A autenticidade do universo de Copi – Telemakos Endler

A autenticidade do universo de Copi

 

Telemakos Endler*

La femme Assise, Copi

Copi é a alcunha de infância dada por Salvadora, sua avó materna, dada à Raúl Natalio Roque Damonte Botana, a qual ele atribuiu como sua identidade literária. Desenhista de comics, dramaturgo, escritor de ficção, ator-travesti…

Muito jovem viu-se levado ao Uruguai, em um primeiro exílio político de seu pai, Raúl Damonte Taborda, quando da ascensão de Perón e o rompimento das relações dele com este general do qual era homem de confiança. Seu pai também foi um pintor de reconhecido talento.

De família política e artística, Copi foi influenciado desde criança pelo meio no qual estava inserido. Salvadora era anarquista e feminista, aficionada à bebida, à magia negra e a paixões “sem sexo definido”, além de poeta e dramaturga. Já seu avó paterno mudou o jornalismo argentino quando da fundação do diário Critica.

Paris foi o próximo destino onde a família se exilou, onde Copi fez seus estudos e instalou-se definitivamente em 1962. O francês tornou-se sua língua literária. Começou publicando quadrinhos nos anos 50, na revista Tia Vicenta e posteriormente no Le Nouvel Observateur publica La femme assise, sua personagem mais célebre. Logo, suas peças teatrais e obras de ficção devem ser pensadas a partir do mundo do desenho, sua atividade primeira, onde tudo é possível e realizável.

“O texto traz a marca da caricatura, do desenho cômico, que busca marcar o gestual, “fixar” expressões ou situações, como se o tempo congelasse neste quadro, mas se seguisse o gesto pela sua retomada no quadro imediatamente seguinte. Certo “exagero”, típico da caricatura, é artifício para se vislumbrar a realidade aumentada, potencializada em todas as possibilidades.” (PIMENTEL, 2011:25)

Através das suas obras, Copi promove um profundo questionamento sobre a condição humana, artística e existencial, seja através de personagens recorrentes como animais (principalmente cangurus e ratos), do Copi-personagem (que aparece nas suas obras de ficção como em El Uruguayo e El baile de las locas) ou demais personagens. Conforme notamos, não somente no quadrinho do canguru Kang (ao lado) onde seu filho(a) troca novamente de sexo, mas diante de todo o seu universo, “falar de Copi, pois, é falar de identidade e do poder que o sexo tem na estruturação do ser. […] A sexualidade é uma história de perguntas que as sociedades seguem fazendo. O aspecto anatômico não é o determinante de uma sexualidade e, sim, a ideia que o homem ou a mulher têm de si mesmos.” (PIMENTEL,2011:64 e 177)

Na sua peça teatral, As quatro gêmeas, escrita em 1973, um par de gêmeas, Maria e Leila Smith, são ladras fugitivas que estão de aniversário na casa delas no Alaska, quando outro par de gêmeas, Fougère e Joséphine Goldwashing, aparecem em seu esconderijo. Durante a trama fala-se do produto do roubo (dinheiro, drogas, joias) e da possibilidade de saírem, evadirem-se e viajarem, enquanto injetam-se drogas e matam-se umas as outras várias vezes. São dois pares de gêmeas (sendo que o gêmeo já é a duplicação do indivíduo) e há uma tentativa de individualizar-se, seja pela separação ou eliminação do outro. Além da evidência das temáticas de solidão, drogas e morte, Copi trata metaforicamente desta busca pela identidade.

“Consciente de que toda definição de identidade é uma limitação, Copi recusa-se a dar respostas definitivas às questões propostas pela construção de modelos identitários. […] Copi busca a perdida identidade que todos nós buscamos, independente de rótulos e de para onde direciona-se, ou de como orientemos, nosso desejo. Afinal, na medida em que essa identidade é uma construção tanto individual quanto coletiva, e mesmo cultural, seja por assimilação ou em rechaço ao status quo, é preciso nos desprendermos da ilusão de que algum dia ela será realizada de maneira estável e definitiva.” (PIMENTEL,2011:199,202)

Nos seus dois monólogos teatrais, A geladeira e Lorreta Strong, os quais já foram inclusive interpretados pelo ator-travesti Copi, a transgressão da identidade também está presente. Em “A Geladeira”, conforme rubrica inicial do dramaturgo “um único ator interpreta todos os personagens, mudando de roupa fora de cena ou no palco, segundo as situações.” (COPI, 2007:81). Ou seja, o ator muda de identidade para poder interpretar os vários papéis. Já em “Lorreta Strong” a personagem explode várias vezes, como se estivesse transgredindo e mudando a sua identidade.

“A ruptura com as raízes, com o solo pátrio faz de Copi cidadão do mundo e de lugar algum, aquele cuja identidade é sempre um mosaico cambiante de possibilidades, aquele que não assenta em rótulos, porém, cujo arguto olhar é capaz de sempre voltar-se para as origens de modo a desnudar-lhes as imagens pré-concebidas, os ícones. Cidadão do mundo, porque artista.” (PIMENTEL,2011:59)

Esse mundo da identidade e sexualidade é apenas um mundo, ainda com muito a ser explorado, nesse imenso universo que foi nos deixado de legado por Copi, que morreu em 1987, apenas com 48 anos de idade, vítima de AIDS.

 

Referências

 

COPI, A geladeira. Tradução de Maria Clara Ferrer. Copi Eva Perón / Loretta Strong / A Geladeira. Rio de Janeiro: 7Letras, 2007.

COPI, As quatro gémeas. Tradução de António Barahona. Livrinhos de teatro. Lisboa: Artistas Unidos/Livros Cotovia, 2010.

COPI, Loretta Strong. Tradução de Ângela Leite Lopes. Copi Eva Perón / Loretta Strong / A Geladeira. Rio de Janeiro: 7Letras, 2007.

PIMENTEL, Renata. Copi: transgressão e escrita transformista. Rio de Janeiro: Confraria do Vento, 2011.

 

*Aluno de artes cênicas da UFSC.