MOYA CANNON – POEMAS – Tradução de Luci Collin

MOYA CANNON – POEMAS 

                                                         Tradução de Luci Collin

 

A poeta irlandesa Moya Cannon nasceu em Dunfanaghy, no condado de Donegal, em 1956. Em Dublin ela graduou-se em História e Política e, em Cambridge, Inglaterra, obteve um Mestrado em Relações Internacionais. Tem, até o presente momento, cinco coletâneas de poesia publicadas: Oar (1990); The Parchment Boat (1997); Carrying the Songs (2007); Hands (2011) e Keats Lives (2015). A qualidade de sua obra vem sendo reconhecida não apenas na Irlanda, mas também internacionalmente. Oar, seu primeiro livro, venceu o prestigioso Prêmio Brendan Behan Memorial. Em 2001, recebeu outra premiação de destaque, o Laurence O Shaughnessy Award. Já em 2004 foi eleita para a Aosdána, a mais importante afiliação de artistas da Irlanda. Seus poemas exploram uma variedade de temas como a relação entre música e literatura, o mundo natural, a interrelação entre os seres sencientes e não-sencientes e, principalmente, os flagrantes poéticos do cotidiano.

 

Moya Cannon

 

Eagles’ Rock

 

Predators and carrion crows still nest here,

falcons, and this pair of ravens

that I first heard when I reached the cairn

and noticed a narrow skull among the stones.

 

Here, further east at the cliff,

their wing-tips touch the rock below me,

and leave,

and touch again.

 

Black as silk, they know their strong corner of the sky.

They circle once

and once

and once

and once again and soar out

to sweep their territory of bright grey hills.

 

There are green slashes down there,

full of wells and cattle,

and higher places, where limestone, fertile,

catacombed, breaks into streams and gentians.

 

Predators have nested here in late winter,

have swung against this face –

feather arrogant against stone –

long enough to name it.

 

Once Colman, the dove saint,

lived under this cliff,

left us his oratory, his well,

and his servant’s grave.

 

The eagles are hunted, dead,

but down among the scrub and under the hazels

this summer’s prey tumbles already

out of perfect eggs.

 

 

Pedra da Águia

 

 

Predadores e carniceiros ainda fazem ninhos aqui,

falcões e este casal de corvos

que ouvi assim que cheguei ao dólmen

e notei um crânio estreito entre as pedras.

 

Aqui, mais a leste no penhasco,

as pontas de suas asas tocam a rocha abaixo de mim,

e saem,

e tocam de novo.

 

Negros como seda, conhecem sua área delimitada do céu.

Circulam uma vez

e uma vez

e uma vez

e uma vez mais e planam ao longe

a varrer seu território de colinas cinza brilhante.

 

Há recortes verdes lá embaixo,

cheios de poços e de gado,

e lugares mais altos, onde o calcário, fértil,

sepultado, irrompe em córregos e gencianas.

 

Predadores fizeram ninho aqui no fim do inverno,

num vaivém contra esse paredão –

a soberba emplumada contra a pedra –

tempo o bastante para dar nome a ela.

 

Um dia Columbano, o santo da pomba,

viveu sob este penhasco,

deixou-nos sua capela, seu poço,

e o túmulo de seu criado.

 

As águias são caçadas, mortas,

mas embaixo entre os arbustos e sob as aveleiras

a presa deste verão já se contorce

para fora dos ovos perfeitos.

 

 

 

Yesterday I Was Listening on the Ipod

 

 

to Vivaldi’s cello concerto –

so I did not hear the helicopter land

below in the hospital yard

or see them carrying in two stretchers.

 

Two hours earlier, a young woman,

half my age,

had fallen into the Atlantic with her son.

A long, long fall from the cliff top –

in a car crash the bonnet crumples so slowly –

I wonder if time slowed down for them

as they plummeted past layers of limestone,

layers of mudstone,

layers of the earth’s time?

 

I wonder what terrors had flayed her,

whether they cried out to the fleeing earth,

whether she held him in her arms,

or by the hand,

and I wonder whether

some strong-winged angel

caught them both by the wrist

as they entered the tide at the cliff’s foot,

whether there was light and music

to meet them –

 

and, if not, I wonder

whether Vivaldi’s music can be

a bright bridge to nowhere;

or whether all of us can be

falling down time’s long cliff,

each of us alone,

with all our fears in our arms.

 

 

 

Ontem eu estava escutando no Ipod

 

 

o concerto de violoncelo de Vivaldi –

então não ouvi o helicóptero pousar

lá em baixo no pátio do hospital

nem os vi transportando duas macas.

 

Duas horas antes, uma mulher jovem,

com metade da minha idade,

tinha caído no Atlântico com seu filho.

Uma queda longa, longa, do topo do penhasco –

em um acidente de carro o capô amassa tão devagar –

será que o tempo desacelerou para eles

enquanto despencavam para além das camadas de calcário,

camadas de xisto argiloso,

camadas de tempo da terra?

 

Pergunto-me que terrores a fustigaram,

se eles clamaram, aos gritos, à  terra que sumia,

se ela o segurou em seus braços,

ou pela mão,

e me pergunto se

algum anjo de asas fortes

os agarrou, a ambos, pelo pulso

quando entraram na água na base do penhasco,

se havia luz e música

a esperá-los –

 

e, se não havia, me pergunto

se a música de Vivaldi pode ser

uma ponte luminosa para lugar nenhum;

ou se todos nós podemos estar

despencando pelo longo penhasco do tempo,

cada um de nós sozinho,

com todos os nossos medos nos braços.

 

 

 

 ‘Taom’

 

The unexpected tide,

the great wave,

uncontained, breasts the rock,

overwhelms the heart, in spring or winter.

 

Surfacing from a fading language,

the word comes when needed.

A dark sound surges and ebbs,

its accuracy steadying the heart.

 

Certain kernels of sound

reverberate like seasoned timber,

unmuted truths of a people’s winters,

stirrings of a thousand different springs.

 

There are small unassailable words

that diminish Caesars;

territories of the voice

that intimate across death and generation

how a secret was imparted –

that first articulation,

when a vowel was caught

between a strong and a tender consonant,

when someone, in anguish

made a new and mortal sound

that lived until now,

a testimony

to waves succumbed to

and survived.

 

Taom: Gaelic: an overflowing, usually in the context of a great wave of emotion.

‘Taom’

A maré inesperada,

a grande onda,

incontida, confronta a rocha,

inunda o coração, na primavera ou no inverno.

 

Emergindo de uma língua esmaecida,

a palavra vem quando necessária.

Um som escuro avança e reflui,

seu esmero estabiliza o coração.

 

Certos núcleos de som

reverberam como madeira sazonada,

verdades não silenciadas dos invernos de um povo,

centelhas de mil primaveras diferentes.

 

Há pequenas palavras incontestáveis

que diminuem Césares;

territórios da voz

que revelam através da morte e da geração

como um segredo foi transmitido –

aquela primeira articulação,

quando uma vogal foi apreendida

entre uma consoante forte e uma suave,

quando alguém, na angústia

fez um som novo e mortal

que viveu até agora,

um testemunho

às ondas que sucumbiram

e sobreviveram.

 

Taom: Gaélico, irlandês: um transbordamento, usualmente no contexto de uma grande onda de emoção.

 

After the Burial

 

They straightened the blankets,

piled her clothes onto the bed,

soaked them with petrol,

then emptied the gallon can

over the video and tape recorder,

stepped outside their trailer,

lit it, watched until only the burnt chassis was left,

gathered themselves

and pulled out of Galway.

 

Camped for a week in Shepherd’s Bush,

then behind a glass building in Brixton,

he went into drunken mourning for his dead wife,

while their children hung around the van,

or foraged in the long North London streets

among other children, some of whom also perhaps understood,

that beyond respectability’s pale,

where reason and civility show their second face,

it’s hard to lay ghosts.

 

Depois do Funeral

 

Eles alisaram os cobertores,

empilharam as roupas dela na cama,

embeberam-nas em gasolina,

então esvaziaram o galão

sobre o gravador de vídeotape,

sairam do seu trailler,

acenderam, assistiram até que só restou o chassi queimado,

se reuniram

e se mandaram de Galway.

 

Acamparam por uma semana na Mata do Pastor,

então atrás de um edifício de vidro em Brixton,

ele entrou num luto etílico pela esposa morta,

enquanto seus filhos zanzavam em volta do furgão

ou buscavam comida nas longas ruas do norte de Londres

entre outras crianças, algumas das quais talvez também entendessem

que além do limite da respeitabilidade,

onde razão e civilidade mostram seu segundo rosto,

é difícil enterrar fantasmas.

 

 

Hills

 

My wild hills come stalking.

Did I perhaps after all, in spite of all,

try to cast them off,

my dark blue hills,

that were half the world’s perimeter?

Have I stooped so low as to lyricise about heather,

adjusting my love

to fit elegantly

within the terms of disinterested discourse?

 

Who do I think I’m fooling?

I know these hills better than that.

I know them blue, like delicate shoulders.

I know the red grass that grows in high boglands

and the passionate brightnesses and darknesses

of high bog lakes.

And I know too how,

in the murk of winter,

these wet hills will come howling through my blood

like wolves.

 

 

Colinas

 

Minhas colinas selvagens me seguem.

Será que eu, afinal de contas, apesar de tudo,

tento descartá-las,

minhas colinas azul escuras,

que eram metade do perímetro do mundo?

Me rebaixei a ponto de ser lírico sobre a urze,

ajustando meu amor

para que caiba com elegância

nos termos do discurso desinteressado?

 

Quem penso estar enganando?

Conheço essas colinas mais do que isto.

Eu as conheço azuis, como delicados ombros.

Conheço a grama rubra que cresce nos pântanos altos

e as passionais claridades e escuridões

dos lagos pantanosos.

E também sei como,

no negror do inverno,

essas colinas úmidas virão uivando pelo meu sangue

como lobos.

 

 

Death,

 

the breath heavy and short –

a labour, mucky as birth.

 

My mother, at almost ninety,

must run a marathon.

 

Three weeks ago,

she made her last pithy retort;

three days ago, she ate a sliced strawberry;

today she cannot drink a sip –

we have pink sponges on sticks to wet her lips.

 

We, her greying brood, have arrived

in cars, by train, by plane.

Her room is full of stifled mobile phones.

 

Death’s is a private country,

like love’s.

 

A morte,

 

a respiração pesada e curta –

um trabalho, vil como o nascimento.

 

Minha mãe, com quase noventa,

deve correr uma maratona.

 

Três semanas atrás,

ela fez sua última objeção incisiva;

três dias atrás, comeu um morango fatiado;

hoje ela não consegue beber um gole –

com esponjas rosadas numa haste molhamos seus lábios.

 

Nós, sua ninhada grisalha, chegamos

em carros, de trem, de avião.

Seu quarto está cheio de celulares desativados.

 

É íntimo o território da morte,

como o do amor.