Gertrude Stein e o modernismo: A inovação linguístico-poética – Vanessa Geronimo

Gertrude Stein e o modernismo: A inovação linguístico-poética

 

Vanessa Geronimo*

Gertrude Stein, no Bryant Park, NY

Gertrude Stein, no Bryant Park, NY

 

De acordo com Peter Gay (2009), devido à riqueza do modernismo não é fácil impor ao termo uma definição; é mais fácil exemplificá-lo do que defini-lo. Ele afirma que há algumas obras que “não hesitamos em classificar como ‘modernista’, sem temer objeção”, como, por exemplo: “uma composição para piano de Erik Satie, uma peça de Samuel Beckett, um quadro – qualquer quadro – de Pablo Picasso” (GAY, 2009, p.18). Malcolm Bradbury (1989, p.22), ressaltando a diversidade do movimento modernista, afirma que “o modernismo pode mostrar-se surpreendentemente diverso, dependendo de onde situemos seu centro, em que capital (ou cidade do interior) decidamos parar.”

Com o modernismo surgiram várias formas de inovações: “desde a metade do século XIX utilizou-se o termo ‘modernismo’ para todo e qualquer tipo de inovação, todo e qualquer objeto que mostrasse alguma dose de originalidade” (GAY, 2009, p.17) e, por isso, historiadores culturais utilizaram o termo “modernismos”. Segundo Bradbury (1989, p.34) “muitas das ideias e temáticas básicas do modernismo foram difundidas durante um largo intervalo de tempo, numa variedade de circunstâncias diversas.” E em meio a essa riqueza e diversidade do modernismo, Peter Gay (2009, p. 18) cita um ponto em comum entre os modernistas: “acreditarem que muito superior ao conhecido é o desconhecido, melhor do que o comum é o raro e que o experimental é mais atraente do que o rotineiro.” Sendo assim, apesar de diferentes formas de inovação e do termo ‘modernismos’, utilizado pelos historiadores culturais, dentro de todas as inovações buscava-se o rompimento com o comum, o experimental de modo a entrar em um mundo “desconhecido”, um mundo novo. Para Goody (2007, p.32) “modernidade e seus efeitos podem ser vistos como a desnaturalização da existência e experiência, a destituição do sujeito racional soberano, e a produção nos e dos desejos intensos[1]”.

É importante ressaltar que com o modernismo lançou-se a ideia de que o melhor é o novo e os modernistas sentiam prazer em buscar um caminho desconhecido e revolucionário. Tinham um fascínio pela heresia, como afirma Gay (2009). De acordo com Bradbury (1989, p.21), “a busca de um estilo e de uma tipologia torna-se um elemento autoconsciente na produção literária do modernismo; ele está perpetuamente engajado numa profunda e incessante viagem pelos meios e pela integridade da arte.” Com o modernismo surgem novas temáticas, versos livres, hermetismo. Rompem-se sequências lógicas, rompe-se a sintaxe e com o verso livre o ritmo pode ser criado a cada instante. O poeta Ezra Pound cria o lema: “Make it new”, o qual sintetiza as aspirações dos modernistas por mais de uma geração.

Pode-se dizer que a escritora Gertrude Stein marcou o movimento modernista. Goody (2007, p.28) a descreve como “inovadora linguístico-poética[2]” e Collin (2008, p.50) conta que “subvertendo a tradição literária, manipulando radicalmente os gêneros e rompendo com as normas gramaticais, G. Stein criou um idioma próprio – abstrato, lúdico, filosófico.” Ela rompeu com as tradições do teatro dramático desde 1913, quando começou a escrever suas primeiras peças de teatro. Para efeito de compreensão desse rompimento, das quebras de paradigma do teatro clássico, busco definir drama e drama moderno, a partir das concepções de Peter Szondi em sua obra Teoria do Drama Moderno [1880 – 1950] (2001).

Primeiramente, Szondi (2001) define drama como absoluto, o que significa que não representa uma ação passada, representa o agora, o presente. Para ele, o drama “deve ser desligado de tudo que lhe é externo. Ele não conhece nada além de si” (SZONDI, 2001, p.30). É por isso que, segundo Szondi (2001, p.32), o drama é primário. O autor explica que o drama não é a representação (secundária), mas que representa a si mesmo. Também explica que a fala dramática não é do autor nem mesmo dirigida ao público e que as ações e falas ocorrem no presente. Além disso, o ator nunca deve ser percebido como ator, mas como o “homem dramático”, o que seria a união entre ator e personagem. Portanto, sendo o drama primário, para o autor as peças históricas são “não-dramáticas”.

Partindo dessa teoria, Szondi (2001) explica que o surgimento do elemento épico, que aparece nos próprios diálogos, é basicamente o que caracteriza o drama moderno. O “homem comum” é inserido nas peças e a justificativa passa a estar nos contextos sociais. A peça Estranho Interlúdio (2010), de Eugene O’Neill, escrita e encenada pela primeira vez em 1928, é um exemplo de drama moderno. Nela, não há apenas diálogos dos seus oito heróis, mas também relatos de seus pensamentos íntimos. Para Szondi (2001, p.156), “assim, Estranho Interlúdio é, em sua forma, montagem: composta de partes dramáticas e épicas.”

No drama moderno há uma quebra entre forma e conteúdo. Szondi (2001) relata que:

a tensão entre forma e conteúdo do drama moderno se atribui à contradição entre a unificação dialógica de sujeito e objeto na forma e sua separação no conteúdo. A “dramaturgia épica” se desenvolve à medida que a relação sujeito-objeto situada no plano do conteúdo se consolida em forma (SZONDI, 2001, p. 98).

Peças, como a exemplificada de Eugene O’Neill, rompem com a sequência tradicional dos fatos e há uma quebra com a linearidade do diálogo. Essas características também estão presentes no teatro steiniano, mas Gertrude Stein foi além. Ela rompe com a sequência tradicional, estabelece a quebra entre forma e conteúdo, quebra com a linearidade do diálogo e, mais especificamente, quebra o próprio diálogo. Poderíamos dizer que Stein, propositalmente, quebra a língua através de sua escrita hermética. É uma maneira de impor que se a arte é expressão não precisa seguir um modelo. Quebrando a forma e o conteúdo Stein dá um sentido ao não-sentido, trabalhando em uma visão que critica a sociedade que está sempre “organizando”, estabelecendo “regras”. Quarenta e uma de suas peças referem-se a elas mesmas e seu processo de escrita pode ser considerado “metaplays” – “metapeças” (Ryan, 1980, p. 115). Além desse conceito de que trata Ryan (1980), podemos dizer que nas “metapeças” de Stein também há metalinguagem. Stein critica a organização através da desorganização da própria língua. Em relação à escrita steiniana, Ryan (1980) destaca que:

com seu uso de hermetismo, expressão sem lógica, palavras simples, e estrutura de sentença monótona, estas técnicas mantêm a atenção do espectador enraizada à experiência teatral em si mesma e evitam perdê-la para a realidade alternativa da ficção. Elas criam um teatro absoluto; aquele que postula o seu próprio ser como sua última realidade (RYAN, 1980, p.154).[3]

Diante disso, com base nos textos steinianos, o teatro não deveria contar algo que está acontecendo, mas ser a essência do acontecimento e assim a atenção do leitor/espectador fica “enraizada à experiência teatral.” Por isso, no teatro de Stein não é contada uma história, para não ter de familiarizar o público com personagens e com uma trama; e com isso o leitor/espectador não perde a atenção para “a realidade alternativa da ficção.”

Gertrude Stein (1938), ao escrever sobre sua experiência em um avião, descreve como o século XX marcou sua maneira de ver a terra:

Quando eu estava na América, eu viajei pela primeira vez praticamente o tempo todo em um avião e quando eu olhei para a terra eu vi todas as linhas do cubismo feitas em um tempo em que nenhum pintor havia subido em um avião. Eu vi lá na terra a composição de linhas de Picasso, vindo e indo, desenvolvendo-se e destruindo-se, eu vi as simples soluções de Braque, eu vi as linhas itinerantes de Masson, sim eu vi e mais uma vez eu soube que um criador é contemporâneo, ele entende o que é contemporâneo quando os contemporâneos ainda não sabem isso, mas ele é contemporâneo e como o século XX é um século que vê a terra como ninguém nunca havia visto, a terra tem um esplendor que nunca teve antes (STEIN, 1938, p.50).[4]

Através dessa experiência, marcada pelo desenvolvimento tecnológico e científico, Stein viu a terra por outro ângulo e relatou que, no século XX, ela pôde ser vista do alto, ao mesmo tempo minúscula e gigante, como uma paisagem completa, que antes nunca fora vista. Assim, Stein estabeleceu relações entre essa paisagem com características cubistas.

O cubismo tem como principais referências os quadros de Picasso. Dentre eles, um dos mais famosos, e que incentivou pesquisas acerca do movimento, é o “Les Demoiselles d’Avignon” (1907), em que Picasso introduz formas geométricas nos rostos das figuras, mostrando a técnica cubista de representação da realidade através de formas geométricas:

 

Vanessa

Les Demoiselles d’Avignon – Pablo Picasso – 1907

 

Em 1913 foi publicado o manifesto-síntese do cubismo por Guillaume Apollinaire. Nele valorizava-se a aproximação das artes: música, pintura, escultura e literatura. É importante ressaltar que Gertrude Stein, em 1913, já havia escrito peças classificando-as como “paisagens” – peças para serem observadas como uma pintura. Por isso é possível relacionar sua maneira de escrever às características cubistas. Para tanto, a artista americana e patrona das artes, Mabel Dodge Luhan – em um ensaio para a primeira exposição internacional de Arte Moderna – Armory Show – nos Estados Unidos, em 1913 – escreveu sobre a escrita hermética de Gertrude Stein:

Em um grande estúdio em Paris, decorado com pinturas de Renoir, Matisse e Picasso, Gertrude Stein está fazendo com palavras o que Picasso está fazendo com a pintura. Ela está impulsionando a linguagem para induzir novos estados de consciência, e fazendo isso a língua torna-se, com ela, uma arte criativa ao invés de um espelho de história (LUHAN, 1913, p.173).[5]

Na peça Four Saints in Three Acts, Stein cria efeitos de múltiplas orientações com o uso dos seguintes recursos: repetições, combinações incomuns entre palavras e falta de pontuação. Ela utiliza pontos finais, mas cria parágrafos sem pontuação nenhuma, fazendo com que o leitor ou falante não tenha indicação definida de pausas ou frases enfáticas. Em relação a isso, Watson (2000) explica:

Stein conceituou teatro como a criação de experiências através de construções de palavras, não representações de experiência passada, anedota, ou enredo. Ela comparou Four Saints a uma paisagem, onde muitos elementos são apresentados simultaneamente (WATSON, 2000, p.45).[6]

Four Saints in Three Acts, publicada na obra Last Operas and Plays (1949), inicia na página 440 e termina na página 480, totalizando 40 páginas. O título sugere a existência de quatro santos e três atos na peça. No entanto, aparecem nomes de mais de sessenta santos e quatro atos nomeados, conforme explica Bowers (2002): “há três primeiros atos, dois segundos atos, dois terceiros atos, e um quarto ato, totalizando oito atos[7]” (BOWERS, 2002, p.135). Sendo assim, a peça não apresenta um número exato de atos seguindo uma sequência tradicional.

A peça foi apresentada pela primeira vez em 1934 no Wadsworth Atheneum museum, em Hartford, Connecticut, nos Estados Unidos. Tratando dessa apresentação, Steven Watson (2000, p.4) aponta: “o libreto não contou uma história coerente, a encenação e os figurinos foram extremamente excêntricos, e a maioria dos versos não teve nenhum sentido aparente.” [8] Essas características mostraram, pela primeira vez na década de 1934, um novo teatro que rompeu com as tradições dramáticas. Watson (2000) continua:

O cenário de celofane, brilhantemente iluminado para evocar um céu pendurado com pedras de cristal, desafiou a comparação com qualquer coisa que o público viu anteriormente. A música era ingênua,  simples e americana demais para uma ópera. No entanto, quando a cortina final caiu, muitos se encontraram presos a lágrimas e severos aplausos. Então eles acharam que não poderiam mais explicar suas reações extravagantes do que poderiam a ópera que tinham acabado de ver (WATSON, 2000, p.4).[9]

Um estranhamento, mas, ao mesmo tempo, uma sensação diferenciada e instigante parece ter afetado e surpreendido os espectadores, que ficaram deslumbrados diante de uma peça em que até mesmo o título desorganizava. Four Saints in Three Acts apresentava muito mais que quatro santos e mais que três atos. Duas semanas depois a peça foi para a Broadway; também foi comentada em diversas colunas de jornais e em rádios. Segundo Watson (2000, p.7), “Four Saints in Three Acts era ao mesmo tempo um ultraje contra as convenções teatrais e um produto de suas épocas estilosas. Seu sucesso simbolizou a integração do Modernismo.[10]” Four Saints é a única peça de Stein que teve sucesso ainda durante sua vida. Pouco antes da apresentação que levou a peça ao sucesso, ela havia publicado a obra The autobiography of Alice B. Toklas (1933), que se tornou best-seller. De acordo com Collin (2008, p.52), “a partir de 1933, G. Stein tornou-se uma figura pública, e a consagrada apresentação de sua ópera Four Saints in Three Acts (1934), com música de Virgil Thomson, levou-a a uma triunfante turnê como palestrante em 1934-35, nos EUA.”

Para melhor entendermos a linguagem steiniana, podemos observar aqui o início da peça, contendo o título e os seis primeiros versos, seguidos das respectivas traduções realizadas por mim:

FOUR SAINTS IN THREE ACTS

 

1927

 

AN OPERA TO BE SUNG

 

To know to know to love her so.

Four saints prepare for saints.

It makes it well fish.

Four saints it makes it well fish.

Four saints prepare for saints it makes it well well fish it makes
it well fish prepare for saints.

 

 

1ª Tradução – Autoral:

 

QUATRO SANTOS EM TRÊS ATOS

 

1929

 

UMA ÓPERA A SE CANTAR

 

Saber saber te bem querer.

Quatro santos prontos são santos.

Faz disto bem isto.

Quatro santos são disto bem isto.

Quatro santos prontos são santos isto faz disto tão são isto faz disto tão são prontos pra santos.

 

 

2ª Tradução – Literal:

 

QUATRO SANTOS EM TRÊS ATOS

 

1927

 

Uma ópera PARA SER cantaDA

 

Conhecer conhecer paraamá-la muito.

Quatro santos preparam para santos.

Isto faz isto bem peixe.

Quatro santos isto faz isto bem peixe.

Quatro santos preparam para santos isto faz isto bem bem peixe isto faz
isto bem peixe preparam para santos.

 

Uma possível tradução autoral do primeiro verso “To know to know to love her so” poderia ser: “Saber Saber para amá-la assim”, trocando as rimas “know – know – so”, pela aliteração em ‘s’. Na primeira tradução aqui realizada temos no primeiro verso: “Saber Saber te bem querer” e na segunda tradução: “Conhecer conhecer para amá-la muito”. A tradução autoral é uma tradução crítica e criativa, de acordo com os irmãos Campos, que possibilita diversas escolhas de como traduzir, mas que não ultrapassam o limite do conteúdo e forma do texto de partida. O que quero mostrar é que as duas traduções: “Saber Saber para amá-la assim” e “Saber Saber para te bem querer” são válidas para essa peça, tornando-se uma opção do tradutor escolher qual verso vai utilizar, pois ambos trazem perdas e ganhos.

Percebemos isso na tradução do primeiro verso para “Saber saber para amá-la assim”, onde foram recuperados o ritmo e a melodia, não causando uma alteração no significado das palavras que fizesse se perder totalmente o sentido do verso, assim como ocorre no verso “Saber saber te bem querer”, mas neste foi mantida a mesma categoria poética utilizada na peça de Stein, a rima entre três verbos. Na primeira tradução temos “saber – saber – querer”. Na segunda tradução – a tradução literal – do primeiro verso: “Conhecer conhecer para amá-la muito”,  ganha-se mantendo o significado das palavras, mas perde-se uma das características principais da peça que é a sonoridade, por ser uma ópera – um texto escrito como uma poesia e para Paulo Henriques Britto “a poesia não pode (ou não deve) ser propriamente traduzida, mas sim recriada, ou imitada, ou parafraseada, ou transpoetizada” (BRITTO, 2012, p.119). Esse é o pensamento da recriação de Haroldo de Campos, da transcriação, ou seja, de uma tradução igualmente crítica e criativa e não propriamente de uma tradução literal.

Já nos primeiros versos da ópera percebemos os jogos com combinações de palavras que se repetem e rimam; que se movimentam dando a noção de continuidade – características do presente contínuo steiniano. No segundo verso “Four saints prepare for saints.” temos a combinação “Four saints – for saints” que sonoramente forma uma repetição e a ambiguidade do sentido devido à mesma pronuncia de “four” e “for”. Na segunda tradução: “Quatro santos preparam para santos.” perde-se essa ambiguidade. Como no português não temos como “brincar” com a palavra “quatro” e “para” da mesma maneira que no inglês. Na primeira tradução o segundo verso ficou: “Quatro santos prontos são santos.”; continua-se com a aliteração em ‘s’ e a ambiguidade passa à palavra “são” – que pode ser o verbo ou o substantivo, como em “São Chavez”, “São Fundamento” e “São Plano”, na tradução que Augusto de Campos realizou e apresentou em sua obra O Anticrítico (1986).

Nos próximos versos nota-se claramente a ideia que Gertrude Stein tinha de um jogo de palavras em liberdade. Nos versos 3 e 4: “It makes it well fish. / Four saints it makes it well fish.” essa combinação “well fish” não é literal; pode até ser uma brincadeira com “selfish” – “egoísta” ou “elfish” – “travesso – brincalhão” e, de fato, é uma brincadeira com as palavras. Na segunda tradução dos versos 3 e 4 temos: “Isto faz isto bem peixe.” / Quatro santos isto faz isto bem peixe.” Essa brincadeira com “well fish” é perdida; “bem peixe” não lembra o significado de uma única palavra e apesar de manter o significado de cada palavra individualmente, perde-se muito na sonoridade; optou-se então em preservar a melodia do texto na primeira tradução: “Faz disto bem isto.” / “Quatro santos são disto bem isto.”. E nos versos 5 e 6 Stein brinca com repetições de palavras de versos anteriores, juntando-as como se fosse montar um quebra-cabeça. É o presente contínuo de Gertrude Stein: “Four saints prepare for saints it makes it well well fish it makes” / “it well fish prepare for saints.” Na primeira tradução essa brincadeira com as palavras continuou com “são” – duplo sentido, substituindo a brincadeira com “well fish”, estabelecendo um equilíbrio, tentando quando perder em um ganhar em outro: “Quatro santos prontos são santos isto faz disto tão são isto faz” / “disto tão prontos pra santos.” Na segunda tradução a brincadeira se perde e não se ganha em outra, nem as palavras constroem um sentido para justificar uma tradução literal:  “Quatro santos preparam para santos isto faz isto bem bem peixe” / “isto faz isto bem peixe preparam para santos.”

Apesar dessas características do texto steiniano, sua linguagem não pode ser considerada inacessível; algumas palavras são facilmente reconhecidas; a maioria das frases forma períodos curtos e, apesar de formarem combinações incomuns quanto ao uso convencional da gramática, as palavras estão ali, para serem reconhecidas dentro ou fora de contexto, pois as peças de Stein não contam algo que está acontecendo, mas são os acontecimentos. É por isso que, na obra Mama Dada (2005), Sarah Bay-Cheng afirma que o teatro de Gertrude Stein merece consideração tanto para a leitura quanto para o palco e afirma que suas peças possuem uma lógica interior bem como uma progressão dramática na qual Stein trabalha continuamente sua visão de modernidade e modernismo. Podemos compreender essa lógica interior dos textos steinianos através de suas palavras, combinações de palavras, frases e parágrafos, pois em seu teatro é o texto que é representado e que cria uma paisagem em que tudo está contido em seu inteior. Gertrude Stein (1998, p.268), em relação à peça Four Saints diz: “todas essas coisas poderiam ter sido uma história, mas como uma paisagem elas apenas estavam lá, e uma peça apenas está lá. Isto é pelo menos o jeito que eu me sinto quanto a isso.[11]”

 

REFERÊNCIAS:

 

BAY-CHENG, Sarah. Mama Dada: Gertrude Stein’s Avant-Garde Theater. New York: Taylor & Francis e-Library, 2005.

 

BOWERS, Jane Palatini. The Composition that all the World Can See: Gertrude Stein’s Theater Landscapes. In: Land / Scape / Theater. Edited by Elinor Fuchs and Una Chaudhuri. Michigan: University of Michigan, 2002.

 

BRADBURY, Malcolm. Modernismo: guia geral 1890 – 1930. Tradução de Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

 

BRITTO, Paulo Henriques. A tradução literária. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012.

 

CAMPOS, Haroldo de. Metalinguagem e outras metas: ensaios de teoria e crítica literária. São Paulo: Perspectiva, 2010.

CAMPOS, Augusto de. O anticrítico. São Paulo: Companhia das Letras, 1986.

 

COLLIN, Luci. A rosa sendo uma rosa – Gertrude Stein e a reinvenção da linguagem. In: PRZYBYCIEN, Regina e GOMES, Cleusa (orgs). Poetas mulheres que pensaram o século XX. Curitiba: Editora UFPR, 2008.

GAY, Peter. Modernismo – o fascínio da heresia: de Baudelaire a Beckett e mais um pouco; tradução de Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

 

GOODY, Alex. Modernist Articulations: A cultural study of Djuna Barnes, Mina Loy and Gertrude Stein. New York: Palgrave Macmillan, 2007.

 

LUHAN, Mabel Dodge. Speculations or Post-Impressionism in Prose. New York: Adam Budge, 1913.

 

O’NEILL, Eugene. Estranho Interlúdio. Tradução e apresentação de Alípio Correia de Franca Neto. São Paulo: Edusp, 2010.

 

RYAN, Betsy Alayne. Gertrude Stein’s Theatre of the Absolute. Illinois: University of Illinois, 1980.

 

STEIN, Gertrude. Writings 1932 – 1946. New York: The Library of America, 1998.

 

__________. Geography and Plays. Introduction by Cyrena N. Pondrom. Madison: University of Wisconsin Press, 1993

 

__________. Last Operas and Plays. Edited by Carl Van Vechten; with an introduction by Bonnie Marranca. New York: Rinehart, 1949.

 

__________. Picasso. London: B. T. Batsford, 1938.

 

SZONDI,Peter. Teoriadodramamoderno[18801950]. Tradução de Luiz Sérgio Rêpa. São
Paulo: Cosac & Naify, 2001.

 

WATSON, Steven. Prepare for saints: Gertrude Stein, Virgil Thomson, and the mainstreaming of American modernism. New York: Random House, 2000.

 

[1] A partir daqui, todas as citações foram traduzidas por mim: “modernity and its effects can be seen as the denaturalisation of existence and experience, the unseating of the sovereign rational subject, and the production in and of intensitive desires.”

 

[2] “linguistic-poetic innovator.”

[3] With her use of hermeticism, non-logical expression, simple words, and monotonous sentence structure, these techniques keep the spectator’s attention rooted to the theatrical experience in itself and avoid losting it to the alternate reality of fiction. They create an absolute theatre; one which posits its own being as its ultimate reality.

 

[4] When I was in America I for the first time travelled pretty much all the time in an airplane and when I looked at the earth I saw all the lines of cubism made at a time when not any painter had ever gone up in an airplane. I saw there on the earth the mingling lines of Picasso, coming and going, developing and destroying themselves, I saw the simple solutions of Braque, I saw the wandering lines of Masson, yes I saw and once more I knew that a creator is contemporary, he understands what is contemporary when the contemporaries do not yet know it, but he is contemporary and as the twentieth century is a century which sees the earth as no one has ever seen it, the earth has a splendor that it never has had.

 

[5] In a large Studio in Paris, hung with paintings by Renoir, Matisse and Picasso, Gertrude Stein is doing with words what Picasso is doing with paint. She is impelling language to induce new states of consciousness, and in doing so language becomes with her a creative art rather than a mirror of history.

 

[6] Stein conceptualized theater  as the creation of experience through word constructions, not representations of past experience, anecdote, or plot. She likened Four Saints to a landscape, where many elements are presented simultaneously.

[7] “but there are three first acts, two second acts, two third acts, and a fourth act, making a total of eight acts.”

[8] “the libretto told no coherent story, the staging and costumes were deeply eccentric, and most of the lines made no apparent sense.”

[9] The cellophane set, brilliantly lit to evoke a sky hung with rock crystal, defied comparison to anything the audience had ever seen. The music was too naïve, too simple and too American for an opera. Yet when the final curtain fell, many found themselves caught between tears and wild applause. Later they found that they could no more explain their extravagant reactions than they could the opera they had just seen.

 

[10] “Four Saints in Three Acts was both an outrage against theatrical convention and a product of its stylish times. It success epitomized  the mainstreaming of modernism.”

 

[11] “All these things might have been a story but as a landscape they were just there and a play is just there. That is at least the way I feel about it.”

 

* Mestre em Estudos da Tradução pela Universidade Federal de Santa Catarina – orientadora: Prof.ª Dr.ª Dirce Waltrick do Amarante.