Uma tradução para a limerick, de Edward Gorey – Angélica Micoanski

Uma tradução para a limerick, de Edward Gorey

Angélica Micoanski*

 

Edward Gorey

Edward Gorey

 

Edward Gorey escreveu e ilustrou mais de cinquenta livros. Sua escrita apresenta características do gênero Nonsense que, de acordo com Wim Tigges (1980), é um balanço entre a presença e a ausência de sentido. Um dos livros do escritor é intitulado: A Limerick, o qual faz referência a um gênero textual comumente escrito por Edward Lear que, junto a Lewis Carroll, fizeram nascer o Nonsense, na Era Vitoriana. Por isso, antes de apresentar e estudar o limerique[1] de Gorey, pretende-se descrever e expor algumas características dos limeriques de Edward Lear.

Lear publicou um livro chamado A book of Nonsense, composto por 36 poemas que foram denominados Limeriques (limerick). Essa denominação, conforme afirma Myrian Ávila (1995), foi posterior à Lear; o autor chamava seus poemas apenas de “nonsenses”. Segundo Dirce W. do Amarante, “[…] ninguém sabe ao certo o porquê dessa denominação” (AMARANTE, 2012, p. 56).

Segundo Ávila (1995), o limerique é uma poesia compacta muito comum para o leitor inglês, mas não para o leitor brasileiro, que “[…] mesmo que seja capaz de reconhece-la, dificilmente estará consciente da carga cultural que a acompanha” (ÁVILA, 1995, p. 64).

A pesquisadora também afirma que os limeriques são um tipo de piada rimada, na qual o último verso apresenta uma ponte que cause riso. Todavia, nos limeriques de Lear, o último verso ecoa o que foi dito no primeiro. Há quem diga que seus poemas não são limeriques por causa dessa diferença. No entanto, já que o termo surgiu posteriormente, Lear é considerado um “[…] transgressor dessa tradição” (ÁVILA, 1995, p.65).

Os limeriques de Lear apresentam rimas AABBA, da mesma forma que são compostos por quatro ou cinco versos, variando conforme disposição gráfica, com ritmo composto de “[…] dois versos de três pés cada, seguidos de um verso de quatro pés (que a rima interna torna desdobrável em dois versos de dois pés) e por fim mais um verso de três pés” (ÁVILA, 1995, p. 65). Além do ritmo e das rimas, outro elemento é importante para a composição dos limeriques de Lear: concisão. A narrativa presente no poema é concisa e apresenta apenas o que é essencial.

Similar a Lear, Edward Gorey também escreveu um limerique com uma narrativa concisa que conta a história de um pequeno chamado Zooks, de quem outras crianças não gostavam e, por isso, o atiravam para cima, tão longe que passava pela igreja onde se encontrava o presbítero, para cair num lago cheio de vitórias-régias.

Ainda, nos limeriques de Lear, o último verso retoma o primeiro. Diferentemente, no limerique escrito por Gorey, o primeiro verso não é retomado, ele conclui a narrativa. Quanto às rimas, o limerique de Gorey mantém rimas AABA, e seus versos podem ser lidos no mesmo ritmo citado por Myrian Ávila (1995).

A última palavra do primeiro verso (fond) rima com a última palavra do segundo verso (beyond), e também do último verso (pond). Da mesma forma, existe uma rima interna no primeiro e no segundo versos, com as palavras Zooks e roof. Outrossim, no terceiro verso, é possível notar que os termos trajectory e rectory também apresentam rima. Ainda no terceiro verso, é possível notar que existe uma cesura, algo comum nos limeriques. Essa cesura acontece após a palavra trajectory, o que resultaria na sensação de existência de dois versos menores, em vez de um. Outrossim, é possível notar que existem aliterações e assonâncias, que colaboram com a sonoridade da poesia, com as repetições de alguns sons de vogais, ou de consoantes.

Além disso, é interessante destacar as ilustrações que acompanham cada verso do limerique, dado que foram feitas pelo próprio Gorey e que seus desenhos complementam o texto escrito, carregando ainda mais informações do que os versos. Por isso, antes de observar a tradução do texto, segue o limerique escrito e ilustrado por Gorey:

angelica

Como se pode notar, as ilustrações em preto e branco de Gorey carregam muitos detalhes e informações que não estão presentes nos versos, complementando o conteúdo semântico presente no limerique. É interessante observar que algumas características do Nonsense se fazem presentes, não na forma, mas na informação apresentada nos versos, pois o autor narra um menino sendo atirado numa distância longa e impossível, na realidade. O Nonsense, neste caso, encontra-se na narrativa, na ação apresentada, que pode causar estranheza ao leitor.

No último verso é possível perceber uma brincadeira com as palavras no termo lily-choked, pois lily é o nome utilizado para designar diferentes espécies de flores da família da Liliácea, não sendo uma flor específica, poderia se referenciar à vitória-régia, que em inglês é: waterlily, ou ao lírio (lily), entre outras. Levando em consideração que na ilustração as flores estão em um lago, elas representam as vitórias-régias. Além disso, o texto informa que o lago está lily-choked, adicionando o adjetivo choked, que, neste caso, traz a ideia de que o lago está cheio de vitórias-régias.

A partir desta breve análise sobre o limerique de Gorey, pretende-se sugerir uma tradução para o texto tentando recuperar alguns elementos, como as rimas AABA, a cesura no terceiro verso, algumas rimas internas, e a presença de repetições de sons que resultam em aliterações e assonâncias. Conforme afirma Paulo Henriques Britto, o tradutor deve:

“[…]pensar: já que não posso recriar todas as características do original, tenho que ser seletivo, e me fazer duas perguntas. A primeira é: quais características mais importantes do texto, que devo tentar recriar de algum modo? E a segunda: quais características do texto original que podem de algum modo ser recriadas?”. (BRITTO, 2012, p. 50, grifo do autor).

Sendo assim, ao fazer essa reflexão, optou-se recriar, de algum modo, as rimas, as assonâncias e aliterações, e a invenção de palavras, além de manter a ideia geral do texto. No caso do limerique ser uma narrativa concisa, pretende-se recriar, na língua de chegada, essa narrativa. Todavia, o ritmo não foi preservado.

Primeiramente, segue uma tabela com o texto de partida à esquerda, e com a sugestão de tradução à direita. Em seguida, alguns comentários sobre as escolhas tradutórias realizadas.

 

A LIMERICK UM LIMERIQUE
Little Zooks, of whom no one was fond, Zuques petiz, que não era estimado,
They shot towards the roof and beyond; Foi atirado pra cima e pro lado;
The infants trajectory passed him over the rectory, O passeio ligeiro passou sobre o mosteiro,
And into a lily-choked pond E caiu bem no lago, de flores forrado

 

A começar pelo título, quem no texto fonte é A Limerick, no texto de chegada optou-se por “Um Limerique”, lembrando que o termo “limerique” é uma domesticação de limerick, além de que essa domesticação já é utilizada por Myrian Ávila e por Dirce W. do Amarante.

Em se pensando na forma, as rimas foram recuperadas e continuam sendo AABA, pois o primeiro verso termina com a palavra “estimado” que rima com “lado”, do segundo verso. O terceiro verso termina com a palavra mosteiro, mas o quarto verso, que se encerra com o adjetivo “forrado”, é possível perceber que rima com os dois primeiros versos.

Quanto às rimas internas, no texto de partida, Zooks, no primeiro verso, rima com roof, no segundo verso. Essa recriação se deu em dois momentos, no texto de chegada, pois no segundo verso o verbo “atirado” rima com o adjetivo “estimado”, do verso anterior, e rima também com “lado”, do mesmo verso. O mesmo ocorre no último verso, com o adjetivo “forrado” que rima com a palavra “lago”.

A cesura que pôde ser observada no terceiro verso também foi recriada, pois o verso do texto apresenta doze sílabas com a cesura na sexta sílaba fonética, tanto no inglês, quanto no português. Além disso, a rima que aparece nesse verso do texto de partida, com as palavras trajectory e rectory foram recriadas a partir dos termos “ligeiro” e “mosteiro”, no texto de chegada. Ainda, pode-se notar também que existe mais uma rima interna, com a palavra “passeio”.

As aliterações e assonâncias também puderam ser recriadas. No primeiro verso, por exemplo, há repetição dos sons das letras E, e S. No terceiro, o som do S e das vogais EI; e no quarto, com a repetição da consoante F e das vogais A e O.

Quanto ao conteúdo semântico, tentou-se manter a ideia geral do texto de partida, e a característica de narrativa concisa que precisa existir em um limerique. Da mesma forma que o texto em inglês, a tradução fala sobre alguém que foi atirado para longe e que passa sobre um local religioso, para cair num lago. Entretanto, algumas informações foram recriadas.

No primeiro verso, ocorre estrangeirização da palavra Zooks. Tendo em vista que parece ser o nome da criança que é atirada, ele foi recriado, para o texto de chegada, de uma maneira que o som pudesse ser preservado, resultando em “Zuques”. O adjetivo Little, do texto em inglês, foi traduzido como “petiz”, que faz referência à pequeno, ou à criança. A oração no one was fond, foi traduzida como “não era estimado”, que mantém a ideia de que ninguém gostava do pequeno “Zuques”.

No segundo verso, o pronome they se refere as outras pessoas, que atiravam o “Zuque” por não gostarem dele. Nesse, a ideia pôde ser recuperada, mas no texto de partida, o menino é atirado em direção ao teto (roof), e para além (beyond), enquanto que no texto de chegada ele é jogado “pra cima e pro lado”. Tal escolha se deu em colaboração da rima, recuperando a ideia de que eles foram atirados para uma direção determinada, ainda que não seja exatamente a mesma direção citada no texto de partida.

Na tradução do terceiro verso é possível notar a adição do adjetivo “ligeiro”, que não se encontra no texto de partida. Tal adjetivo foi optado para a realização da rima interna e da cesura, pois “ligeiro” rima com a palavra “mosteiro”. Nesse verso, o termo trajectory foi traduzido como passeio. Além do mais, optou-se por “mosteiro” pois é o nome dado ao local onde ficam religiosos, o que recupera a ideia de rectory.

No quarto e último verso, o termo lily-choked sugere que o local estava muito cheio de flores. Na tradução deste verso, foi possível recuperar a ideia de que a criança caiu no lago, e de que o lago estava cheio de flores. Em relação a tradução de lily, poderia-se usar a flor “vitória-régia”, que em inglês seria waterlily, e que é o tipo de flor apresentado na ilustração, que nasce nos lagos. Todavia, o termo “vitória-régia” é uma palavra grande que quebraria a sonoridade do verso. Além disso, no texto de partida, não se especifica o tipo de lily. Sendo assim, para tentar não especificar uma flor, e também tentar criar uma aliteração com o adjetivo “forrado”, optou-se pelo substantivo “flor”, e a ideia de lily-choked, ou seja, de o lago estar cheio daquelas flores, ficou “de flores forrado”.

Dessa forma, foi possível recriar a ideia geral do limerique, informando que o menino foi atirado, que o trajeto era sobre o local onde ficam os religiosos, e que caiu em um lago cheio de flores. Ainda, foi possível recuperar as rimas, e algumas figuras de linguagem. Entretanto, o ritmo não foi preservado, optando-se, nesse caso, por versos livres.

 

 

REFERÊNCIAS

AMARANTE, Dirce Waltrick do. As antenas do caracol: Notas sobre literatura infantojuvenil. São Paulo: Iluminuras, 2012.

 

ÁVILA, Myriam. Rima e Solução:A Poesia Nonsense de Lewis Carroll e Edward Lear. São Paulo: Annablume, 1995.

 

GOREY, Edward. A Limerick. In: Amphigorey Too. New York: Perigee, 1980.

 

TIGGES, Wim. An Anatomy of Literaty Nonsense. Amsterdam: Rodopi, 1988.

 

*Mestre em Estudos da Tradução

 

[1] O termo limerick foi traduzido e é apresentado como “limerique” pelas pesquisadoras Myrian Ávila (1995) e Dirce W. do Amarante (2012).