Paper Macbeth rumo a Vigo – Dirce Waltrick do Amarante

Paper Macbeth rumo a Vigo

Dirce Waltrick do Amarante*

A peça Paper Macbeth, vencedora do Cultura Inglesa Festival, em 2010,
logo partirá para Vigo, Espanha. Trata-se a peça de uma adaptação de Macbeth, de William Shakespeare, concebida por Sassá Moretti e Aline Maciel para teatro de bonecos, de objetos e de sombras.

Paper Macbeth

Quem assina a direção do espetáculo é Sassá Moretti, que além de possuir uma
longa experiência com teatro de bonecos, é também idealizadora e
coordenadora do Festival Internacional de Teatro de Animação (Fita
Floripa), que acontece desde 2007 em Florianópolis e em outras cidades do
Estado.

Em Paper Macbeth (Macbeth de papel), como o próprio título sugere, os
personagens e parte do cenário são feitos de papel. O papel por isso
tem uma importância simbólica fundamental nesta montagem.

Em “O papel ou eu, os senhores sabem…”, o filósofo francês Jacques
Derrida afirma que “o papel é um corpo-sujeito ou um corpo substância, uma
imóvel e impassível superfície subjacente aos traços que viriam afetá-la de fora, […]”.

Poder-se-ia dizer que o papel, em Paper Macbeth, representa de certa
forma o caráter de Macbeth, um personagem cujos “traços de fora” — as
previsões das bruxas e os conselhos de sua mulher — lhe dão vida, o incitam e o afetam.

Já os atores-manipuladores desta adaptação shakespeareana seriam aqueles
que, mesmo estando “fora” da cena, animam/afetam o papel.

Quanto aos mensageiros e às bruxas, o papel aludiria, nesta ousada
montagem, aos “poderes de um porta-voz”, como diz Jacques Derrida.

Há que se recordar ainda que o papel,
antes de ser — ou deixando de ser — o “suporte de escrita”, se presta a qualquer outro uso, exatamente como acontece em Paper Macbeth, que usa o papel não só para a confecção de bonecos, mas também para representar diferentes mídias
(televisão, rádio, jornal).

As múltiplas mídias de que a adaptação de Sassá e Aline se vale
traduziriam a velocidade rítmica original de Macbeth, que, como
afirmamos críticos, segue uma cadência acelerada.

As mídias também representariam as bruxas — “As Estranhas Irmãs Bruxas do Destino, de mãos dadas, viajando a uma enorme velocidade por terras e
mares, andam assim, rodeando e rodeando, volteando e volteando […]” – que andam por aí em alta velocidade distribuindo informações.

Macbeth foi escrita entre 1605 e 1606 e impressa no in-folio em 1623 (há exatos 390 anos) com muitas alterações. O uso do papel e suas metamorfoses ao longo de Paper Macbeth talvez prestem tributo a esse primeiro Macbeth impresso.

Na opinião do escritor inglês Gilbert Keith Chesterton, a grande
“lição” de Macbeth é a seguinte: “desconfia daqueles espíritos malignos que lhe
falam com tanta docilidade. Eles não são espíritos benevolentes; se fossem, provavelmente estariam mais aptos a lhe indicar um rumo”.

Para Macbeth, um covarde febril e egoísta e um alucinado, cuja capacidade de fantasiar é espantosa, as bruxas invocam um esquema coerente e compreensível. O esquema de fala
das bruxas se assemelha à da fofoca, que, como afirma Roland Barthes, “resume e anuncia a história futura. A fofoca é a voz da verdade […], e
essa voz é mágica: a amiga é uma fada má, que aparentando desviar, prediz
e incita.” Na tragédia Shakespereana, as fadas más enlouquecem Macbeth.

Paper Macbeth é um espetáculo que capta com sutileza, inteligência e um olhar contemporâneo o gênio do dramaturgo inglês.

* Professora de Artes Cênicas da UFSC.