“Peixe sente dor (!)”: A relação entre o homem e o animal — Dirce Waltrick do Amarante
“Peixe sente dor (!)”: A relação entre o homem e o animal
Dirce Waltrick do Amarante*
As relações entre o homem e o animal não são simétricas, a começar pelo fato de que o homem tem necessidade de falar dessa relação, enquanto o animal a vive em silêncio: “o humano gasta seu tempo falando de sua relação com o outro, ao passo que o primata nem sonha em conceber a menor fração do seu a isso”, afirma o estudioso francês Dominique Lestel.
A tentativa de formar uma comunidade, a discussão da relação entre homem e mulher, homem e animal, e o fracasso (ou a estranheza) dessa relação são os temas do monólogo “Peixe sente dor (!)”, de Márcio Cabral, com atuação de Lorenzo Lombardi, que, em julho deste ano, foi apresentada numa única sessão na Universidade Federal de Santa Catarina. A peça deverá voltar em cartaz em breve, em Florianópolis.
A figura central da peça é um peixeiro que convive com peixes para abate e com um peixinho doméstico, solitário no seu aquário. Mais do que isso, “Peixe sente dor (!)” apresenta “o animal enquanto alteridade portadora de sentido”, o animal que, como opina Lestel, “não é um brinquedo nem um objeto, é antes de tudo uma ‘presença’ e nisso se encontra sua especificidade. Ele encarna para o homem uma alteridade particular, portadora de sentido”.
Segundo a tese de Benedito Nunes, por sua vez, o animal é considerado o oposto do homem, mas ao mesmo tempo uma espécie de simbolização do próprio homem. Em “Peixe sente dor (!)”, o peixeiro parece encarnar apenas aquilo que o animal tem de mais instintivo, de mais rústico e rude.
Na peça de Márcio Cabral, o animal não só convive com o personagem, mas também o habita e navega dentro dele como algo que lhe é (e não é) estranho.
Vale a pena conferir.
* Professora do curso de artes cênicas da UFSC.