Mulheres — Juliana Schiavo

Mulheres

Juliana Schiavo*

Mulher de cinza: Você possui, hoje, aquilo que um dia eu tive e eu espero que saiba a sorte que tem. O quanto eu gostaria de estar na sua pele. (Mulher de rosa olha levemente para trás, curiosa) De tê-lo ao meu lado. Ver seu sorriso tímido perto dos meus amigos histéricos. Sentir suas mãos me puxando junto a ele só pra me aquecer. (Mulher de rosa começa a ficar desconfortável) Passar o fim de semana inteiro sem sair de casa, pra ficar com ele, juntinho, em baixo das cobertas e comendo bobeiras. Queria poder estar de mãos dadas com ele e, no meio daquele filme de terror, vê-lo rir com o canto da boca, por saber quando eu vou me assustar. (Mulher de rosa sai na direção oposta da Mulher de cinza, para livrar-se dela. Mulher de cinza corre e para em frente a ela) No entanto, esse agora é o seu posto. (Mulher de cinza vai falando e andando em direção a Mulher de rosa, que vai caminhando para trás) É você que tem que saber que a medida do chocolate dele são duas de Nescau pra uma de açúcar e que, se você colocar menos açúcar, ele vai notar. Saiba também que, quando não tiverem nada pra fazer, embora ele se prontifique pra assistir aquele filme chato com você, ele espera é que você peça pra jogar vídeo game. Se ele um dia estiver trabalhando exaustivamente, é só ficar de fio dental e a atenção será sua. Ele vai odiar ouvir suas fofocas sobre a vida alheia, mas, se deixar de contá-las, ele sentirá falta. Quando tomarem banho juntos, ele vai brincar de fazer moicano com o shampoo e vai jogar água na sua cara. Isso porque você é dele agora. (Param de andar) E um dia, você, toda romântica, vai comentar sobre a lua, e ele vai se calar. (Mulher de cinza pega na mão de Mulher de rosa e a olha nos olhos) Não é porque pensa no que diz. Mas porque pensa nela. E você, é só mais uma. (Mulher de rosa se desvencilha dela) E se por acaso um dia ele parar de te olhar nos olhos, não é o stress. É a falta de coragem de olhá-la com respeito. É o medo de que seus olhos transbordem o amor que não sente por você. (Mulher de rosa olha com cara de deboche para Mulher de cinza) E você pode me dizer que nada do que digo faz sentido e que se ele almeja tê-la ao lado é porque te ama, sim, claro! Mas você sempre saberá: quando a pausa for longa, o suspiro demorado, o olhar vago, a voz rouca e o trato seco: não é porque você fez algo errado. O erro foi dele. De tê-la perdido. De ter a deixado ir. O rombo que ele fez no coração dela, cicatrizou, talvez o seu também cicatrize. Mas a ferida que fez em si mesmo, por orgulho, jamais cicatrizará. Enquanto pra ela, ele foi mais um. Pra você, por insistência, incredibilidade e talvez até mesmo fé, ele vai ser o homem. Mas nunca será recíproco. (Mulher de Cinza pega uma flor de dentro do casaco, entrega para Mulher de rosa e sai. Mulher de rosa permanece estática e visivelmente abalada)

*Aluna do Curso de Artes Cênicas da UFSC