite sequer conceber” (MONTAIGNE, 1980, 118). Interessante que tais considerações só muito recentemente encontraram amparo científico graças, sobretudo, às descobertas da etologia contemporânea. Dominique Lestel, em As origens animais da cultura, aponta a extraordinária diversidade de comportamentos e competências dos bichos, que vão da habilidade estética até formas elaboradas de comunicação. No que se refere à habilidade das aves na construção de ninhos, por exemplo, o estudioso lembra que para fazê-los, “as aves tecem, colam, sobrepõem, entrecruzam, empilham, escavam, enlaçam, enrolam, assentam, cosem e atapetam”, valendo-se não apenas de folhas e ramos, como também de “musgo, erva, terra, excrementos, saliva, pêlos, filamentos de teias de aranha, fibras de algodão, pedaços de lã, ramos espinhosos e sementes” (LESTEL, 2002, 59), cuidadosamente separados e combinados. Já no que tange à comunicação, ele explica que uma ave canora dos pântanos europeus “revela-se capaz de imitar setenta e oito outras espécies de aves” (108), que a vocalização de certos animais apresenta distinções individuais ou regionais, e que os gritos de um sagüi podem obedecer a uma semântica bastante precisa. Para não mencionar o rico repertório de silvos dos golfinhos, que inclui alguns capazes de caracterizar o indivíduo que os produz, como se fosse uma espécie de “assinatura capaz de declinar a identidade do golfinho do grupo” (156). Ou as peculiaridades do canto das baleias, visto que elas empregam ritmos musicais e seqüências emocionais, utilizando “frases cujo comprimento se aproxima das frases humanas” (183).

            Giorgio Agamben, na descrição que faz, no ensaio “O fim do pensamento”, de uma paisagem cheia de “inauditas vozes animais” (silvos, trilos, chilros, assobios, cochichos, cicios, etc.), diz que, enquanto cada animal tem seu som, nascido imediatamente de si, nós (os humanos) – os únicos “sem voz no coro infinito das vozes animais” – “provamos do falar, do pensar” (AGAMBEN, 2004,156). Colocando em contraponto voz e fala, phoné e logos, por considerar que “o pensamento é a pendência da voz na linguagem” ele lança uma frase quase-verso: “Em seu trilo, é claro: o grilo não pensa” (56). Por vias oblíquas, o filósofo confirma com tal imagem a já referida assertiva heideggeriana de que o animal é desprovido de linguagem e, portanto, “pobre de mundo”, situando-se fora do ser, numa zona de não-conhecimento. [6]

            Porém, diante dos estudos da etologia contemporâneos, quem garante que os animais estão impedidos de pensar, ainda que de uma forma muito diferente da nossa, e ter uma voz que se inscreve na linguagem? Estará, como indaga Lestel, a nossa racionalidade suficientemente desenvolvida para explicar uma “racionalidade” que lhe é estranha, caso esta realmente exista? [7]

            Emblemática, neste contexto, é a célebre frase de Wittgenstein: “se o leão pudesse falar, nós não o entenderíamos” (apud WOLFE, 2003, 44) – variação do dizer de Ovídio, segundo o qual, “se o animal falasse, nada diria”.  Isso porque, como o filósofo sugere, a lógica que nortearia essa fala seria radicalmente outra e, certamente, nos despertaria para o conhecimento imediato de nossa própria ignorância. Do que se pode depreender que a linguagem não é suficiente para responder a questão da diferença entre humano e não-humano. Ao contrário, como afirma Wolfe, “ela mantém a questão viva e aberta” (WOLFE, 47).

            Vale, neste contexto, evocar um divertido poema de Jacques Roubaud, no qual o autor de Les animaux de tout le monde parece brincar com a frase de Wittgenstein, ao dar voz a um porco falante. Cito um fragmento:

 Quando falo, disse o porco,

eu gosto é de dizer porqarias:

graxa goela gripe grunhido

paspalho paxá luxação

resmungo munheca migalho camelo

chuchu brejo chiqueiro (ROUBAUD, 2006, 51)[8]

            No poema, organizado parataticamente com palavras sem aparente conexão umas com as outras, mas plenas de sonoridade e humor, Roubaud esvazia a fala de seu porco da sintaxe que se espera de um dizer inteligível. No jogo da linguagem, o porco encena uma lógica que, embora estando a serviço de vocábulos identificáveis (na verdade, “palavras porcas”, contaminadas pela carga semântica que o senso comum atribuiu à existência suína), não se confina inteiramente nos limites do entendimento imediato e previsível. Vê-se que o saber que o porco detém sobre si mesmo se manifesta através de um “eu” desajeitado dentro de uma língua que não lhe pertence. O desafio que essa brincadeira representa para o leitor se repete em outros momentos do livro e se radicaliza nas últimas páginas, através do poema “O asno”, cuja autoria é atribuída ao próprio animal. É um soneto feito totalmente de zurros, em que o asno fala no registro onomatopéico que imaginamos ser o dele. (cf. ROUBAUD, 90) Ao contrário de “Um boi vê homens”, de Drummond, o poema encena uma voz animal sem palavras, mas que também não passa de um exercício de criatividade do poeta que o cria.

               Assim, no esforço de sondar – pelos poderes da imaginação – a subjetividade desse “completamente outro” que é o animal, e estabelecer com ela uma relação de cumplicidade ou de devir, cada um dos poetas mencionados constrói o seu bestiário particular. Sejam as feras enjauladas nos zoológicos do mundo, sejam os bichos domésticos, as espécies em extinção, os animais que nos alimentam ou os que fomentam as experiências acadêmicas no campo da biologia e da genética, todos – ao entrarem na esfera do poético – acabam por nos ensinar muito mais do que os escritores sabem sobre eles.

 Referências Bibliográficas

Agamben, Giorgio. O fim do pensamento.  Terceira margem – Revista da Pós-Graduação em Letras. Rio de Janeiro: Centro de Letras e Artes da UFRJ, Ano IX, nº 11, 2004, pp. 156- 159.

Agamben, Giorgio. The open – man and animal. Trad. Kevin Attell. Stanford:StanfordUniversity Press, 2004.

ANDRADE, Carlos Drummond de. Poesia e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1979.

Berger, John. Por que olhar os animais? Sobre o olhar. Trad. Lya Luft. Barcelona, Gustavo Gili, 2003, pp.11-32.

Bueno, Wilson. Jardim Zoológico. São Paulo: Iluminuras, 1999.

Bueno, Wilson. Manual de zoofilia. Ponta Grossa: UEPG, 1997.

Campos, Augusto. Coisas e anjos de Rilke. São Paulo: Perspectiva, 2001.

Coetzee, J.M. A vida dos animais. Trad. José Rubens Siqueira. São Paulo: Cia. das Letras, 2002.

Deleuze, Gilles, Guattari, Félix. Mil platôs; capitalismo e esquizofrenia. Trad. Suely Rolnik. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1995. v. 4.

Deleuze, Gilles. Cours Vincennes : Intégralité du cours 1978 -1981 Trad. Francisco Traverso Fuchs. Webdeleuze..Disponível no endereço: http://www.webdeleuze.com/php/texte.php?cle=194&groupe=Spinoza&langue=5  (último acesso: 29/12/2007).

Derrida, Jacques. O animal que logo sou. Trad. Fábio Landa. São Paulo, Editora Unesp, 2002.

Hugues, Ted. Collected poems. London: Faber & Faber, 2003.

Lestel, Dominique. As origens animais da cultura. Trad. Maria João Reis. Lisboa: Instituto Piaget, 2002.

Lispector, Clarice. Água viva. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.

Montaigne, Michel de. Apologia de Raymond Sebond. Ensaios, II. Trad. Sérgio Milliet. São Paulo: Abril Cultural, 1980, pp.204-279.

Roubaud, Jacques. Os animais de todo mundo (ed. bilíngüe). Trad. Paula Glenadel e Marcos Siscar. São Paulo: Cosacnaify, 2006.

Wolfe, Cary. In the shadow of Wittgenstein’s lion: language, ethics, and the question of the animal. Animal rites. Chicago: Chicago Press, 2003. pp. 44-94.


*  Ensaio publicado originalmente no livro: PEDROSA, Célia. ALVES, Ida. (Org.). Subjetividades em devir – Estudos de poesia moderna e contemporânea. Rio de Janeiro: 7Letras, 2008, p.219-225.

 

[1]  Clarice Lispector, em Água viva, fala do “it dos animais”, tomando o “it” como “o mistério do impessoal”, esse “neutro” que resiste à subjetivação através da linguagem. Nas palavras da autora, “it é elemento puro. É material do instante do tempo”. (Cf. LISPECTOR, 1980, pp. 30; 35 e 49).

[2] HUGUES, Collected poems, p. 20.

[3]. Cf. HUGUES, Collected poems, pp. 151-152.

[4] O poema “A pantera” é de 1907. Uso como referência a tradução de Augusto de Campos, no livro Coisas e anjos de Rilke, de 2001, p.p. 56-57.

[5] De qualquer maneira, cabe ponderar que, mesmo com tal atitude do poeta, o poema do jaguar não deixa de ser também sobre o jaguar, um olhar humano sobre o jaguar, por mais que o autor tenha almejado se colocar sob a pele do animal, falar a partir dele. Ou seja, mesmo ao tentar fazer viver no poema o jaguar na sua mais intrínseca particularidade,  acaba por transformá-lo, inevitavelmente, em uma construção de palavras, em um animal escrito.

[6]  Esta posição se dá a ver, sobretudo, no livro L’ aperto, de 2002, no qual Agamben trata da relação entre o homem e o animal, a partir da discussão das idéias de Jacob Von Uexküll, Heidegger, Benjamin e Kojève. Cf. AGAMBEN, 2004.

 

[7] Montaigne admitia a existência de um processo de raciocínio nos animais. Ele chega a mencionar o conhecimento que os atuns teriam dos três ramos da matemática: a astronomia, a geometria e a aritmética. Nas palavras do filósofo, eles “revelam conhecer a geometria e a aritmética, porquanto se reúnem em cardumes da forma de um cubo quadrado por todos os lados, de sorte que formam um batalhão sólido de seis faces iguais; nadam nessa ordem de dimensões idênticas atrás e na frente, de modo que quem os encontra e conta uma fileira tem idéia precisa do todo, já que a largura do cardume é igual à profundidade e ao comprimento”.  (MONTAIGNE, 222)

[8]  Em tradução de Marcos Siscar e Paula Glenadel. No original: Pour parler, dit le cochon, / ce que j’aime c’est les mots porqs: / glaviot grumeau gueule grommelle / chafouin pacha épluchure / mâchon moche miches chameau / empoté chouxgras polisson. (ROUBAUD, 2003, 116).

* Professora da Universidade Federal de Minas Gerais.