Tributo a Marina Abramović – Textos de Bruno Santos, Patrícia Guollo Patricio e Fabrício Gastaldi

Tributo a Marina Abramović

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https://www.youtube.com/watch?v=f0EX3njh2YQ

 

Uma quinta que performou

     Bruno Santos*

 

No dia 20 de novembro, nos corredores e arredores do curso de Artes Cênicas da Universidade Federal de Santa Catarina, um grupo de alunos do próprio curso recriou algumas das célebres performances de Marina Abramovic´.

O tributo à artista durou cerca de 6 horas e contou com seis performances em que em algumas delas os performers se alternavam a cada determinada passagem de tempo. E o que se viu do início até o término delas foram olhares curiosos, questionamentos e muito movimento, como há muito não se via em virtude de alguma apresentação feita pelos alunos.

Entre as performances escolhidas, a que obviamente chamou mais atenção foi “Imponderabilia”, em que na versão original, feita em 1977, Marina e seu marido, Ulay, ficaram nus, um de cada lado da porta de entrada do Mudeu de Arte Moderna de Bolonha. Para entrar na instituição, era preciso passar pelos performers.

Na recriação, os performers ficaram na porta de entrada para as salas do curso de Artes Cênicas. E desde o início provaram que se entre apreciadores da arte a nudez não chama mais a atenção, entre passantes, ela ainda causa um olhar de estranhamento. Risos por parte de quem passava, pessoas se negando a passar pela performance e se obrigando a dar uma volta maior apenas para evitar o contato e muitas, muitas fotos. No início criou-se até uma espécie de plateia, que acompanhava curiosa qual seria a reação de quem teria que entrar no prédio e se deparar com o que estava ocorrendo. Entre os performers, vale destacar a entrega dos deles para a proposta e o esforço necessário para permanecerem durante todo o seu longo tempo de duração em um nível grande de concentração e criação de cumplicidade que era visível no olhar de ambos.

Mas a que mais me tocou como espectador foi uma performance que propunha um casamento entre o trabalho de Marina e o do encenador polonês Tadeusz Kantor, conhecido por sua temática muitas vezes ligada à morte. Numa cama de hospital, um moribundo espera por alguém que tenha compaixão suficiente para sentar-se ao seu lado numa cadeira vazia e ouvir, quem sabe, uma palavra de conforto. Foi a única na qual não consegui interagir, porque a performance, tão intimamente ligada com a vida, foi muito forte e me impediu, por arrebatamento, de chegar para mais perto do performer.

Muito interessante a recriação de “The Lovers”, em que o artista, ao contrário da original, em que Marina após uma longa caminhada pela Muralha da China se reencontrava com Ulay, desta vez segue sozinho, com a premissa de refletir sobre a solidão atual do artista experimental.

Também a recriação de “Nightsea Crossing”, que mais teve troca de performers e se constituía de um performer sentado em frente ao outro, com uma mesa que os separava e só. Seus olhares e mais nada. Essa presença da repetição de um ato, também presente nas demais performances, pode parecer simplista. Mas dentro de um trabalho sério, atinge um outro nível, como bem explica Marina em uma entrevista concedida em 2010 para a Folha de São Paulo:

“Posso dar um exemplo muito simples: pegue uma porta e abra ela constantemente, sem entrar ou sair. Se você faz isso por três, cinco minutos, isso não é nada. Mas se você faz isso por três horas, essa porta não é mais uma porta, ela é um espaço, o Cosmos, se transforma em outra coisa, é transcendente. Em todas as culturas arcaicas, rituais e cerimônias eram repetidas sempre da mesma forma e existe um tipo de energia que fica alocada nessa repetição que afeta também o público. Isso só se consegue em performances de longa duração.”

Sem a desculpa de que o curso de Artes Cênicas da UFSC é novo, a proposta é louvável porque gera movimento em um curso que poucas pessoas se arriscam a abrirem seus processos e mostrarem ao público o que está sendo experimentado. Mesmo não saindo da Universidade, as performances atingiram um público que dificilmente vê trabalhos desse gênero e que após um pequeno estranhamento se viu interessado por uma arte que muitas vezes passa longe do público leigo.

Recriando Marina, os performers recriaram uma quinta-feira que poderia ter sido como outra qualquer, mas que não foi, justo pelo movimento que seus atos causaram. E que aproximaram obra de espectador. Que mais dias assim invadam o cotidiano. Performer, eis o verbo a se conjugar.

* Aluno do curso de Artes Cênicas da UFSC.

 

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Tributo a Marina Abramovi

Bruna Guollo Patricio*

 

Marina Abramovic´ é uma performer que nasceu em 30 de novembro de 1946 na Sérvia (Belgrado). Sua carreira teve início nos anos 70 e se mantém até os dias atuais. Essa artista traz questões que envolvem a relação entre o artista e sua plateia, usando todas as possibilidades e limites do seu corpo.

Uma das artistas mais polêmicas da atualidade, Marina trás em seus trabalhos (performances) imagens fortes, com temas sempre polêmicos, na maioria relacionados ao sexo e aos limites do próprio corpo.

Suas obras sempre trazem o corpo como o meio de comunicação com a plateia, sendo explorado das mais variadas formas físicas e mentais, suportando dor, vergonha, exaustão e extravagando qualquer limite.

No Tributo a Marina Abramovic´ que foi realizado no dia 20 de novembro na UFSC, os alunos reproduziram alguns dos trabalhos dela. Dois deles foram os que mais chamaram a atenção e também são dois dos trabalhos mais famosos de marina: “A Artista está presente” e “Imponderabilia”

A performance de Marina, “A Artista está presente”, foi realizada durante três meses no MOMA em Nova York em 2010. Com apenas uma mesa entre duas cadeiras, a artista sentava de frente para quem quisesse encará-la olho no olho durante o tempo que quisessem. A duração dessa performance foi um total de 736.030 minutos, de acordo com as contas dela.

 

“E não houve história, não houve uma crescente, não houve um desenvolvimento… era apenas sentar-se. E o público tinha a inteira liberdade de ficar ali o quanto quisesse. O curador da exposição me disse que talvez seria apenas uma cadeira na minha frente, na maioria do tempo. Aconteceu que nós batemos o recorde de visitas do museu e, de 850 mil visitantes, 1.750 sentaram-se na minha frente. Sem fim. Houve uma pessoa que ficou sentada ali durante sete horas. Eles esperavam a noite inteira para sentar-se, apenas porque havia algo realmente acontecendo, de uma forma que é quase racionalmente inexplicável.” (Marina Abramovic)

 

Outra performance reproduzida foi “Imponderabilia”, realizada por Marina e seu amado Ulay em 1977.

No geral todas as reproduções na UFSC foram fiéis aos trabalhos dela, trazendo para a Universidade um pedacinho do mundo de Marina Abramovic´. Surpreendendo o público que passava pelo CCE.

 

Marina sobre suas performances:

 

“Posso dar um exemplo muito simples: pegue uma porta e abra ela constantemente, sem entrar ou sair. Se você faz isso por três, cinco minutos, isso não é nada. Mas se você faz isso por três horas, essa porta não é mais uma porta, ela é um espaço, o Cosmos, se transforma em outra coisa, é transcendente. Em todas as culturas arcaicas, rituais e cerimônias eram repetidas sempre da mesma forma e existe um tipo de energia que fica alocada nessa repetição que afeta também o público. Isso só se consegue em performances de longa duração.”

* Aluna do curso de Artes Cênicas da UFSC.

 

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Fruicorpus: Um pensamento em Abramovi

Fabrício Gastaldi*

                       As performances, como verdadeiras emergências estéticas, são transgressões dentro de uma cultura em que o corpo, a partir das convenções vigentes, é alienado de si próprio.

Jorge Glusberg

  

                     Fruicorpus : um pensamento em Abramovi é uma performance idealizada por Fabrício Bogas Gastaldi, inspirada na obra da artista performativa Marina Abramovic´ intitulada The Lovers – The Great Wall Walk.

Em 1988, Ulay e Abramovic´decidiram terminar o seu relacionamento pessoal e artístico com uma performance, a qual se tornou o ponto final lendário de suas colaborações. Anos de negociações com as autoridades chinesas foram necessários para os artistas realizarem “The Lovers: The Great Wall Walk ‘, em que começavam a andar de diferentes extremidades da muralha da China, a fim de encontrar-se no meio e dizer adeus um para o outro. Abramovic´começou a andar do extremo leste do Muro, em Shan Hai Guan, às margens do Mar Amarelo, Golfo de Bohai, caminhando para o oeste. Ulay começou na extremidade ocidental do Muro, em Jai Yu Guan, na periferia sul-ocidental do deserto de Gobi, caminhando em direção ao leste. Depois de ambos caminharem por 90 dias, eles se encontraram em Er Lang Shen, no Shen Mu, na província de Shaanxi.  Eles se abraçaram e partir dali, foram em frente com suas vidas separadamente. “Os Amantes: The Great Wall Walk é considerado o final perfeito da obra comum – também devido a conotações mitológicas e filosóficas da parede da muralha, relacionando-se com os anos de trabalhos realizados em conjunto pelo casal. A performance foi gravada por Murray Grigor para a BBC, que resultou no documentário ‘The Great Wall: Lovers at the Brink’, além de outros documentários.

Tendo o nosso leitor sido esclarecido sobre o objeto inspirador, vamos às considerações sobre Fruicorpus: um pensamento em Abramovic´. Essa performance consiste em uma caminhada de oito horas em torno do bloco de aulas redondo do Centro de Comunicação e Expressão da Universidade Federal de Santa Catarina. O performer caminha pelo bloco redondo e a cada volta faz um risco em uma parede do bloco. Seu corpo é levado à exaustão. Ele carrega consigo uma mala vermelha totalmente vazia e aberta. Veste uma tapa sexo e calça um salto menor que o seu pé. Uma maquiagem que marca apenas um aveludado na pele do rosto e um forte lápis em volta dos olhos. Ao final das oito horas, desenha uma cruz no chão e deita-se, descansando alguns minutos e indo embora.

Não cabe ao artista explicar a sua obra, pois acredita que delas possam emergir inúmeros significados e até mesmo padrões estéticos. Entretanto este breve artigo objetiva trazer à tona algumas reflexões utilizadas na construção desta performance, buscando apenas um diálogo e não meramente uma conceituação da performance em si.

Sendo assim citemos Baudedriller: “A arte contemporânea explora essa incerteza, essa impossibilidade de um juízo de valor estético consistente e especula sobre a culpabilidade dos que nada compreendem disso tudo, ou que não compreenderam que nada havia a compreender”.

Essa impossibilidade de juízo se dá justamente porque esta ramificação da arte considera que cada espectador (seja ele participante ou não) tem uma bagagem diferente. Em outras palavras a significação que aquele sujeito tem depende muito do seu contexto e cultura, podendo inclusive associar esta ou aquela ação de uma maneira totalmente diferente da idealizada pelo artista/performer proponente da ação.

Marina Abramovic´ é uma artista que desde a década de 1970 vem trabalhando e atuando na área de performance. Algumas de suas performances envolvem dor, autoflagelação, exaustão corpórea, o vazio, a nulidade etc. Por isso ela é denominada a grande propulsora da performance no mundo e a qual dedicamos este trabalho inspirado em uma de suas obras.

                                                                                   Neste sentido, as performances realizam uma crítica as situações de vida: a impostura dos dramas convencionais, o jogo de espelhos que envolve nossas atitudes e sobretudo a natureza estereotipada de nossos hábitos e ações. A esta ruputura com os padrões tradicionais do viver(que também implicam uma denuncia) se justapõe uma ruptura aos códigos do teatro e da dança, que estão longe de serem estranhos a arte da performance[1].

 

[1] A arte da performance / Jorge Glusberg; [tradução Renato Cohen]. – São Paulo : Perspectiva, 2013. – (debates ; 206 / dirigida por J. Guindburg ). Pag72.

* Aluno de Artes Cênicas da UFSC