Análise da gravação audiovisual da peça “Accumulation with talking plus Watermotor”, de Trisha Brown – Giovana Beatriz Manrique Ursini

ANÁLISE DA GRAVAÇÃO AUDIOVISUAL DA PEÇA ACCUMULATION WITH TALKING PLUS WATERMOTOR, DE TRISHA BROWN

 

Giovana Beatriz Manrique Ursini*

Accumulation with talking plus Watermotor, de Trisha Brown

Accumulation with talking plus Watermotor, de Trisha Brown

https://www.youtube.com/watch?v=4ru_7sxvpY8

INTRODUÇÃO

O presente artigo pretende desenvolver uma análise de uma gravação da coreografia Accumulation with Talking plus Watermotor. O registro que será utilizado como objeto de estudo foi registrado no dia 2 de setembro de 1986 na cidade de Nova Iorque. Essa peça é um solo coreografado e apresentado por Trisha Brown. Mais concretamente, mesmo sendo realizado através de uma coreografia de dança, o estudo terá como foco a obra audiovisual que resultante do registro dessa peça. Portanto, esse estudo terá como base os conceitos de imagem-movimentoidealizados por Gilles Deleuze. Por outro lado, será apresentada a importância do uso da voz para a movimentação em cena e suas relações.

É objetivo desde trabalho fazer um estudo de uma peça desenvolvida pela coreógrafa norte-americana Trisha Brown. Aprofundar no conhecimento da sua forma de dançar através da análise desse objeto. Por resultado, poder ampliar os estudos sobre essa artista pós-moderna em idioma português.

Esse trabalho está organizado em quatro partes. Na parte 1, será feita uma pequena apresentação sobre a obra de Trisha Brown e suas influências. Na parte 2 foi escolhido fazer uma descrição sobre a coreografia que será objeto de análise. Na parte 3 será apresentada a teoria de imagem-movimento de Deleuze. Assim, a teoria será relacionada com a gravação audiovisual por meio de exemplos. Também, será apresentada a importância da voz. Na parte 4, a voz da gravação será estuda como se fosse um objeto de dublagem e então, o foco será no sincronismo entre voz e movimentação.

A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica e análise prática da gravação da pela Accumulation with Talking plus Watermotor. Como teoria, foram utilizados a teoria de Gilles Deleuze, o estudo de Philip Bitter e Peter Eleey sobre Trisha Brown e outros teóricos que se aprofundavam sobre o sincronismo.

 

1 TRISHA BROWN

Como a coreografia escolhida como foco de estudo desse trabalho foi criada pela coreógrafa Trisha Brown é de extrema importância fazer uma pequena introdução sobre as algumas de suas influências e o sobre o seu trabalho.

Trisha Brown é uma coreógrafa e bailarina norte-americana nascida em 25 de novembro de 1936 em Albeerden, Washington.  Brown é reconhecida mundialmente pelo seu estilo próprio na arte da dança que ajudou no desenvolvimento da arte da dança contemporânea. Desde muito nova, Brown foi adepta a prática de atividades físicas. Tanto que ela iniciou os seus estudos na arte da dança aos treze anos de idade: “balé, sapateado, acrobacias e jazz moderno eram ensinados pelo meu professor em Aberdeen, Washington[1]” (BROWN apud SOMMERS, 1972, p.135, tradução minha).  Uma observação importante, é que desde muito cedo em sua carreira artística, Brown sempre tentou conhecer as mais diversas formas de dança. Não se contentando apenas com os elementos da dança clássica.

Durante os anos de 1954 e 1957, Brown realizou graduação em dança na Mills College na Califórnia. Na faculdade, as técnicas que lhe ensinaram foram as presentes na dança moderna. No mesmo período de sua graduação, a coreógrafa realizava outros cursos dança para ampliar o seu vocabulário estético: “Nos períodos de verão [Brown] visitava a Connecticut College onde tinha aulas com Louis Horst, Merce Cunnigham (1919-2009) e José Limón (1908-1972).” (BANANA, 2012, p.30).

Após o término de sua graduação, Trisha foi para Reed College onde organizou um departamento de dança e sua principal função era de lecionar aula de improvisação na dança. Em 1961, Brown participou de um Workshop ministrado por Ann Halprin:

Uma das artistas mais radicais do século XX e que apesar de muito desconhecimento sobre o seu trabalho, foi e ainda é um motor para diversos artistas. Algumas das contribuições de Anna para as artes: trabalho artístico em grupo; criação coletiva; peças de dança como manifesto político; uso de improvisação como prática de dança e ferramenta compositiva; indistinção entre arte e vida; integração com a natureza, sendo que suas aulas eram dadas em um deck, ao ar livre, em meio á natureza; estímulo do uso da fala e da voz junto á dança e o uso de tarefas como instruções para improvisação e composição coreográfica (BANANA, 2012, p.31).

Por meio, desse curso a coreógrafa incorporou mais elementos a sua experimentação na dança. Isto é, Trisha apenas incorporou diálogos as suas coreografias depois de participar do Workshop de Halprin. Como exemplo de obra que acrescentou falas, é possível citar a coreografia Accumulation with talking plus watermotor que é o foco desse estudo. Pois, nessa peça, existe a mistura entre a as movimentações da dança e diálogos.

Em janeiro do ano seguinte, Brown se mudou para Nova York e começo a ter aula no Cunnigham Studio com Robert Dunn. Boa parte dos dançarinos que participaram desse curso de composição se uniu e fundou o Judson Dance Theater.

Os artistas desse grupo de dança apresentavam ideais comuns sobre a arte da dança:

Os dançarinos da Judson compartilhavam um compromisso anárquico para alterar as regras pré-concebidas da dança apresentada nos teatros. Eles não confiavam na habilidade física por si só, mas ao invés disso utilizavam tarefas, mudanças e formas de movimentos cotidianas. Eles descartavam outros elementos que consideravam adicionar apenas superficialidade para a dança no palco – figurinos especiais foram substituídos por roupas urbanas ou de ensaio; adereços cênicos e tradicionais elementos cênicos foram suplantados por explorações na arquitetura do edifício teatral e objetos comuns. Muitos dos artistas da Judson também abandonaram a música, preferindo o silêncio, sons eletrônicos e barulhos encontrados nas próprias apresentações. Além do espaço horizontal, o espaço vertical também foi explorado, coreografias ensaiadas foram combinadas com improvisações, e elementos de filmes e da arte visual foram algumas vezes incorporados.  (BITHER, 2008, p.9 e p.10, tradução minha).[2]

O fato é que esses artistas ajudaram na desconstrução do balé clássico e no desenvolvimento da dança contemporânea. Nessa época, Trisha conseguiu fazer as mais diversas experimentações na arte da dança. Entre elas, o constante uso de técnicas de improvisação.  Também, nesta época a coreógrafa colaborou com diversos artistas das artes visuais. Ampliando o alcance de sua proposta artística.

Após fazer parte do Judson Dance Theatre, Trisha Brown começou a desenvolver as suas próprias coreografias. Esses trabalhos foram denominados Early Works e foram apresentados em locais alternativos ao edifício teatral. Esses primeiros  trabalhos foram desenvolvidos em ciclos: duas ou mais peças com a mesma temática forma desenvolvidas em conjunto. Por exemplo, as peças Trillium (1962), Lightfall (1963), Nuclei for Simone Forti (1963), Rulegame 5 (1964), Falling Duet [I] (1968) fazem parte do ciclo denominado Structured Improvisation (improvisação estruturada) [3].

No ano de 1970, Trisha funda a sua companhia de dança denominada Trisha Brown Dance Company.  Em 2013, Trisha Brown se aposentou dos palcos, mas até hoje a sua companhia viaja todo o mundo para divulgar o seu trabalho.

2 ACCUMULATION WITH TALKING PLUS WATERMOTOR

Por ser Accumulation With Talking Plus Watermotor a coreografia desenvolvida por Trisha Brown escolhida para ser analisada neste artigo é importante apresentar alguns elementos desta peça. A primeira apresentação dessa coreografia foi realizada no dia 24 de fevereiro de 1979 na Oberlin College. Mesmo assim, a apresentação que será objeto de estudo desse trabalho é a performance gravada no dia 2 de setembro de 1986 em Nova Iorque. Também, é válido ressaltar que essa peça é um solo dançado pela própria Trisha Brown.

Dessa forma, é possível apresentar uma citação de Goldberg que descreve em poucas palavras como a coreografia é desenvolvida em cena. Assim,

Ela abriu um de seus programas com o solo Accumulation With Talking Plus Watermotor, no qual ela alterna o seu diálogo entre duas histórias cômicas sobre as suas experiências apresentando essa dança. Ao mesmo tempo, ela desenvolve a união entre uma mais antiga e metódica dança do começo dos anos setenta e uma cineticamente contraditória e complexa dança denominada Watermotor (1978).Enquanto, mantêm as duas histórias e as duas coreografias, ela improvisa comentários (GOLDBERG, 1986, p.149)[4].

Então, através dessas descrições algumas observações sobre esse trabalho podem ser realizadas. Entre elas, o fato de Trisha tentar unir duas coreografias que a principio são opostas em apenas um conjunto de movimentações. Além disso, a coreógrafa acrescenta o elemento do diálogo durante a dança que acaba enriquecendo a coreografia. Por resultado, é desenvolvida uma dança complexa que consegue trabalhar tanto o movimento quanto a voz do dançarino.

Mais precisamente, é possível realizar uma breve descrição dos acontecimentos presentes na apresentação que será estudada: A dançarina começa a coreografia com alguns gestuais da coreografia Accumulation. Ao mesmo tempo, Brown começa a descrever as suas ações durante a coreografia. Por exemplo, ela começa a afirmar que está começando a falar durante a sua dança. Também, ela vai descrevendo as suas sensações durante os seus movimentos a partir de metáforas. Por exemplo, ela compara o seu corpo dançante como um motor de água. Nesses momentos, ela começa a dançar algumas movimentações da peça Watermotor.Na verdade, é realmente complicado saber ao certo quando ocorre a transição de uma coreografia para outra por causa da precisão que a bailarina tem em manter elementos das duas peças e ao mesmo tempo desenvolver uma terceira experimentação por meio de movimentos dançantes[5].

Em outros momentos, Trisha começa a falar sobre as outras experiências que ela teve com essa peça. Exemplificando, ela acaba citando a duração das outras apresentações da mesma coreografia e qual era a sonorização desses momentos. É interessante que em alguns períodos a dançarina parece desconstruir os sentidos e as formas das palavras. Por exemplo, ela repete algumas vezes o som da-da-da antes de finalizar a palavra that. Em adição, Brown parece reproduzir com o seu corpo o sentido de algumas palavras presentes em suas histórias. Em outros pontos, Trisha começa a criar alternativas para as suas falas. No final, Trisha anuncia o fim da coreografia e então, ela finaliza a sua dança.

 

3 IMAGEM MOVIMENTO

O foco do estudo será a análise da gravação da coreografia Accumulation With Talking Plus Watermotor. Como o objeto de estudo deste trabalho será uma gravação audiovisual, é possível utilizar o conceito de imagem-movimento desenvolvido por Gilles Deleuze. Portanto,

Com efeito, vemo-nos diante da exposição de um mundo onde IMAGEM = MOVIMENTO. Chamemos Imagem o conjunto daquilo que aparece. Não se pode nem mesmo dizer que uma imagem aja sobre uma outra ou reaja a uma outra. Não há móvel que se distinga do movimento executado, nada do que é movido se distingue do movimento recebido. Todas as coisas, isto é, todas as imagens, se confundem com suas ações e reações: é a variação universal. (DELEUZE, 1983, p.78)

Isto é, para o teórico tudo que é visto em uma obra audiovisual é considerado imagem. Ao mesmo tempo em que é quase impossível diferenciar as ações e as reações que estão agindo diretamente sobre as imagens na tela e a própria imagem. Assim, tudo o que é mostrado na obra acaba se transformando em grande conjunto de elementos. Portanto,

A crise da psicologia coincide com o momento em que não foi mais possível manter uma certa posição. Posição que consistia em colocar as imagens na consciência, e os movimentos no espaço. Na consciência, só haveria imagens, qualitativas, inextensas. No espaço, só haveria movimentos, extensos, qualitativos. Mas como passar de uma ordem à outra? Como explicar que movimentos de repente produzam uma imagem, como na percepção, ou que a imagem produza um movimento, como na ação voluntária? Se invocarmos o cérebro, é preciso dotá-lo de um poder miraculoso. E como impedir que o movimento já não seja imagem pelo menos virtual, e que a imagem já não seja movimento pelo menos possível? O que parecia sem saída, afinal, era o confronto do materialismo com o idealismo, um querendo reconstituir a ordem da consciência com puros  movimentos materiais, o outro, a ordem do universo com puras imagens na consciência.(DELEUZE, 1983, p.76)

Isto é, o movimento é capaz de produzir imagens. Ao mesmo tempo em que, as imagens são capazes de produzir movimentos. Dessa forma, existe o deslocamento desses objetos que antes apenas existiam na consciência (imagem) e no espaço (movimento). É interessante como as obras audiovisuais conseguem transformar esses elementos e reproduzi-los na tela. Isso porque, elas conseguem criar imagens e movimentos que acabam interagindo entre si.

Além disso, é preciso considerar o conceito de movimento presente na dança. Até porque, a obra que é objeto de estudo foi derivada de uma coreografia de dança. Assim,

Com mais razão ainda, a dança, o balé, a mímica abandonavam as figuras e as poses para liberar valores não-posados, não pulsados, que reportavam o movimento ao instante qualquer. Por isso a dança, o balé e a mímica tornavam-se ações capazes de responder aos acidentes do meio, isto é, a repartição dos pontos de um espaço ou dos momentos de um acontecimento. (DELEUZE, 1983, p.15)

Ou seja, a dança começou a utilizar uma nova forma de desenvolvimento de movimentações na qual as figuras pré-estabelecidas foram substituídas pelos movimentos de improvisação. Com isso, a movimentação das coreografias conseguiu responder ao campo externo que estava a sua volta. No caso da apresentação estudada, Trisha responde ao público tanto com as suas movimentações quanto com os seus diálogos improvisados.

Voltando a teoria audiovisual proposta por Deleuze, é visto que o seu conceito de imagem-movimento é divido em três formas distintas. Portanto,

Enfim, as imagens-movimento se dividem em três tipos de imagem quando são reportadas tanto a um centro de indetermina-cão quanto a uma imagem especial: imagem-percepção, imagem-ação, imagem-afecção. E cada um de nós, a imagem especial ou o centro eventual, não é nada mais que um agenciamento das três imagens, um consolidado de imagens-percepção, de imagens-ação, de imagens-afecção. (DELEUZE, 1983, p.87).

Então, as três formas de imagens proposta pelo teórico são encontradas nas obras audiovisuais. Ou seja, são diversos os exemplos de imagem-percepção, imagem-ação e imagem-afecção em um trabalho audiovisual. Até porque, segundo o autor, todos os elementos são formados pelas três formas de imagem.  Dessa forma, a análise da obra proposta tentará buscar e analisar os elementos desses três conceitos apresentados com os apresentados na gravação da coreografia Accumulation with talking plus watermotor.

Em primeiro lugar, devemos considerar dois temas presentes nesse objeto de estudo: o diálogo apresentado por Trisha Brown e as movimentações coreográficas  que utilizam elementos de duas outras coreografias: Accumulation e Watermotor. Por outro lado, o primeiro conceito apresentado por Deleuze é o da imagem-afecção. Logo: “A imagem-afecção é a potência ou a qualidade consideradas por si mesmas enquanto expressadas” (DELEUZE, 1983, 110).Isto é, essa imagem representa a expressividade de um afeto através de uma parte do corpo. Mesmo que essa forma de imagem, muitas vezes esteja associada ao rosto, no caso da gravação da peça de Brown, ela é apresentada através do corpo dançante e da sua interação som a voz falada. Isso porque, muitas vezes a expressão é vista através do rosto, mas no caso da dança a expressão é vista em todo o seu corpo dançante.

Exemplificando, é possível citar as imagens-afeçção do corpo de Trisha que acabam se relacionando com a sua coreografia. Isto é, quando a coreografa está dançando excertos da peça Watermotor, a sua movimentação se torna mais ágil e até a sua voz parece acompanhar esse ritmo. Em adição, quando está repetindo as movimentações de Accumulation, tanto o seu corpo como a sua voz acabam se tornando mais lentos.

Outra forma de imagem apresentada por Deleuze é a imagem-pulsão que é a forma da imagem que representa a busca do corpo pela energia para a realização do movimento. Portanto,

Uma pulsão não é um afeto porque é uma impressão, no sentido mais forte, e não uma expressão; mas ela também não se confunde com os sentimentos ou as emoções que regulam e desregulam um comportamento. Ora, é preciso reconhecer que este novo conjunto não é um simples intermediário, um lugar de passagem, mas que ele possui uma consistência e uma autonomia perfeitas, que fazem até com que a imagem-ação permaneça impotente para representá-lo, e a imagem-afecção impotente para fazê-lo sentir. (DELEUZE, 1983, p.157)

Ou seja, essa imagem se concentra entre a imagem-afecção e a imagem-ação. Mas, essa forma não é uma ferramenta intermediária porque ela apresenta as suas próprias características e autonominas. Portanto, no caso da obra Accumulation with talking plus watermotor, é possível que a imagem-pulsão esteja presente nas falas da voz de Trisha Brown quando ela anuncia o destino de seus movimentos. Mais precisamente, antes de iniciar a sua coreografia, a coreógrafa afirma: Start (começar). Ao mesmo tempo em que no final ela afirma Stop (parar).  Com isso, as indicações de sua narração parecem ser uma pulsão para os seus movimentos. Além disso, essas imagens apresentam formas próprias e não necessitam da existência do movimento para existirem.

 Mesmo assim, é difícil identificar ao certo essa imagem. Isso porque, “O que faz com que a imagem-pulsão seja tão difícil de ser atingida e até mesmo de ser definida ou identificada é que ela está, de certo modo, imprensada entre a imagem-afecção e a imagem-ação.” (DELEUZE, 1983, p.155).

Além da imagem afecção e a imagem pulsão, também é possível encontrar a imagem ação no objeto de análise. Dessa forma, existe a importância de explicar como é aplicado o conceito de imagem-ação. Portanto,

Eis o conjunto da imagem-ação,ou pelo menos sua primeira forma. Ela constitui a representação orgânica, que parece dotada de sopro ou de respiração. Pois ela se dilata pelo lado do meio e se contrai pelo lado da ação. Mais precisamente: ela se dilata ou se contrai de ambos os lados de acordo com os estados da situação e as exigências da ação. (DELEUZE, 1983, p.169)

A imagem ação presente na gravação audiovisual escolhida é a coreografia e a sua sincronia com a voz falada. Ou seja, a voz que acompanha o corpo. Ao mesmo tempo em que o corpo também acompanha a voz.

Além disso, Deleuze apresenta a importância da voz nas obras audiovisuais. Portanto, “Diferente do intertítulo, que era uma imagem diferente da imagem visual, o falado, o sonoro são ouvidos, mas como uma nova dimensão da imagem visual, um novo componente”. (DELEUZE, 2005, p. 269). Ou seja, a imagem sonora da voz acaba interagindo com a imagem visual e desenvolvendo um novo elemento para a imagem visual. Mesmo assim, essa nova forma não pode ser confundida com o aspecto visual porque ela apresenta características e autonomias próprias. Logo, ‘E, mais geralmente, o ato ouvido de fala é ele próprio, de certo modo, visto. Não é apenas a sua fonte que pode (ou não) ser vista. Enquanto é ouvido, ele próprio é visto como traçando a si mesmo um caminho na imagem visual”. (DELEUZE, 2005, p. 276). No caso da gravação que foi analisada, a voz tem um papel fundamental na construção de toda a imagem que está sendo representada. Tanto que, em alguns momentos, ela serve como ferramenta de localização da coreografia. Mas, essa imagem sonora existe por si só e não necessitaria da movimentação corporal para existir pois, ela apenas é um complemento do movimento dançado.

4 SINCRONISMO

Ainda que o objeto de estudo, não apresente o uso da dublagem. É válido utilizar as ideias de sincronismo presente na teoria da dublagem como base para a análise da sincronia entre a voz falada e o corpo dançante presentes na gravação analisada. Logo, Henrik Gottlieb criou uma tabela de níveis de sincronia na dublagem, inspirado por Whitman-Linsen(1992) e Herbst (1994). Dessa forma, serão utilizados esses conceitos para a construção da análise da sincronização entre o som da voz de Trisha Brown e os movimentos realizados pela coreógrafa durante a coreografia Accumulation With Talking Plus Watermotor.

A primeira forma de sincronismo que podemos identificar é o sincronismo de núcleo que representa os gestos e as entonações vocais para se combinar com os movimentos corporais. Mais precisamente, “Sincronismo de núcleo: significa que os movimentos do corpo, gestos com a cabeça, erguer as sobrancelhas, ou gesticular em geral sempre devem coincidir com a pronúncia das sílabas tônicas, que na linguística são referidas como núcleos. (Luyken, 160).” (MACHADO, 2012, p.12).

No caso da obra estudada é possível identificar que o corpo de Trisha acompanha as reações de suas falas. Quando a sua dança se torna mais ágil, ela começa a dialogar com um tom de voz mais agudo. Em adição, quando está com uma movimentação mais lenta, o seu tom de voz é mais neutro.

Outra forma que pode ser encontrada na gravação é o sincronismo silábico no qual, “Sincronismo silábico: a entrada e saída da fala do dublador devem ser iguais à fala original. Atualmente usa-se o recurso do Pro-tools para puxar ou estender a fala.” (MACHADO, 2012, p.12) Mesmo não se tratando de uma dublagem, podemos considerar a fala como a tradução do que o corpo pretende exprimir.

Exemplificando, a velocidade da voz de Brown é acompanhada pelo seu corpo.Quando está dançando a coreografia Accumulation, a velocidade da voz de Trisha é mais lenta. Por outro lado, quando a bailarina está executando trechos de Watermotor, a velocidade de sua voz se torna mais rápida.

 

CONCLUSÃO

Neste trabalho foi realizada análise da gravação da peça Accumulation with Talking plus Watermotor realizada em 2 de setembro de 1986.Em primeiro lugar, foi feita uma breve descrição da obra de Trisha Brown, a coreógrafa e a dançarina da peça que foi objeto de estudo. Depois, alguns elementos dessa obra de dança foram apresentados. Em adição, foram utilizados os conceitos de imagem-movimento como base de análise. Também, foi explorada a questão da voz nesse trabalho e o sincronismo da voz com o corpo em cena. Por conclusão, foi possível perceber como a voz presente nessa obra é complementar ao corpo. Isso porque, em alguns momentos é a voz que serve como orientação para a movimentação do corpo. Ao mesmo tempo, que o movimento do corpo acaba servindo como base para a forma com essa voz seja colocada em cena.

Foram alcançados todos os objetivos que foram propostos porque através deste estudo foi possível conhecer a fundo a coreografia de Trisha Brown e a forma como ela se organiza para dar sustentação à voz falada e ao corpo dançante sem que eles se anulem, apenas se complementem.

Este trabalho foi muito importante para o meu conhecimento, pois, por meio dele eu pude realizar uma análise de uma obra de dança, que é uma área que venho estudando por alguns anos. Mesmo sendo sobre a arte da dança, eu consegui deslocar esse objeto para a área audiovisual e com isso, me aprofundar nessa nova área de estudo. Por outro lado, esse artigo ajudará na construção de mais materiais sobre a coreógrafa norte-americana Trisha Brown. Até porque, a sua obra ainda é uma lacuna na bibliografia especializada em dança em língua portuguesa.

 

BIBLIOGRAFIA

 

BANANA, Adriana. Trishapensamento: espaço como previsão metereológica. Belo Horizonte: Clube Ur=H0r, 2012.

 

DELEUZE, Gilles. Tradução de Stella Senra. Cinema 1- A imagem movimento. São Paulo: Brasiliense, 1983.

 

DELEUZE, Gilles. Tradução de Eloisa de Araújo Ribeiro.Cinema 2- A imagem tempo. 2 ed. São Paulo: Brasiliense, 2005.

 

MACHADO, Dilma. Uma análise do Sincronismo no Processo Tradutório da Dublagem. Rio de Janeiro, 2012, p. 1-27.

 

ELEEY, Peter; BITHER, Philip. Trisha Brown: so that the audience does not know whether I have stopped dancing. Minneapolis: Walked Art Center, 2008.

 

GOLDBERG, Marianne. Trisha Brown: “All of the Person’s Person Arriving”.

The Drama Review: TDR, Vol. 30, No. 1, 1986, p. 149-170.

 

SOMMERS, Sally. Equipment Dances: Trisha Brown. The Drama Review: TDR, Vol. 16, No. 3, The “Puppet” Issue, 1972, p. 135-141.

 

[1]“Ballet, tap, acrobatics and modern jazz, as it was interpreted by my dance teacher in Aberdeen, Washington” (BROWN apud SOMMERS, 1972, p.135)

[2]Judson artists shared an anarchic commitment to upending the governing rules of concert dance. They distrusted physical virtuosity for its own sake and instead utilized tasks, chance, and everyday movement forms (sometimes performed by non-dancers) in an effort to bring dance closer to everyday life. They discarded other elements they felt only added artifice to stage dance-special costuming was replaced by street or rehearsal clothing; stage props and traditional scenic elements were supplanted by explorations of architecture and common objects. Many of Judson artists abandoned music as well, preferring silence, electronic, or found sound. Vertical as well as horizontal space was explored, set choreography was combined with improvisation, and elements of film and visual art were often incorporated.[2](BITHER, 2008, p.9 e p.10)

[3]Todos esses dados foram retirados do site da companhia de Trisha Brown, a Trisha Brown Dance Company. http://www.trishabrowncompany.org/

[4] She opened one of the programs with her solo Accumulation With Talking Plus Watermotor, in which she switches back and forth between two humorous stories about her experiences performing the dance. Meanwhile, she splices together an older more methodical dance of the early70’s and a fast-wheeling, kinetically contradictory and complex dance called watermotor (1978). As she keeps two dances and two stories straight, she improves comments (GOLDBERG, 1986, p.149)

[5] O vídeo dessa apresentação está online. O link para assisti-lo é: https://www.youtube.com/watch?v=4ru_7sxvpY8

 

* Mestranda PGET (UFSC)