O itinerário em Ablativo – Aline Fogaça

O itinerário em Ablativo

Aline Fogaça*

"Ablativo", Enrico Testa

“Ablativo”, Enrico Testa

 

Os amantes de poesia foram presenteados com a recente edição bilíngue (italiano e português) da obra Ablativo, do premiado poeta e professor genovês Enrico Testa. Publicada por Rafael Copetti Editor, a tradução é fruto do empenho dos também professores Patricia Peterle, Silvana de Gaspari e Andrea Santurbano em apresentar ao público brasileiro os oitenta e dois poemas que resultam em um verdadeiro percurso entre reflexão e introspecção, o qual, no entanto, não prescinde do lirismo e da sensibilidade intrínsecos ao gênero.

O livro é dividido em onze seções intituladas “No sono”, “Trópico do Escorpião”, “Plataforma 20”, “Viagem da sombra”, “Cais de Alcântara”, “Naufrágios”, “Balcânicas”, “A ceifadeira”, “Gramática”, “Breve excursão pela América do Sul” e “Passagem”, e conta ainda com um posfácio, “Vozes e tempos: labirinto do olhar”, de Patricia Peterle.

Cada uma delas apresenta uma particularidade que pode ser percebida por meio dos diferentes olhares do eu lírico sobre essa verdadeira poesia de peregrinação, na qual a taciturnidade das paisagens observadas pelo viajante-peregrino se mescla às reminiscências de outrora: a infância, os lugares visitados e as experiências. Toda essa multiplicidade reflete na composição da obra, oscilante entre a versificação e fragmentos que exploram os limites do estilo prosaico.

No que tange à tradução, é fundamental ressaltar a preocupação dos tradutores em preservar a literalidade nos poemas. Exemplos disso são “Elma em turco significa mela” e “Não sei porque DIAMOX”. Quanto ao primeiro, a palavra mela equivale à maçã em português, e a opção em não traduzi-la resulta da manutenção do anagrama entre ‘elma’ e ‘mela’, assim como da metáfora do prisma:

elma em turco significa mela.

Iridescente prisma das letras

que reflete separa reúne

aqui também entre muros e minaretes

ciprestes escuros e costa d’ásia

ou teia fina e incerta

que mesmo não capturando sua coisa

(luz antes ou mosca)

nos mantém – entre rasgos impedimentos e nós –

ainda amarrados juntos (p. 151)

No segundo poema, a troca de letras de ‘diamox’ para ‘diomax’ alude a Deus, fato reiterado na ambiguidade das palavras ‘procurar’ e ‘presença’:

não sei porque DIAMOX,

o nome do diurético para a altura,

na minha cabeça pouco a pouco se transformou,

em uma troca de vogais,

 

Obstinado e incompreendido

continuo ainda a procurar na farmácia

– diante da vendedora estupefata –

a sua presença (p. 157)

 

Esses exemplos demonstram um pouco da essência do ablativo, remetendo não somente ao sentido próprio do termo, isto é, a flexão nominal do latim, mas também às suas outras denotações: a extração e privação resultantes do ato da partida inesperada. É, portanto, essa sensação que permanece ao fim da viagem proposta nas páginas de Ablativo.

O poeta e professor Enrico Testa, em março desse ano, esteve na na USP e na UFSC, onde participou de um Congresso internacional dedicado à poesia italiana, e ofereceu um minicurso no Programa de Pós-Graduação em Literatura, com o apoio do CNPq.

Outras coletâneas do poeta são:

Le faticose attese (prefácio de Giorgio Caproni, San Marco dei Giustiniani, Genova 1988);

In controtempo  (Einaudi, Torino 1994);

Pronomi  (Il Segnalibro, Torino 1996);

La sostituzione  (Einaudi, Torino 2001);

Pasqua di neve  (Einaudi, Torino 2008), vencedor do Prêmio Campana 2008, Prêmio Letterario Val di Comino 2008 e Prêmio Sant’Andrea dello Jonio 2008;

Ablativo (Einaudi, Torino 2013), vencedor do Prêmio Viareggio-Répacci e Prêmio Pascoli.

 

* Doutoranda USP.