Nijinsky – Minha loucura é o amor da humanidade de Gabriela Mellão

 Nijinsky – Minha loucura é o amor da humanidade

de Gabriela Mellão

 

 

Sobre o Espetáculo

 

 

O espetáculo “Nijinsky – Minha loucura é o amor da humanidade”

estreou em 28 de agosto de 2014 no SESC Belenzinho, em SP, com direção de Gabriela Mellão e João Paulo Lorenzon, com interpretação do próprio, além de Francisco Bretas, Michele Boesche, Janaína Afhonso e Nábia Vilela

 

 

 

Nijinsky foi um deus de sapatilhas que jamais soube adaptar-se às limitações impostas pela convivência social. Um personagem que surpreendeu o mundo com sua criatividade e ousadia. Ele rejeitou as regras da arte e da sociedade de seu tempo para dançar o instinto, no palco e na vida. Colocou a demência em evidência. Transformou enfermidade em beleza. Loucura em arte.

A força primitiva de Nijinsky é regente da cena, se manifesta em seu espaço mental. O empresário, sua mulher, sua mãe e irmã surgem em cena como memória materializada, vozes que acolhem o dançarino ao mesmo tempo em que o violentam, agindo feito fantasmas que sobrevoam seu imaginário.

O espetáculo retrata simbólica e oniricamente os voos e as quedas de Nijinsky. Transforma parte do palco num trampolim (cama elástica). No embate de Nijinsky consigo mesmo e com os personagens que o rodeiam, explora as possibilidades imagéticas geradas a partir deste chão inusitado que simboliza o universo mental e corpóreo do protagonista.

 

 

 

Cenário: O palco do espetáculo é a junção um trampolim, imperceptível a priori ao público, com algumas regiões de chão firme. Há um balanço suspenso no espaço, a 3m do solo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Personagens:

 

 

 

 

 

Nijinsky – Físico musculoso, flexível e ágil. Psicologicamente frágil, mas poderoso na sua fome de criar, dançar e sonhar.

 

 

Romola – Arquétipo da amante. Mulher do dançarino, oscila entre momentos acolhedores e afetuosos e outros opressores e aprisionantes.

 

 

Diaghlev – Remete à figura autoritária masculina e paternal. O empresário de Nijinsky e dono dos Ballets Russos. Um homem determinado a impulsionar violentamente Nijinsky – ação que também pode ser interpretada como meio de domesticação.

 

 

 

Eleonora – Arquétipo maternal. É a mãe de Nijinsky, deseja proteger e ao mesmo tempo sensibilizar o filho para que ele encontre sua singularidade no mundo.

 

 

 

Nijinska – A irmã de Nijinsky, parceira na infância e na arte. Surge para potencializar o dançarino, mas o fragiliza com sua ausência.

 

 

 

 

 

 

 

CENA 1 – BALANÇO

 

 

 

(Nijinsky surge no ar brincando num balanço que se movimenta em grande velocidade).

 

 

 

NIJINSKY

Minha dança é avalanche que não cessa

de me levar

caio dentro dela

sem reservas

sem ressalvas

morro em seus braços

voo soberano

viajo em queda livre

para dentro de mim

me encontro estrangeiro

pleno e incandescente

como nunca ousei

 

Minha dança é tempestade

que não cansa

de sacudir

de rugir

da sua boca ouço

os cantos mais primitivos

e doces

me lanço na balada do inesquecível

no ritmo dos bárbaros

não importam os passos

desde que embalado por ela

desde que levado

sem fim

viajo em queda livre

dentro de mim

 

 

CENA 2 – delírio múltiplo

 

 

 

ROMOLA

Vamos jantar Nijinsky, a sopa está pronta.

 

NIJINSKY

Os rostos dos sonhos confundem-se com as faces da realidade. Essa é a grande loucura da vida, todo sonho parece real e a realidade sempre pode ser sonhada. A fantasia do sonhador é feita pela mesma matéria que rege o fim de um caminho, o impulso de um desejo, o mistério do amor.

 

ELEONORA

Suas raízes crescem debaixo da terra que te constitui, meu filho.  Se fortalecem com o tempo, guiando seus passos cada dia um pouco mais. Nijinsky é feito da matéria dos seus antepassados, mas sobretudo do tempo de sua infância.

 

NIJINSKY

Parecia que todo o espetáculo da vida estava, em algum ponto profundo, lá embaixo, a seus pés. Parecia que estava voando muito alto e que o futuro desaparecera de sua vista.

 

DIAGHLEV

Devo estar demente. Devem ser seus ataques – estão me tirando do sério.

 

ROMOLA

A que ponto chegamos. O Deus da dança conversa com sua sombra, está demitido e vai tomar sopa de batata comprada fiado.

 

ELEONORA

Eletrificados, extasiados e ofegantes, seguiamos seu corpo elástico, sobre-humano, leve como ar, quente feito fogo.

 

NIJINSKY

Eles duvidaram. Eu não saltei. Voei. Toquei o infinito e voltei – com a mesma intensidade. O voo é o destino mais provável do homem que não desistiu de sonhar.

 

DIAGHLEV

Um louco empresariando um bando de dementes. Não sei o que está acontecendo com esta companhia.

 

NIJINSKY

Eu sou um estrangeiro, venho de outro lugar.

 

ROMOLA

Você é meu marido. E eu sou Romola, sua mulher. E o Dr. Frankel o homem que receita seus choques.

 

NIJINSKY

As pessoas congelam, depois racham e se despedadaçam.

Eu vejo o vulto negro da morte encobrindo o homem. Percebo a despigmentação das cores, o desequilíbrio do amar, a invasão do tenebroso no território da vida. Avisto a morte lenta, anunciada, da vida sem graça, vida sem vida. Eu sinto a morte por todos os lados.

 

DIAGHLEV

Estão todos perdendo a cabeça. Até Stravinsky se descontrolou hoje, durante os ensaios de A Sagração…

 

ELEONORA

A oitava maravilha do mundo salta alto. perguntaram se era difícil permanecer no ar depois de pular. Com seu francês atrapalhado, Nijinsky respondeu: É só saltar e dar uma pausa lá em cima.

 

NIJINSKY

Estou  morrendo numa clínica com 12 anos. Sou uma criança corajosa. Pulei e caí.  Vai acontecer comigo o mesmo que aconteceu com a civilização?

 

ROMOLA

Agora chega, Nijinsky. O jantar.

 

DIAGHLEV

Pedi condescendência com seus bailarinos. Pedi uma coreografia menos impossível de dançar. Não para você desacelerar a composição de Stravinsky.

 

NIJINSKY

Eu sou um explorador, um conquistador, um cadáver. Cadáver, cadáver, cadáver, eu não sou um cadáver.

 

(Nijinsky solta ambas as mãos do balanço, como um suicida. Houve o canto da mãe de Nijinsky, Eleonora. Nijinsky se recompõe, mergulhado na melodia familiar)

 

NIJINSKY

Há dança dentro da dança. Há passos dentro dos passos. E dentro do amor há um amor infinitamente mais vasto e profundo. Quero abraçar o desejo. Quero tocar o mundo – não para que pensem que quero fazer exibição de amor. Quero me confundir com o sol. Aquecer, iluminar, incendiar. E você. Quero enlouquecer sua razão para que fique são.

Por que persegue um homem doente, nervoso, quase delirante? Por que arrasta este homem para as trevas? Percorria-lhe todo o corpo uma terrível sensação de frio. Tremia tanto que os dentes esfarelavam-se ao se chocarem uns nos outros. O esfacelamento do homem sou eu no encontro com você. Me torno areia, farelo, migalha. Basta um vento para que eu me dissolva no nada.

 

 

CENA 3 – TRAVESSIA

 

(Em sua primeira aparição em solo, Nijinsky, em pé, se move lentamente. O corpo se distorce em pequenos espasmos na medida em que ele avança).

 

 

NIJINSKY

Sou ar tanto quanto sou terra e fogo. Me reconheço nadando nas águas claras da loucura. Habito castelos e ruínas. Sou feito da chama dos imortais.

Querem quebrar minhas asas, amputar minhas pernas, asfixiar minha dança. Nós precisamos de ar. Precisamos de espaço. Ou morreremos todos, na solitária da intolerância.

 

CENA 4 -ARANHA

(Nijinky está ajoelhado, com a cabeça baixa. Romola se posiciona em frente a ele, que recua. Ela se deita sobre ele).

 

ROMOLA

É inverno, está frio. Eu e o Dr. Frankel estamos há horas procurando você.

Você se distancia mesmo estando ao meu lado.  Sua ausência me dilacera. Meu peito chora um rio de lágrimas não derramadas. Toca nele e sente a água jorrar.

 

NIJINSKY

Compreendo que toda a vida de minha mulher, assim como a de toda a humanidade, é a morte. Bastaria se deixar levar pelo vento, bastaria se deixar cegar pelo sol, percorrer as correntezas sem  desejo de aportar. Eu sei que minha mulher pensa muito e sente pouco e, isso me ensurdece.

 

ROMOLA

Estou aqui. Sou sua. Me toca. Me toca agora.

 

NIJINSKY

Ele poderia fazer todas as coisas. Se pudesse.

Ele poderia ser e fazer todas as coisas. Se pudesse.

 

ROMOLA

Me sente. Me apalpa. Me aperta.

 

NIJINSKY

Ele poderia ser e fazer todas as coisas. Se pudesse.

 

ROMOLA

Você já está em mim.

 

(Derruba Romola de suas costas, cena em câmera lenta, que sintetiza décadas de relacionamento entre ele. Renegada, Romola se transforma numa aranha oferecida, que dá o bote em sua presa asfixiando Nijinsky. Ela o deita suavemente no chão, saboreando seu êxtase).

 

ROMOLA

Você fazia viver diante de nossos olhos uma humanidade sofredora e abalada pelo horror. Você era trágico. Seus gestos ganhavam dimensão épica. Como um mágico dava-nos a ilusão de flutuar acima de uma multidão de cadáveres. Você era uma criatura indomável, uma pantera fugida da selva capaz de nos aniquilar de um momento para o outro.

 

 

CENA 5 – CENA DANÇA DO CHOQUE

 

Dança desesperada de Nijinsky e Diaghlev

 

 

CENA 6 -TANGO

 

(Tango lento silencioso entre Diaghlev e Nijinsky).

 

 

DIAGHLEV

Você precisa de mais do que os bailarinos normais. Mais espaço. Mais voos. Isto aqui é uma prisão. Você é uma fera selvagem encarcerada numa solitária.

Eu te fiz voar. Era para você passar longe daqui, desta existência decadente.

Eu sou o homem que te pariu. Dei a luz a você, Nijinsky. Os holofotes que te fazem brilhar são meus, foram instalados por mim. Todos eles. Sem meu clarão para te iluminar, sem minhas mãos para te impulsionar, seus voos não sairiam nem deste palco. Dei o que tinha de melhor a você, Nijinsky.

 

Você é uma criança abandonada desesperada por uma migalha de afeto. Você é um estrangeiro. Não pertence a este mundo, Nijinsky. Vá, Nijinsky. Ocupe sua casa, mergulhe no ar. Voe, flutue, desapareça.

 

NIJINSKY

Eu sou um pássaro.  Eu sou um pássaro e amo Nijinsky não como narciso, mas como Deus. Eu o amo, pois ele me deu vida. Convém escutar Nijinsky, pois ele fala pela boca de Deus. Eu sou um homem que ama. Não transformo amor em migalhas. Nada é mais belo do que o amor.

 

 

CENA 7 – MASTURBAÇÃO

 

(Nijinska entra, abraça Nijinsky por traz e manipulando seus braços e suas pernas lentamente. A dança termina no ato de masturbação).

 

 

NIJINSKA

Vim te impulsionar. Vai, meu irmão. O infinito é logo ali. Agarre-o, ele é seu.

Basta olhar para sua luz para descobrir o quanto se pode ascender.

Você é fogo e ar, o incêndio e o incendiário. Estamos fundidos em êxtase.

Vim para ficar. Que saudade de você. Sempre soube que meu pássaro não recusaria meu amor.

Você queima, está queimando. Está se apagando. Restam destroços de um vulcão de sonhos. Meus pulmões não suportam respirar seu ar contaminado. Seu sangue mofa enquanto você ensaia sua própria morte. Você está apodrecendo.

Há mofo nas crateras do seu coração. Há musgo nas cavernas de seu peito. Lama e ferrugem em todos os músculos. Por que você enlouqueceu?

 

 

NIJINSKY

Eu sinto e executo. Não contradigo o sentimento.  Não sou um feiticeiro. Sou Deus no corpo. Todo mundo tem esse sentimento, só que ninguém se serve dele.

Não em vão o sonhador remexe em seus velhos sonhos, procurando reaquecer o coração e ressuscitar tudo o que é belo, que faz o sangue borbulhar e arranca lágrimas dos olhos ate cegar de tanta perfeição. Os pássaros estão voando. Avançam debaixo da chuva, para longe daqui.

 

CENA 8 – PRONTO PARA MIM

 

DIAGHLEV

Se eu vivesse rodeado de tantas mulheres tenho certeza de que minha sanidade também correria perigo. Você pode ser louco, desde que dance.

Como é, Nijinsky, está pronto para mim?

 

ELEONORA

De repente, outra vez, um mundo novo e a vida radiante se obscurecem diante de Nijinsky em sua perspectiva flutuante.

 

ROMOLA

Vamos Nijinsky?

 

DIAGHLEV

Como é, Nijinsky, está pronto para mim?

 

NIJINSKA

Meu amor, me tire para dançar.

 

ELEONORA

Nijinsky está pronto pra si.

 

ROMOLA

Nijinsky? Está pronto por mim?

 

DIAGHLEV

Está pronto?

 

 

(As perguntas se repetem seguidamente, aumentando de intensidade, compondo uma sinfonia atordoante, que leva Nijinsky a debater-se no trampolim – cama elástica)

 

 

NIJINSKY

Está pronto. Está pronto por mim? Nijinsky está pronto?

 

CENA 9 – PIETA

 

ELEONORA

Não deixe a vida amansar você. Vão querer te domesticar, te transformar em um homem servil e apático, te aprisionar atrás das grades da civilidade. galope, relinche, dê coices, meu filho.

Você sonhou que era um menino, um menino distante de todos os outros, um menino que copiava meus passos redesenhando minha sombra. Até que de tanto dançar, eu virei a sua. Você encontrou seus passos. Você alcançou seu corpo, e voou.

 

 

 

CENA 10 – MARIONETE

 

(O dançarino se levanta lentamente, em meio a um ruído de choque, como um marionete abandonado).

 

NIJINSKY

Ouço comandos de todos os lados, eles vem de todas as direções. Poderia me movimentar feito marionete em mãos de artistas habilidosos, mas mergulho no centro de mim, me ensurdeço, desabrocho as cordas que me imobilizam e, soltando um rugido que se anuncia através de meu corpo, grito isolamento e dor. Amo o impossível, o sonho, a miragem. Vocês tem regras, condutas de civilidade, bom senso, definições, medidas, padrões, tradições. Eu tenho a minha insanidade. Tenho a volúpia do amor, o instinto do desafio, o prazer da dor. Meu sangue corre feito bicho solto, galopa sem rumo. Desfruta a liberdade dos que não se comprometem com certezas jorrando as feridas abertas pelos massacres do homem. Celebro a vida dançando a solidão. Quero conquistar terras inexploradas, abrir caminhos que não tem fim. Transforme-se no sol e toda a gente o verá.

 

 

CENA 11 – CABO DE GUERRA HUMANO

 

DIAGHLEV

Não é Nijinsky que deve estar pronto para alguém. Os outros é que devem estar prontos para Nijinsky. Eu estou. Libere esta energia sexual que borbulha dentro de você e se expresse através da dança.

 

ROMOLA

É comigo que irá dançar.

(Laça o ventre de Nijinsky com uma corda e puxa-o em sua direção).

 

NIJINSKA

Vim para te levar de volta ao sonho.

(Laça a mão de Nijinsky com uma corda e puxa-o em sua direção).

 

DIAGHLEV

Dance comigo, Nijinsky. Venha. (Laça o pescoço de Nijinsky com uma corda e puxa-o em sua direção).

 

ELEONORA

Nijinsky quer dançar porque sente e nao por que estão esperando.

(Laça uma mão de Nijinsky com uma corda e puxa-o em sua direção).

 

(Todos esticam Nijinsky neste cabo de guerra humano, dilacerando-o até as forças do dançarino se esvaírem. Ele cai, exaurido. Os personagens o carregam numa espécie de cerimônia fúnebre. Repousam Nijinsky sobre o chão, como num sepultamento).

 

 

CENA 12 -LIBERTAÇÃO

 

NIJINSKY

Eu danço os corcundas e os eretos. Sou um artista que ama todas as formas e belezas. Sou de carne, osso, cicatrizes e doenças. É hora da desarmonia, de infestar o palco de discórdia, de grotesco, de instinto.

(Nijinsky se desamarra em uma dança de libertação).

 

A natureza é a vida, e a vida é a natureza. Eu amo a natureza. A natureza é simples. Compreendo a natureza pois sinto a natureza. Conheço pessoas que não compreendem a natureza, porque não sentem. A natureza me sente. A natureza é Deus. Não gosto da natureza inventada. A natureza está viva. Eu estou vivo. Eu sinto os meus movimentos. Meus movimentos são simples. Meus movimentos são Deus.

 

 

CENA 13 – GOZO
(Batalha coreografada entre Nijinsky e Diaghlev)

 

NIJINSKY

Gosto de me esconder das pessoas. Tenho o hábito de viver só. Eu sou Deus no homem. Eu sou Deus. Deus está em mim. Cometi erros mais do que ninguém no mundo, mas fiz o que pude.

 

DIAGHLEV

Suas palavras são bolhas vazias que estouram quando tocam o ar.

Sou uma espécie de tumor que não para de se multiplicar dentro de você, Nijinsky.

Alguém te disse que a morte não seria felicidade?

O sangue se move em círculos, o estômago se contorce, o coração bate acelerado. Esta é sua dança agora.

Por que que certas recordações parecem verdadeiros crimes?

 

NIJINSKY

Espero ver-te no céu ou no inferno. Ou será a mesma coisa?

 

DIAGHLEV

Me verás, Nijinsky. E quando me vir céu ou inferno será só um detalhe.

 

NIJINSKY

Você quer me domesticar.

 

DIAGHLEV

Te libertar.

Eu venho te libertar.

 

(Batalha de amor e ódio. Por fim, Diaghlev cai. Nijinsky pisa no peito de Diaghlev, que geme de dor e prazer até o orgasmo final).

 

CENA 14 – DESPEDIDA NIJINSKA

 

(Nijinska a todo momento diz que vai embora mas se joga nos baços de Nijinsky com a força de uma suicida)

 

NIJINSKA

Meu irmão, preciso ir.

 

NIJINSKY

Onde?

 

NIJINSKA

Para o futuro.

 

NIJINSKY

Ele está aqui?

 

NIJINSKA

Está. Me esperando. Lá fora.

 

NIJINSKY

Mande-o entrar.

 

NIJINSKA

Eu adoraria.

 

NIJINSKY

Então peça para ele esperar um minutinho. Só preciso vestir alguma coisa.

 

NIJINSKA

Eu já vou.

 

NIJINSKY

Você não pode me deixar. Não aprendeu a viver sem mim.

 

NIJINSKA

Você seria maravilhosamente bem-vindo.

 

NIJINSKY

Quero ir com você. Você não quer? Acha que eu estou doente?

 

NIJINSKA

Se eu pudesse ficar.

 

CENA 15 – TRANSA/ DESPEDIDA ROMOLA

 

(Transa estilizada: Romola escala Nijinsky pelas costas. Passa pela frente, agarrada a ele como uma aranha).

 

ROMOLA

Vem jantar, Nijinsky. A sopa está pronta.

 

NIJINSKY

Tenho pouca vida real. Momentos assim, como este, me são tão raros que não posso deixar de reproduzi-los em meus devaneios.

 

ROMOLA

Por favor, Nijinsky, vem, a vida vai esfriar.

 

NIJINSKY

O silêncio se impõe em mim. acompanha minha jornada em busca do nada. percorro o vazio. A dança é um grito.

 

(Romola se encosta nas costas se Nijinsky, as falas de ambos são sobrepostas).

 

 

ROMOLA

Deve ser ótimo viver neste seu mundo fantástico. Ótimo e conveniente se refugiar debaixo dessa loucura toda que você arrumou.

 

NIJINSKY

A falta de originalidade existe em toda parte. Desde que o mundo é mundo sempre foi considerada a primeira qualidade do homem.

 

ROMOLA

Quem sabe um dia as coisas voltem ao seu estado normal de anormalidade.

 

NIJINSKY

As pessoas gostam dos excêntricos, por isso vão me deixar sossegado dizendo que eu sou um palhaço louco.

 

ROMOLA

Quem sabe até você dance para mim novamente.

Me leva com você Nijinsky. Me ensina seus voos, me mostra o caminho do sol.

 

(Nijinsky leva Romola nas costas).

Me carrega com você que eu te carrego comigo. Te seguro pra você nunca mais cair. Te protejo até de você mesmo.

 

CENA 16 – DESPEDIDA ELEONORA

 

(Eleonora e Nijinsky andam lentamente, até se encontrarem no centro da cena. Nijinsky vai se desconstruindo ao se aproximar da mãe até cair a seus pés e depois se ajoelhar diante dela)

 

 

ELEONORA

Você pode desejar a independência mas ela nunca vai passar de um sonho. Ninguém vive sozinho. Ninguém é livre sozinho. Não completamente.

Seu talento faz com que todos te manipulem em benefício próprio. Mas lembre-se de quem você é.

Eles nada são além de humanos. E os humanos, quaisquer que sejam seus ideais, ressentem-se com a divindade. Eles passam. Você permanece.

Desconfie de mim também. Eu não passo de mais uma voz que habita e pode reger sua mente.

Vai, meu filho.

 

(Nijinsky se levanta do chão e tira sua mãe de cena, delicadamente).

 

 

 

CENA 17 – FINAL

 

NIJINSKY

Não amo os homens horríveis, mas não lhes farei mal. Não quero que os matem. Eles são águias. Águias impedem aves pequenas de viver. É preciso tomar cuidado.

O mundo dirá que Nijinsky ficou louco. Inclusive eu. O coração bate com força, chego a recear não ouvir minha própria imaginação.

Minha loucura é o amor. Minha loucura é o amor da humanidade.

Não foi diante de mim que me curvei, mas diante de todo o sentimento humano.

 

 

FIM