O ponto – Márwio Câmara

O ponto

Márwio Câmara

 

Nada é por acaso. Tudo é um ponto. Um ponto que gira em torno de outro ponto. Um ponto na vida em comum.  E, ora diga-se, também incomum. Não há apenas um ponto na superfície soberana do branco. Existem inúmeros, milhares de pontos formando uma massa espessa, viva e disforme. Dura e levíssima — levíssima como uma pluma! Bem distribuídas e mal distribuídas. Cada ponto é a presença flutuante de uma vida. Ondas de calor e de sonho, eu sinto. Mas, ao abrir os olhos, vejo gotas de chuva caírem do céu, e a minha mãe a dizer: “eu amo esse cheiro de chuva, de terra molhada”. De ozônio, logo digo. “Ozônio nada, menina”, minha mãe retruca. E eu digo tá. Porque palavra de mãe é palavra de mãe e nunca se deve retrucar. Mas, de fato, não é cheiro de terra molhada coisíssima nenhuma, e sim de ozônio. Eu também adoro esse cheiro de chuva, assim como mamãe. Digo, de ozônio. Mas e os pontos? Onde eu estava enquanto falava sobre os pontos? Ah, sim, que os pontos nada mais são do que o céu à noite coberto de estrelas. Os pontos existem unicamente para serem pontos e assim fazer de nossa vida na terra uma coisa útil e movimentável. É porque os pontos nada mais são que grãos de areia da praia e do deserto. Porém mais do que isso: sem os pontos o entorno da vida acabaria se tornando um núcleo solitário preenchido pela força totalitária do nada. É porque nós somos os pontos. Nós somos cada ponto que se cria nessa vida. Pontos que gerenciam outros pontos, que geram demais pontos e, por assim dizer, formam a vida — o movimento da vida. E é com um único ponto que eu dou um fim a toda essa ladainha.