Estilo da boca – Ricardo Corona
Estilo da boca
Ricardo Corona*
a Jardelina da Silva (em memória)
1.
tá viva a letra…
no rastro do enigma
olhe de novo
(minha mãe lia o livro da terra
e tudo que eu faço é por isso)
pegadas juvenis
na floresta negra
2.
a lua branca intercepta
reflexos
(eu sou o rabo e eles não podem com eu
eu levo o mundo inteiro)
na harpa ouro
do anjo nu
3.
clonado
sobre a lâmina do lago
(Jardelina salvou o mundo,
desencantou a lagoa)
sobre
carpas em alvoroço
4.
no alvo do caos
no cu de uma estrela cadente
(ha ha ha ha ha ha
ha ha ha ha ha ha ha)
no primeiro riso
depois do humano
5.
depois do macaco
antes da hiena
(porque o primeiro índio é o pajé
cê sabia disso?)
o primeiro, depois
do nem fim nem começo
6.
na passagem
no avesso da paisagem
(eu entrei dentro dos quinto dos inferno
mas tudo que eu falo é o planeta)
olhe para dentro
olhe para fora
7.
olhe com as costas
do globo ocular
(tudo o que eu falo sai num afirmado
esqueci o estilo da boca)
deixe a velha poesia
para trás
8.
(minha mãe lia o Livro da Terra:
“essa cigana, ela usa batom,
ela usa tudo quanto é tintura
e ela nunca larga a moda dela,
e nem acompanha a moda de ninguém,
a moda dela só ela que faz.”
eu ia saber que era eu?)
*Poeta e performer