Poemas de Tomasz Łychowski

Poemas de Tomasz Łychowski

 

 

Tomasz Łychowski

Tomasz Łychowski

Autor sobre si mesmo:

Nasci em Angola em 1934. Passei a II Guerra Mundial na Polônia e na Alemanha. Depois da guerra vim para o Brasil com os meus pais em 1949 e me naturalizei brasileiro.

Sou poeta, pintor, escritor, tradutor e crítico de cinema, com 8 livros publicados. A segunda edição do livro de memórias Meu caminho para a lua está disponível na editora Letra Capital. O livro conta detalhes sobre o nascimento em Angola, fala da II Guerra Mundial na Polônia, como o mais jovem prisioneiro de guerra (com 7 anos de idade) e relata como foi a vida de um jovem imigrante no Brasil.

Recomeço, coletânea de poemas, publicada em 2014.

Exposições: no Rio de Janeiro, em Paris, em Londres e em Varsóvia.

Casado, pai de quatro filhos e avô de quatro netos.

Formação profissional: Certificate of Proficiency da Universidade de Cambridge e Diploma of English Studies, da mesma universidade. O Diploma of English Studies é de pós-graduação.

Complementação pedagógica: PUC – Rio. Curso de linguística aplicada na universidade de Manchester, Inglaterra.

Exercício do magistério: Cultura Inglesa (1963 – 1992, (CCAA 1992 – 1998). Professor do Estado do Rio (1968 – 1998) e Especialista em currículos da Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro. Professor do Colégio Pedro II (1992 – 1998), até a aposentadoria.

Tradutor intérprete judicial e do Consulado da Polônia, nos 12 últimos anos. Livros traduzidos do polonês para o português: O que nos perguntam os grandes filósofos de Leszek Kolakowski e o Tríptico Romano, de João Paulo II. Do polonês para o inglês: Memórias da II Guerra Mundial de Jerzy Zoller. Tradutor Juramentado, aprovado em concurso público.

 

Poemas do livro Recomeço

 

RIO: 1500 / 1949

                                                                               Para João Baptista – o brasileiro muitíssimo cordial

 

Baía da Guanabara –

sempre porto seguro

 

Ingredientes:

os mesmos do descobrimento –

o fim de uma travessia

o começo de uma folha em branco

 

Diferente, porém, a emoção –

não a de quem toma posse

mas o abraço do desconhecido

 

O Pão de Açúcar –

o Cristo Redentor

não apenas uma paisagem –

 

A cada dia um novo horizonte

adentra a retina

se espraia em forte lembrança

 

O barco balança nas ondas

o avião circunda a montanha

o sol queima, ilumina

 

Não sei o que é mais verdadeiro:

é meu o Rio de Janeiro

ou eu do Brasil?

 

O ônibus da Central

 

O menino esfarrapado

tinha algum dinheiro em sua mão

olhando para o adulto palmos acima

perguntou: “Qual é o ônibus pra Central?”

 

O homem olhou com desconfiança

aquele era um pequeno feixe de humanidade

“Sei não” – disse o homem e lhe deu um dinheiro

 

O ônibus chegou. “É este”, escapou-lhe sem querer

de alguma forma pareciam estar próximos

agora algo os unia

 

O menino correu pro ônibus

Sem saber por que, o homem virou a cabeça

e olhou na direção do 121

Viu o garoto olhando pela traseira do ônibus

 

O homem acenou

o menino também

 

PERSPECTIVAS

 

Assim de perto

o bebê parecia satisfeito

sua mãezinha segurava a mamadeira

quase vazia

de um lado recostado num pequeno travesseiro

do outro protegido pelo corpo da mãe

o bebê, meio adormecido, meio desperto

parecia não notar

o céu

 

A mãe, jovem e bonita

tinha olhos grandes, escuros

e um sorriso agradecido

imersa em sua maternidade

tão próxima do bebê

 

Ao abrir a janela do segundo andar

o homem percebeu a mãe e a criança

deitados num canto daquele prédio

numa dessas ruas do Rio de Janeiro

 

Ali a mãe havia criado um abrigo

um delicado santuário

um lar para o bebê

(e para o seu sorriso agradecido)

 

Por quanto tempo?

perguntava-se o homem –

Por quanto tempo?

 

QUANTO MAIS

 

Quanto mais busco o Brasil

tanto mais descubro a Polônia

e também o contrário

 

Fala a terra e o espírito

que nela habita

 

Cerejas e manga

a bétula e o guatambu

a criança loura e o meu

Curumim

 

Sinto-me polonês

de verdade

um brasileiro

 

Quando o ser humano

mostra o seu rosto

quando cruza o limiar

de si mesmo

quando me estende sua mão

 

TU

 

Tu conheces aquela sensação

ao teu lado

está alguém ou algo

que amas

 

Invisível, mas próximo

inaudível, mas tu o ouves

 

Essa presença amiga

desperta em ti a saudade

aumenta

 

Na memória surgem topografias

rostos

até mesmo animais daquela terra

 

Que te alimentou,

acalentou

nunca disse adeus

 

O angolano em ti existe

ao lado do polonês

do brasileiro

 

Tu – filho daquela terra

deste planeta

 

 

CIDADE VELHA DE VARSÓVIA

 

Café-com-creme

panquecas

dia ensolarado

brancura sorridente

 

O impacto do agora

 

Na parede, ali perto, uma placa

conta uma história diferente

de dias já antigos

 

Cada pedra da rua

sussurra nomes

de ausentes-presentes

 

Para os estranhos

Café-com-creme

para nós, para mim

quase um sacrilégio

 

MINHA

 

O bombardeio às três

Pelas quatro, vieram-nos buscar

e nos levaram para a Praça do Castelo

Tivemos que subir em caminhões

 

Os canos das metralhadoras

apontadas em nossa direção

Passamos o resto da noite

no banheiro da prisão

 

Então a rotina da cela 25

de manhã, a chamada

café aguado, pedaço de pão

fome, medo, frio

 

Agora, sol

vista para o Vístula

 

Era assim, é assim

minha Praça do Castelo

 

AQUI

 

Papai esteve aqui

ainda está

porque aqui o que aconteceu

perdura

 

Piso no Túmulo Coletivo

o pó miúdo de corpos queimados

grudou nestas paredes para sempre

 

Impossível libertar-se deste saber

eles ainda estão aqui

permanecem

 

O grupo multilíngue de visitantes lembrará

que a crueldade consegue ser cirúrgica

maltrata, mata

depois emite certidões de óbito

informa as famílias

 

“Conforme lei tal e tal

parágrafo tal e tal…”

 

Nessa férrea disciplina

o homem se sente justificado

 

Não há culpa onde impera a ordem

 

Sim, papai esteve aqui

sobreviveu

– de verdade?

 

Agora, com toda certeza

é-me mais próximo ainda

 

Auschwitz, 14/06/2006

CHEGA!

 

Que culpa tenho eu

– nascido em Angola –

de não ser negro?

 

Adotado pelo Brasil

de ser gringo?

 

Que culpa?

 

De ser filho de alemã na Polônia

e de polonês na Alemanha?

 

Chega de falsas culpas!

Já não bastam as verdadeiras?

 

E TAMBÉM O CONTRÁRIO

 

Por cima do mar

ligando o Rio a Niterói

com mais de 14 km

uma ponte

 

Por cima do rio Vístula

ligando Varsóvia a um dos bairros

com menos de meio quilômetro

outra ponte

 

Às vezes fica mais difícil

atravessar essa do que aquela

ou mais fácil

 

Amiúde estou lá

enquanto estou aqui

e também o contrário

 

 

Leminskiana

 

Depois de tantos eletrocardiogramas

vários eco

um da carótida

dois Holter

e três ergométricos

o cardiologista, finalmente, deu o seu parecer:

 

Tenho coração

 

Quatre-vingt

 

é mais do que oitenta:

 

Vingt:

 

o mundo a meus pés

 

Quarante:

 

um lugar ao sol

 

Soixante:

 

tempo de colheita

 

E, finalmente,

 

quatre-vingt:

(re) começo