Carta para uma amada – Ronaldo Pinheiro Duarte
Joinville, 16 de Novembro de 2015, 14h37
Carta para uma amada,
A Parábola do Amor Doente, ou A Tragédia em Mariana, ou O Amor pela Lógica Capitalista, ou Será que Queremos Repetir Nossas Tragédias do Passado?
“Tudo é amor. Até o ódio, o qual julgas ser a antítese do amor, nada mais é senão o próprio amor que adoeceu gravemente.” Emmanuel por Chico Xavier, do Livro Vida e Sexo.
Para entendimento da parábola: Toda Cidade é uma pessoa. Todo rio é o amor. Toda empresa é uma Pessoa. Tudo acontece sob uma lógica capitalista…
A Multinacional Vale do Rio Doce (pessoa) casou-se com a Multinacional BHP Billiton (pessoa). Casaram-se e tiveram uma filha, a Samarco (pessoa). Viram em Mariana (pessoa) uma cidade rica por seu Rio Doce (o amor). Negociaram o casamento da Samarco (pessoa), interessada no Rio Doce (o amor), com a Cidade de Mariana (pessoa), interessada também no Rio Doce (o amor). Mariana (pessoa) é uma cidade como outra qualquer, não nos chama muito a atenção. A Samarco (pessoa), uma mineradora como outra qualquer, não nos chama muito a atenção. O Rio Doce (o amor) é um rio como outro qualquer, não nos chama muito a atenção. (Apresentados todos, o teor explicativo e repetitivo acaba por qui). A Samarco e a Mariana, porém, entendem o quanto são preciosas e o quão precioso é o Rio Doce. Por isso, negociam a exploração dele para a construção de seu patrimônio bilionário. Não é que a Samarco e a Mariana não se interessem pelo Rio Doce integralmente, elas sabem de seu valor integral, mas o todo do Rio Doce é MUITO para elas, segundo suas lógicas civilizadas e capitalistas. Portanto, elas preferem selecionar sua exploração no que as concerne, apenas no que lhes é conveniente. E seguem explorando-lhe. A Samarco, pelo seu nível social, profissional, paterno e materno, internacional, entende dessa exploração e auxilia Mariana que tem bastante motivação, numa exploração “eficiente”. Todos começam a compreender muito sobre como extrair tudo o que lhes convém do Rio Doce nesse, aparente, feliz casamento, mas pouco sobre o que realmente é a integralidade desse Rio Doce. Selecionam dele o que lhes apetece. Fazendo desse modo, causam terríveis estragos ao Rio Doce de Mariana, da Samarco, do Brasil, do mundo, de todos… Que precisa, portanto, ser contido numa barragem. Então, elas contêm partes do Rio Doce, porém, esquecem-se que o Rio Doce (o amor) não pode ser contido e que o Rio Doce Doente deve ser tratado e liberado. Essa barragem é a concentração de tudo de ruim que se dá nessa exploração do puro e cristalino Rio Doce. Faz-se necessário represar tais impurezas para que não prejudiquem a exploração, mas só por isso. E isso vai se dando ao longo do relacionamento entre ambas. O Rio Doce continua jorrando firme, e tudo que interessa a elas, dele vai sendo extraído, mas tudo o que não lhes é interessante segue rio abaixo, passando por outras cidades, que também tem Rio Doce nelas. Estamos falando de um punhado de cidades que não nos chamam a atenção, de onde jorra também Rio Doce, que é como outro qualquer. Porém, há, lá no alto, o casamento/relacionamento da Samarco e Mariana em função do Rio Doce segundo uma limitada lógica capitalista, aproveitando-se dele, represando tudo o que não interessa ao casal nesse relacionamento. Pensamento natural nessa lógica segregadora. Mas Rio Doce é tão rico, que mesmo sendo explorado de maneira seletista, ainda assim, consegue suportar por muitos e muitos anos a exploração do casal. Só que do mesmo modo que o rio, integralmente, é enormemente puro e cristalino, a barragem que represa todas as suas impurezas provenientes de sua exploração seletista acaba tornando-se um grande lago, com potencial de rio (tsunami até), porém, é tanto rio (amor) manipulado, segregado, abandonado, desprezado, aliciado, deturpado, que acaba virando um lago de lama tóxica, um pedaço do Rio Doce adoecido…
…Aqui faz-se uma pausa necessária na história, para reflexão sobre a parábola: Essa barragem de “Amor Doente” (ódio, demônios, tormentos), é um marco civilizatório. O sentido de responsabilidade, que deveria ser baseado no amor, em nossa sociedade CAPITALISTA foi deturpado, indica que devemos represar/reprimir as impurezas, as coisas tóxicas, o ódio etc. Mas o fato é que nada integral é tóxico, nada é ódio, não existe o bem, assim como não existe o mal. Tudo, em excesso, torna-se tóxico. Tudo o que é manipulado pelo homem tem grande potencial tóxico. Todo remédio pode transformar-se em veneno dependendo da dosagem. Ao Rio Doce (o amor) é preciso dar vazão, é preciso aproveitá-lo integralmente. A melhor maneira de interferir num rio (no amor) é com outro rio, numa junção de diferentes fontes de águas cristalinas, numa bifurcação aquosa tão fluida que acaba culminando em cascatas de amor. Quem quer banhar-se no Rio Doce, dispa-se ou vá de roupa, banhe-se! Aproveite, beba, desbrave, porém, não o canalize para si, não explore apenas o que lhe convém e como lhe convém. Essa lógica capitalista da história é a causa do amor doente. Se quiser um casamento entre Mariana e Samarco (duas pessoas), que não haja interesse em se aproveitar irresponsavelmente de seu Rio Doce (o amor), que não procurem explorá-lo selecionando apenas o que lhes convém e represando as impurezas consequentes dessa exploração numa barragem, pois todos nós sabemos o final dessa fatídica história…
… Foi tanta lama, tanto Rio Doce Doente represado, que a barragem rompeu e Mariana foi destruída por um tsunami de lama tóxica, um rio de lama que adoeceu completamente o Rio Doce e todas as cidades por onde ele passa. Já dizem alguns, chegará até o mar, onde também ali adoecerá mais um bocado de coisas… Para reparar os danos causados, serão necessárias ondas vibracionais de outras lógicas, que não sejam essas capitalistas, pois as multas imputadas, sob essa lógica limitadíssima, de nada servem nem servirão para a cura desse rio. Serão necessários atos de entrega sem barganha, sem medo de sair perdendo, sem medo de arriscar-se no mistério que é o Rio Doce (o amor), pois enquanto ele era vivo, puro e cristalino não soubemos aproveitá-lo, agora que ele virou turvo, doente, morto e assassino, choramos seu adoecimento. E no adoecimento do amor, assistimos pasmos e amedrontados aos atentados, chacinas, mentiras, terrorismos, terrorismos, terrorismos. Medo é característica fundamental do amor doente, de uma sociedade doente, que trata seus indivíduos da mesma maneira com que tratamos o Rio Doce, agora dado como morto. Não há perspectiva de salvação sem mudança de posicionamento, pois, como diz o escritor Erich Fromm em A Arte de Amar: “O princípio que alicerça a sociedade capitalista e o princípio do amor são incompatíveis.” (FROMM, p. 168), apontando criticamente o real problema da ausência do amor nessa sociedade. Porém, terminar esse texto com essa sensação de derrota não convém a quem procura saídas e alternativas à vida na Terra. E procuramos! Por isso, nós devemos seguir com outra citação de Fromm, que escreve: “Mesmo que se reconheça ser o princípio do capitalismo incompatível com o princípio do amor, deve-se admitir que o ‘capitalismo’ é, em si, uma estrutura complexa e constantemente mutável, que ainda permite boa porção de não-conformismo e de latitude pessoal.” (FROMM, p.169). Com isso, percebemos que há esperança e sempre há tempo para uma mudança de posicionamento em relação à vida e ao amor. Amem!
Com todo o meu amor,
Ronaldo Pinheiro Duarte,
Revisão: Thaís Fernandes.