Poe e o Corvo visitam a Ilha da Magia – Natália Elisa Lorensetti Pastore

Poe e o Corvo visitam a Ilha da Magia

Natália Elisa Lorensetti Pastore*

Edgar Allan Poe, poeta americano do século XIX, imprimia em suas obras mistério, suspense e até o sobrenatural, transpassando ao leitor uma melancolia que também se fez presente em sua vida. Em seu famoso poema, “O Corvo”, o personagem de Poe é atormentado pelas memórias e perda de seu amor, Lenore, quando recebe a visita um tanto quanto inusitada de um corvo falante. Ao descrever o adentrar da madrugada, de uma noite de dezembro gelada, o poeta utiliza de rimas, musicalidade e suspense para instigar o imaginário de seu leitor, o levando a ansiedade de descobrir o que acontecerá em cada um de seus versos.

Muitas são as traduções feitas do poema, sendo que dois grandes nomes da literatura em língua portuguesa, Machado de Assis e Fernando Pessoa, o traduziram para o português brasileiro. Também, o poema foi adaptado para filmes, séries e até histórias em quadrinhos ao redor do mundo, sendo conhecido como uma das maiores obras do poeta. E em diversas de suas adaptações, o teor gótico sempre se fez presente, inclusive na excepcional tradução de Alison Silveira Morais.

Em uma releitura muito bem pensada do poema, o estudante de mestrado da Pós-Graduação em Estudos da Tradução transporta o leitor não só ao momento de terror e suspense na vida do personagem, mas também a uma localidade específica do estado de Santa Catarina. Em determinado momento, enquanto em contato com obras do escritor e folclorista Franklin Cascaes, cuja vida foi dedicada a pesquisar a cultura da ilha de Florianópolis, Morais se sentiu inspirado a trazer para sua tradução de “O Corvo” um retrato único de sua região. Assimilando a contos de Cascaes sobre as bruxas da ilha, o tradutor apresenta marcas fonéticas em seu texto que não deixam dúvidas sobre a representação dos nativos da ilha, os famosos manezinhos.

Sendo ele natural de Florianópolis, o manezinho recria a obra exaltando a sua cultura, mas ainda mantendo os traços clássicos de suspense, rima e imaginário trazidos por Poe. Muitos poderiam pensar que o tradutor foi ousado em sua escolha de modificar a formalidade trazida no poema (natural do registro formal do século XIX), regionalizando um clássico. No entanto, sua abordagem ao adaptar a linguagem poética assemelhando-a a maneira como os nativos da ilha falam se fez com muita fluidez, estimulando a imaginação do leitor para dar vida ao texto na voz de um manezinho e trazendo nova vida ao poema já tão aclamado.

O vocabulário utilizado é original e admirável, onde substituições como as da frase “Deep into that darkness peering, long I stood there wondering, fearing” para “Naquela escureba toda fiquê expreitano, cagado di medo”, ou na famosa resposta do corvo “Nevermore” para “Nunca mági”, e até mesmo o nome da amada “Lenore – Leninha”, exemplificam a engenhosidade na manipulação textual realizada pelo tradutor.

Indubitavelmente, o trabalho realizado por Morais aparenta ter sido árduo e, definitivamente, recompensador. As horas de dedicação para combinar e entrelaçar duas épocas e linguagens resultou em uma tradução admirável, digna de ser apreciada pela Ilha da Magia. “Só isso só, nada máx”.

 

*Mestranda do Programa de Pós-graduação em Estudos da Tradução (UFSC)