E o teatro infantil? – Dirce Waltrick do Amarante

E O TEATRO INFANTIL?

 Dirce Waltrick do Amarante*
 

A estudiosa Maria Lúcia Pupo afirma que “uma heterogeneidade básica marca de forma determinante o teatro infantil: o emissor da mensagem é o adulto artista, (…) enquanto o receptor é uma criança desprovida desse poder.” Puppo prossegue: “tal heterogeneidade se agrava ainda mais quando se constata que, além da criação propriamente direta, o adulto em geral possui também a prerrogativa de decidir quando levar a criança ao teatro e a qual espetáculo assistir.”

Essa “heterogeneidade” não é, porém, uma característica exclusiva do teatro infantil. Outros produtos culturais dirigidos às crianças são produzidos e escolhidos pelos adultos. Cecília Meirelles já opinava, por exemplo, que “’o livro infantil’, se bem que dirigido à criança, é de invenção e intenção do adulto. Transmite os pontos de vista que este considera mais úteis à formação de seus leitores.” E transmite-os na linguagem e no estilo que o adulto crê adequados para as crianças.

A literatura, contudo, parece mais familiar às crianças do que o teatro. Em Infância, Graciliano Ramos conta que, quando despertou seu interesse pela leitura, “apareceu uma dificuldade (…). Como adquirir livros?”. Na falta dos livros, relata o escritor, “agarrava-me a jornais e almanaques, decifrava as efemérides e anedotas das folhinhas.” Esses “retalhos” mantinham viva sua chama pelos livros.

De fato, as crianças podem ler fragmentos de “livros” em jornais, em revistas, na internet, nutrir-se de “retalhos”, como fez Graciliano Ramos. O teatro não oferece tantas opções assim. Como afirma Pupo, o agravante do teatro infantil é que precisa sempre de um adulto que decida quando levar a criança ao teatro, sem ele, o teatro infantil continua distante do seu público.

Além do mais, o teatro infantil muitas vezes é um programa pouco atraente para os adultos, que parecem guardar na memória a experiência de assistir a peças cheias de boas intenções morais e pouca intenção estética.

Em 1954, o médico, poeta e educador Júlio Gouveia, que adaptou Monteiro Lobato para o teatro, afirmou: “desnecessário seria enfatizar que, entre as várias funções do teatro para crianças, uma das mais importantes (…) é a função de educar (…). Educar é fornecer os instrumentos intelectuais, morais e éticos necessários à criança (…)”

Para alguns profissionais do teatro infantil contemporâneo, essas ideias ainda são válidas. No entanto, existem hoje concepções mais ousadas sobre o teatro infantil, como peças sem uma lição moral explícita, mas com uma função estética assegurada.  

No início deste ano, o cartunista Allan Siber publicou uma tirinha, onde mostrava uma criança desesperada com o fato de ter de ir a uma peça infantil.

 

A tirinha de Siebler foi bastante criticada pelos profissionais do teatro, que não interpretaram a criança como o “alter ego” do adulto, um adulto que se acostumou a ir ao teatro para receber lições de bom comportamento.

Nem todos os adultos guardam essa imagem negativa do teatro infantil. Na infância, Eugène Ionesco foi um grande admirador do teatro de bonecos, com “marionetes que falavam, andavam e brigavam.” O teatro que ele gostava era justamente aquele que não trazia ensinamentos morais, mas mostrava uma versão grotesca do mundo.

A discussão em torno da tirinha de Sieber trouxe à tona outro problema, o da crítica da produção cultural infantil. Sobre a crítica do livro infantil, por exemplo, Cecília Meireles dizia que “[…] em lugar de julgar o livro infantil como habitualmente se faz, pelo critério comum dos adultos, mais acertado perece submetê-lo ao uso – não estou dizendo à crítica – da criança, que, afinal, sendo a pessoa diretamente interessada por essa leitura, manifestará pela sua preferência, se ela satisfaz ou não.”

Os adultos poderiam escutar mais a opinião das crianças sobre as peças de teatro, mas para isso precisariam lhes oferecer uma diversidade maior de espetáculos.

*Professora do Curso de Artes Cênicas da UFSC.