VIOLETAS NA MULTIDÃO – Vinícius Valcanaia

VIOLETAS NA MULTIDÃO

Vinícius Valcanaia

 

“Os amantes”, René Magritte

Putz, era a primeira vez que uma garota me trazia flores no em um encontro. Lembrando bem, poucas foram as vezes em que alguém me trouxe flores.

Teve um garoto, quando eu tinha 16, é isso.

Só ele.

Além das flores, ele ficava o tempo todo pedindo desculpas por estar atrasado uns 20 minutos na única linguagem que segundo ele, as mulheres seriam capazes de entender, soltando o buquê na minha mão com aquela cara de “Por favor não fique emputecida comigo”, um gesto bonito e agradável, que arrancou um sorriso do meu rosto. Mas, como tantos encontros e tantas transas, aquele também não resultou em grande coisa.

Uma mulher trazendo flores para um encontro, é algo sem precedentes. Ainda mais para outra mulher. E ela o fez de surpresa, sem grandes prentensões ou arroubos de gentileza.

Eu fiquei encantada e como da última vez em que nos vimos, quase sem palavras. Ainda estou sem palavras por conta do buquê, deixando que os olhos dela flutuem sobre o meu quarto, dividindo espaço com a lâmpada, enquanto meus olhos repousam sobre o buquê de violetas, sobre a minha cômoda.

Estávamos paradas na porta do terminal de ônibus. Passantes, pessoas e populares, emburrados e com o pior humor do mundo, circulavam ao nosso redor. Alguns de cara feia, já pregando as novas ideias de um país em retrocesso, não acreditavam em duas mulheres trocando um certo afeto, ali paradas e hipnotizadas uma com a outra.

Ela cintilava, como uma jóia recém polida, saída de uma daquelas pequenas caixas em que se guardam anéis e brincos.

Depois de me entregar as flores com muita naturalidade, as palavras dela cruzavam-se com as minhas e então o beijo, cheio de nervosismo, calor e fome. Fome de afeto, incitada pelo perfume das violetas. Sem a nossa permissão, as cores dos nossos batons pintavam tons diferentes ao redor da boca de cada uma.

Que bosta.

Outro acontecimento sem precedentes. Nenhum dos homens que eu beijei antes dela usavam batom. De fato, nunca beijei uma mulher que usasse batom.

Meu rosto se avermelha, para combinar com o meu batom.

Perigo Rubro, era o nome da cor que eu escolhi para aquela noite, sem precedentes, masculinos ou femininos.

Mas, ela era uma mulher mais velha e eis outro fato sem precedentes, na bolsa ela trazia aqueles lenços umedecidos para limpar bundinhas de bebê. E com um deles, limpou as marcas vermelhas ao redor dos nossos rostos.

Continuamos ali, abraçadas e sorrindo. Eu me equilibrava para segurar num braço o buquê e no outro o mesmo abraço que agora me parecia tão certo. Ela nada mais fez além de me beijar, pedir meu silêncio e esperar que eu apreciasse o perfume das violetas.